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Estado de Minas

Células-tronco amenizam surdez

Tratamento com material humano melhorou em até 46% a audição de esquilos. No futuro, poderá ajudar pacientes com dano nos nervos do ouvido


postado em 13/09/2012 06:00 / atualizado em 13/09/2012 06:54


Quando a audição não é mais a mesma, resta aos pacientes recorrerem à terapia intensiva ou mesmo ao implante coclear, um dispositivo que estimula as fibras do ouvido e amplifica o som antes inaudível. Mas mesmo o mais avançado dos tratamentos não é garantia de recuperação para os mais de 70 milhões de surdos estimados pela Federação Mundial dos Surdos (WFD, em inglês). Para restaurar o sentido, seria necessário substituir as células defeituosas do ouvido, um procedimento mais complicado que um transplante de órgãos.

O processo é difícil porque o material a ser inserido no ouvido não vem de um banco de órgãos – ele teria de ser produzido. A matéria-prima encontrada pelos médicos para essa fabricação foram as células-tronco, estruturas multipotentes com habilidade de assumirem centenas de funções no corpo humano, inclusive as auditivas. A técnica, em estudo há alguns anos, começa a mostrar resultados. Na Inglaterra, um grupo de roedores surdos recuperou quase metade da audição depois de serem submetidos ao tratamento com células embrionárias humanas. Os resultados foram publicados ontem na versão eletrônica da revista Nature.

Os cientistas da Universidade de Sheffield combinaram células-tronco colhidas de um embrião a dois sinais químicos utilizado pelo feto durante a gravidez para a formação do sistema auditivo. Eles deram origem a dois tipos de progenitores de células: uma epitelial, responsável por captar os sons, e uma neural, projetada para transmitir os sons ao cérebro.

Os estudiosos induziram a surdez em alguns esquilos-da-mongólia, uma espécie de parentes dos camundongos também chamada de gerbo. Depois de perderem a audição, as cobaias passaram por um transplante em que as células neurais fabricadas foram colocadas com as defeituosas. Depois de 10 dias, era possível ver as antigas células-tronco migrarem para os canais auditivos e formarem conexões com os órgãos. “Os neurônios parecem ser tão bons quanto os originais. As células ciliares são imaturas, mas só testamos os neurônios em animais vivos”, diz o biólogo Marcelo Rivolta, principal autor do estudo.

Para conferir se a experiência tinha funcionado, os pesquisadores testaram a audição dos gerbos e notaram uma melhora de 46%. “A melhora é importante, mas não completa. Num contexto humano, a audição original era profunda o suficiente para que eles não conseguissem ouvir um caminhão numa estrada movimentada. A recuperação média levou a audição a um nível em que eles poderiam manter uma conversa num cômodo comum”, esclarece Rivolta. As cobaias também não tiveram efeitos colaterais do tratamento.

Outras pesquisas Em todo o mundo, experimentos semelhantes também tentam obter resultados com células retiradas de cobaias e até mesmo do nariz de humanos. Essas diferentes linhas, que são testadas inclusive no Brasil, mostram avanços, mas ainda não alcançaram um índice de melhora tão impressionante quanto o da pesquisa inglesa. “Até então, os resultados eram muito modestos. Nessa pesquisa, aparentemente houve um ganho de audição muito importante”, elogia a bióloga Regina Mingroni Netto, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo.

Ela alerta, no entanto, que os resultados de uma técnica como essa em humanos são imprevisíveis – algumas cobaias tiveram uma restauração quase completa, enquanto outras não responderam tão bem ao tratamento. Isso ocorre porque, enquanto produzir células num grau de diferenciação adequado para o experimento é difícil, saber conectar esse material ao corpo do paciente ainda é uma ciência com diversos aspectos desconhecidos pelos médicos.

Nesses experimentos, aponta Regina, a dificuldade é levar a célula à posição correta do órgão e fazê-la interagir adequadamente com as células vizinhas. Essa adaptação depende do comportamento do material produzido e é ainda mais imprevisível quando se trata das complexas células do sistema auditivo. “É muito mais fácil organizar isso quando o organismo ainda está sendo construído, no feto, do que pegar um tecido do tipo que foi destruído e fazer com que ele ocupe uma posição organizada depois. Não tem como guiar, ela vai parar onde quer”, lamenta a especialista. Até que uma pesquisa como essa resulte em um tratamento disponível para o público, podem se passar muitos anos.

Uso limitado

A terapia, esclarecem os próprios autores, só poderia ser usada em neuropatias, isso é, danos aos nervos do ouvido. Esse tipo de surdez representa apenas de 7 a 10% dos casos registrados no mundo, de acordo com a otorrinolaringologista Jeanne Oiticica. A maioria dos quadros de surdez, aponta ela, apresenta perdas das células ciliadas, um tipo bastante complexo de estrutura coberta por espécies de cílios que capturam a onda sonora e a transmite para o nervo da audição.

A pesquisa inglesa foi capaz de produzir essas células, mas elas foram descartadas porque não apresentaram tanto potencial para o procedimento quanto as outras. “Ele (o estudo) não mostrou que consegue corrigir as células ciliadas, que são muito mais difíceis de trabalhar, pois elas não se multiplicam”, ressaltou a médica do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (HC-USP).

Outro ponto a ser observado, segundo a especialista, é o curto prazo entre a perda de audição dos roedores e a terapia. Enquanto os esquilos-da-mongólia receberam as novas células em apenas alguns dias, casos de surdez em humanos levam meses, e até mesmo anos, para serem tratados. Numa situação comum, o mesmo tratamento poderia não ter o mesmo resultado. “Quando se trabalha com um dano agudo, há maiores chances de recuperação. Se é crônico, as chances são bem menores. Acho importante seguir nessa linha, mas em modelos que sejam mais voltados para a realidade da surdez”, avalia Jeanne.

Uma opção apontada por especialistas e pelos pesquisadores para aumentar os resultados do tratamento seria combinar a técnica ao transplante coclear, que também não costuma aumentar mais que uma fração da capacidade de audição do paciente. Se unidas, essas duas terapias poderiam dar ao surdo uma melhora até hoje quase impossível de se obter.


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