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Estado de Minas

Visão animal é recuperada com biomateriais em Viçosa

Estudo desenvolvido há quase uma década na Universidade Federal de Viçosa propõe nova forma de tratar lesões na córnea de gatos e cães, permitindo regeneração e recuperação em 30 dias


postado em 20/01/2014 08:05 / atualizado em 20/01/2014 08:04

Bruno Freitas

(foto: Valf)
(foto: Valf)

Um dos cinco sentidos que permitem a percepção do mundo, a visão é muito aguçada nos animais. Não por acaso, cães e gatos têm grande acuidade visual, enxergando de longe tudo o que se move em seus cristalinos refletores. Um mal, contudo, vem se tornando cada vez mais comum ante a sensível membrana responsável por resguardar tão importante ferramenta: lesões na córnea. A alta incidência de casos envolvendo as duas espécies é agravada pela baixa disponibilidade de recursos para tratamentos adequados. Duas fortes razões que levaram a Escola de Veterinária da Universidade Federal de Viçosa (UFV) a estudar e propor novas formas eficazes de aplicação de biomateriais em substituição aos métodos convencionais de sutura, obtendo redução de atrito na área lesionada e recuperação em até 30 dias.

Iniciada em 2005, a pesquisa liderada pela doutora em ciência animal e professora Andrea Pacheco Batista Borges trata de ferimentos muito comuns no ambiente doméstico: queimaduras, irritações constantes, conjuntivites e arranhões, quase sempre causados durante brigas ou exposição à poeira. Como os animais não demonstram incômodo com o ferimento, o dono do bicho só percebe a doença quando a lesão já se encontra em estado avançado. “As consequências de lesões de córnea são evolutivas e culminam com a perda da visão. O tratamento é para impedir que a lesão de córnea progrida para a perda da visão e para permitir a regeneração da córnea lesada”, diz Andrea.

Membrana fibrosa e transparente situada sobre a íris, na parte frontal do olho, a córnea tem quatro camadas principais (epitélio, estroma, ou substância própria, membrana de Descemet e endotélio) nos cães, contra seis camadas do homem. Normalmente o procedimento adotado em feridas no globo ocular animal consiste na aplicação de curativo ou gaze sobre a área atingida.

Ainda na fase experimental, o estudo consistiu na aplicação de membrana de bolsa amniótica extraída de cadelas parturientes sobre a área afetada no globo ocular dos cães pacientes. O método de aplicação de sutura não se mostrou satisfatório, uma vez que houve reação inflamatória com o material aplicado (fio). Por outro lado, a membrana amniótica demonstrou boa adaptação como revestimento da lesão. “Foram registradas reações como fotofobia e blefarospasmo, secreção ocular, hiperemia conjuntival, quemose e edema de córnea, demonstrando evidências de atenuamento no sétimo dia da cirurgia. Restava um método para unir o biotecido ao corpo sem provocar reações”, explica a pesquisadora.

A partir de 2007, os procedimentos deixaram a fase experimental e com aporte da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e novos equipamentos, as suturas foram associadas à membrana amniótica, o polímero adesivo de cianoacrilato (N-butil-2-cianoacrilato), em quatro grupos de animais identificados pela letra G. A espécie também foi alterada: os testes passaram a ser realizados em coelhos da raça nova zelândia – não havia disponibilidade de gatos para o procedimento cirúrgico, segundo a pesquisadora. "Apesar de o tratamento ter sido desenvolvido principalmente para cães e gatos, os coelhos foram escolhidos pela docilidade do animal e melhor resposta biológica.”

Cada grupo buscou analisar qual composição química de biomaterial se mostraria mais eficiente. As lesões foram induzidas nos coelhos com o uso de trépano, instrumento cirúrgico em forma de broca geralmente usado para perfuração de dentes e ossos. No decorrer do tratamento o grupo G1 recebeu aplicação do butil-cianoacrilato, ao passo em que o G2 foi tratado com N-butil-2-cianoacrilato como agente aderente associado à membrana amniótica de tamanho maior que o da lesão de córnea. O G3 foi sujeito a método semelhante ao do G2, porém com mais uma camada de membrana na porção externa da córnea, suturada com a aplicação de fio de náilon. O grupo G4, por sua vez, recebeu a membrana amniótica suturada com o fio de náilon. Na comparação dos grupos, ao fim da fase de testes, observou-se que o G2 apresentou a recuperação da lesão no menor tempo e melhor acomodação do biomaterial.

“A técnica cirúrgica estudada, pela associação dos biomateriais, permitiu a eliminação das desvantagens demonstradas em pesquisas anteriores quando os mesmos foram utilizados separadamente e atuou na preservação do bulbo ocular e da visão dos animais. A membrana no G2 e G3 funcionou como barreira contra o extravasamento do humor aquoso mantendo a superfície seca para a aplicação do adesivo, impediu o seu contato com as estruturas intraoculares e, associada ao adesivo, acelerou a reparação da lesão. Como conclusão indica-se a membrana amniótica associada ao N-butil 2-cianoacrilato no tratamento, mas sua manipulação deve ser cuidadosa para evitar a formação de catarata”, ressalta Andrea.

A linha de pesquisa associada ao N-butil-cianoacrilato como método de tratamento foi finalizada em 2011, destacando-se na veterinária como método mais seguro para esse tipo de trauma. Desde então, se tornou tema de diversas dissertações de mestrado e teses de doutorado. “O método é usado, com sucesso, por profissionais de todas as áreas da veterinária, como a rural, além de já ter sido empregado, por certos oftalmologistas, no tratamento de pacientes humanos”, sustenta a pesquisadora, que concluiu nova tese sobre o desenvolvimento in vitro de membranas sintéticas à base de celulose bacteriana, em fase de análise de dados.

O Estado de Minas procurou a Sociedade Brasileira de Lentes de Contato, Córnea e Refratometria (Soblec) e a Sociedade Brasileira de Oftalmologia (SBO) para comentarem sobre o estudo, mas nenhuma delas se posicionou. Até o fechamento desta edição, a Sociedade Brasileira de Medicina Veterinária não respondeu ao contato feito.

Três coisas que você precisa saber sobre a lesão ocular animal:

1. O que é

Condição patológica em que o animal sofre uma erosão sobre a córnea, perdendo o revestimento exterior da membrana, o epitélio

2. Causas
Podem surgir em decorrência de arranhões, exposição à poeira, produtos químicos, vegetais, queimaduras, irritações, infeções
ou traumatismos

3. Consequências
Baixa tendência à cicatrização, penetrando nas camadas inferiores da córnea e em último caso, perfuração total da membrana. Pode provocar obstrução da visão, fortes dores oculares, lacrimejamento excessivo, contrações involuntárias da pálpebra e inflamações. Se não for tratada, pode levar ainda à infecção e hemorragia nas estruturas internas dos olhos


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