(none) || (none)
Publicidade

Estado de Minas

Achado o mais antigo ancestral do homem

Espécie viveu há 55 milhões de anos, em uma região onde hoje fica a China. Descoberta, apresentada na Nature, reforça a tese de que primatas surgiram na Ásia e não na África


postado em 06/06/2013 07:50 / atualizado em 06/06/2013 08:37

Paloma Oliveto

Ilustração mostra como devia ser a aparência do Archicebus achilles: porte de mico, cara de lêmure e calcanhar de homem(foto: CAS. XIJUN NI/DIVULGAÇÃO)
Ilustração mostra como devia ser a aparência do Archicebus achilles: porte de mico, cara de lêmure e calcanhar de homem (foto: CAS. XIJUN NI/DIVULGAÇÃO)

Brasília – Com 7,1cm de altura e pesando entre 20g e 30g, o mais antigo ancestral de homens, macacos modernos e símios não tem origem na África, mas no Sudeste asiático. A descoberta de um minúsculo fóssil de 55 milhões de anos às margens do Rio Amarelo, na China, foi anunciada na edição de ontem da revista Nature e representa, segundo os pesquisadores, uma mudança no estudo da história evolutiva dos primatas. O animal, pertencente a um novo gênero, é pelo menos 7 milhões de anos mais velho que os esqueletos considerados, até agora, os mais antigos já escavados.

Batizado de Archicebus achilles, o fóssil estava muito bem preservado, uma surpresa para os cientistas, já que esqueletos menos antigos do que ele costumam emergir dos sedimentos de forma bastante fragmentada. Para retirá-lo da rocha onde se encontrava, os especialistas precisaram cortar ao meio as finas camadas onde os ossos do pequeno macaco foram depositados. Com isso, conseguiram extrair a parte e a contraparte do Archicebus, ou seja, o esqueleto verdadeiro e a marca espelhada dos ossos, que ficou gravada na pedra. Isso ajudou a esmiuçar a anatomia do primata na fase de testes de imagem, realizados na Instalação Europeia de Radiação de Síncrotron (ESRF), que usa a avançada e precisa tecnologia de raios X de síncrotron.

“O Archicebus difere radicalmente de qualquer outro primata, vivo ou fóssil, conhecido da ciência”, declarou Christopher Beard, pesquisador do Museu de História Natural Carnegie, em Pittsburgh, e um dos autores do artigo. Ele contou que a estrutura óssea singular do animal é surpreendente. “O pé e o calcanhar foram os aspectos mais chocantes, porque o pé se parece com o de um lêmure, e o calcanhar assemelha-se ao de um antropoide. O que temos é um mosaico maravilhoso, um híbrido, um társio e um antropoide em uma única criatura”, afirmou.

Os antropoides são a família em que se encaixam homens, macacos e símios e que, portanto, inclui o ancestral comum aos três. Já os társios constituem um grupo de primatas distantes dos seres humanos, como os lêmures, os engraçadinhos animais imortalizados no desenho Madagascar. Beard ressaltou que homens e társios são “completamente bizarros anatomicamente e do ponto de vista evolutivo”, embora o Archicebus tenha características de um e de outro. A reconstituição artística baseada em imagens tridimensionais obtidas no ESRF mostra um bicho com porte de mico, cara de lêmure e calcanhar de homem.

Segundo os pesquisadores, esse estranho primata preenche um galho da árvore evolutiva que ainda estava vazio e parece ser imediatamente posterior à divisão dos primatas em társios e antropoides (veja infografia). “Pela primeira vez, temos um quadro completo e esclarecedor de um primata próximo à época dessa divergência. Isso representa um grande passo nos nossos esforços de mapear o curso das primeiras fases da evolução de primatas e homens”, observou o principal investigador da equipe, Xijun Ni, cientista do Instituto de Paleontologia Vertebrada e Paleoantropologia da Academia Chinesa de Ciência.

Comunicação geográfica

O simpático Archicebus viveu no início do Eoceno, época em que a Terra passava por mudanças ambientais, incluindo um período de aquecimento global. Em todo o planeta, o clima era tropical e subtropical, a condição ideal de sobrevivência dos primatas.

Naqueles tempos, devido à inatividade das placas tectônicas, a África era um arquipélago isolado, com fauna e flora endêmicas, semelhante ao que ocorre hoje na Austrália. O atual continente, inclusive, é bastante pobre de fósseis pertencentes ao Eoceno. Já o Sudeste asiático comunicava-se geograficamente com o restante do planeta e abrigava animais diversos, incluindo o Teilhardina asiatica, um protoprimata de mais de 50 milhões de anos, descoberto em Hunan, a mesma província chinesa em que se encontrou, agora, o Archicebus.

Segundo Christopher Beard, cada vez mais, há evidências de que a Ásia, e não a África, é o berço dos primatas. “Se sequenciarmos o DNA de primatas e de outros mamíferos vivos, descobriremos que, genomicamente, os primos mais próximos deles são os lêmures, e esses animais existem apenas no Sudeste asiático. Isso dá uma pista sobre o local onde o ancestral comum surgiu”, diz.

A hipótese é reforçada pela abordagem tradicional da paleontologia, que se baseia em registros fósseis. O cientista ressalta, entretanto, que a origem do homem moderno continua sendo o continente africano. Contudo, esse evento só ocorreu entre 200 mil e 100 mil anos atrás, muito tempo depois do florescimento dos primatas. Acredita-se que os primeiros animais desse grupo tenham alcançado a costa leste da África pelo mar, por mais estranha que seja essa explicação – não há outra, até agora. Lá, os primatas foram se divergindo em diferentes linhagens, até surgirem o homem e os demais antropoides.

Tecnologia

Para os pesquisadores que fizeram a descoberta, o anúncio não deverá ser contestado, pois o fóssil do pequeno mamífero foi estudado exaustivamente em um dos mais avançados laboratórios de imagem do mundo. “Literalmente, nós colocamos esse animal de pé”, disse Paul Tafforeau, paleoantropólogo do ESRF especializado na técnica de raios X de síncrotron. Ele revelou que foram necessários 10 anos para que se publicasse o resultado do estudo, que escaneou os ossos do Archicebus e remontou o esqueleto em 3D. A posição filogênica do novo primata na árvore evolutiva foi determinada depois da análise de mais de mil características anatômicas referentes a 157 mamíferos.

Em nota, John Flynn, curador da área de fósseis mamíferos do Museu Americano de História Natural, afirmou que, “para revelar esses segredos memoráveis que estavam escondidos nas rochas por milhões de anos, foi realizado um intenso trabalho, que aplicou tecnologia de ponta, com a colaboração intensa de diversos museus”. “Estamos convencidos de que não há outro lugar na árvore evolutiva para colocar o Archicebus. Quem vê os dados do nosso estudo vai notar que não há controvérsia alguma”, concluiu Paul Tafforeau.

 


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)