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Estado de Minas

Cientistas desvendam o complexo processo da autoconsciência

Pesquisadores afirmam que a autoconsciência humana ''capacidade que pessoa tem de se reconhecer como indivíduo único'' é um processo bem mais complexo do que se imaginava, difundido por todo o cérebro


postado em 04/09/2012 09:01

Os oráculos gregos já aconselhavam, centenas de anos antes de Cristo: “Conhece-te a ti mesmo”. Seguidores de filosofias e religiões ou adeptos de práticas como meditação e ioga, por exemplo, sempre correram atrás da autoconsciência, uma entidade abstrata que, há pouco tempo, também começou a despertar o interesse da ciência. Principalmente no campo neurológico, entender o que faz uma pessoa saber que tem uma identidade única pode trazer implicações para pacientes que sofreram danos cerebrais e, com isso, perderam a memória ou o autocontrole.

Um estudo publicado na revista científica Plos ONE indica que esse fenômeno está relacionado a diversos circuitos neuronais e não pode ser atribuído a regiões específicas. A mente, já descobriram os pesquisadores, não é um conceito abstrato, mas um processo fisiológico. Ainda assim, bem mais complexo do que se imaginava, difundindo-se por todo o cérebro, em vez de se concentrar em algumas poucas localidades, como proposto por outros estudos.

De acordo com David Rudrauf, pesquisador da Divisão de Neurologia Comportamental e Neurociência Cognitiva da Universidade de Iowa, nos Estados Unidos, três regiões do cérebro eram relacionadas à habilidade de se distinguir dos outros, conferindo características, sentimentos e comportamentos próprios a cada indivíduo. O córtex pré-frontal medial, o córtex cingulado anterior e o córtex insular – localizados na camada mais exterior do cérebro e relacionados a funções como raciocínio, percepção sensorial e produção da linguagem – seriam os responsáveis pela autoconsciência. Alguém que sofresse grave dano nessas três regiões, acreditava-se, ficaria “como um zumbi”, nas palavras do neurologista.

Não foi isso, porém, que ocorreu com um homem de 57 anos estudado por uma aluna de pós-doutorado de Rudrauf, a neurologista Carissa L. Philipp, que divide com ele a autoria do artigo na Plos ONE. O paciente, identificado como “R.”, foi vítima de encefalite nos anos 1980 e, desde então, sofre de amnésia anterógrada. Essa condição é caracterizada pela perda da habilidade de se lembrar de fatos recentes, mas a pessoa continua a armazenar recordações anteriores ao trauma cerebral. O paciente R. se lembrava de sua infância e do tempo em que cursou a faculdade, embora com alguns lapsos, mas não conseguia dizer o que havia comido no almoço. Além disso, a encefalite prejudicou sua capacidade de sentir cheiro (anosmia) e ele também perdeu o paladar (augesia).

Diversos exames por imagens feitos no laboratório de Iowa mostraram que os danos cerebrais de R. eram extensos e bilaterais. Ele tem somente 10% do tecido da ínsula e 1% do córtex cingulado anterior. “A massa branca estava bastante danificada, particularmente no lado direito, assim como diversas outras regiões do cérebro, todas elas com implicações muito importantes para o que se acreditava serem as áreas relacionadas à autoconsciência”, conta Rudrauf. O paciente, contudo, não se encaixava na ideia que se tem de um “zumbi”. “Fizemos diversos testes cognitivos e específicos para estabelecer se ele conseguia se reconhecer e se diferenciar dos outros. A inteligência dele está dentro do normal, assim como seu perfil neuropsicológico”, afirma o cientista. De acordo com Rudrauf, quem não sabe que R. tem danos cerebrais sequer percebe que ele tem algum problema. “À primeira vista, o paciente fala, age e se comporta como um homem de meia-idade, igual a qualquer outro.”

Testes

Se a autoconsciência estivesse mesmo concentrada nos córtex pré-frontal medial, cingulado anterior e insular, R. não poderia ter se saído bem nos experimentos. “Quando perguntei se ele sabia quem era, ele respondeu: ‘Sou apenas um homem normal, com problemas de memória’”, diz Carissa Philipp, que conduziu a maior parte dos testes. Ela nota que, como R. sofreu danos cerebrais bastante extensos, ele apresentava mais dificuldades em alguns exames do que pessoas sem problemas no órgão, mas os resultados não deixam dúvidas de que o paciente não perdeu a autoconsciência.

Um dos testes consistia em se olhar diante de um espelho – esse é o principal instrumento de pesquisadores para avaliar o fenômeno. Ao se ver, ele se reconheceu imediatamente. Para verificar o nível de consciência externa de R., Carissa fez uma mancha vermelha no nariz do paciente, com maquiagem. “Ele piscou um olho e continuou a contar piadas e histórias, sem nenhuma indicação de que estava consciente da pintura que fizemos. Mas depois de uns 15 minutos, quando se sentou de novo em frente ao espelho, ele a notou rapidamente e limpou o nariz, para retirá-la. Então, disse: ‘Estou aqui me perguntando como este nariz de palhaço veio parar aqui’.”

Na tarefa em que tinha de se reconhecer em fotografias, R. acertou em 100% das vezes. “Imediatamente, apontava para ele, mesmo quando havia retratos de pessoas parecidas. Ele ainda fazia comentários sobre sua aparência. Dada sua profunda amnésia anterógrada, a performance perfeita de R. nessa tarefa é algo fantástico. Ele conseguia se identificar corretamente em fotos tiradas décadas depois da encefalite”, relata Carissa. “Temos um paciente que perdeu todas as áreas do cérebro tipicamente associadas à autoconsciência e, ainda assim, continua autoconsciente. Claramente, a neurociência está apenas começando a entender como o cérebro humano pode gerar um fenômeno tão complexo quanto esse”, comentou, em nota, Justin Feinstein, coautor do artigo.

De acordo com Henrik Ehrsson, pesquisador do Laboratório de Estudos sobre Cérebro, Corpo e Autopercepção do Instituto Karolinska, na Suécia, novas pesquisas que investiguem a autoconsciência são muito bem-vindas, pois a compreensão do fenômeno tem importantes implicações clínicas. De distúrbios alimentares a mal de Alzheimer, entender o que coO robô que se reconhece

O homem não é o único animal autoconsciente. Estudos com outros primatas, elefantes e golfinhos mostraram que eles também conseguem se reconhecer no espelho, o mais forte indício de que um ser é capaz de compreender sua identidade e diferenciá-la da dos demais. Porém, no mês passado, sites e blogs anunciaram uma novidade, no mínimo, perturbadora: um robô humanoide teria conseguido reconhecer o próprio reflexo, afirmando: “Ei, sou eu!”.

A experiência foi apresentada em uma conferência sobre inteligência artificial no Canadá. Justin Hart e Brian Scasselati, da Universidade de Yale, nos Estados Unidos, relataram que Nico, um robô construído no laboratório de robótica social da instituição, passou em um teste no qual deveria identificar sua mão, refletida no espelho. “O que faz isso muito interessante é que o robô consegue usar o conhecimento que aprendeu sobre si mesmo a fim de raciocinar sobre algo relacionado ao ambiente – no caso, o espelho –, de uma forma que robôs não haviam sido capazes até agora”, disse Justin Hart à rede britânica BBC.

Apesar de o feito realmente ser memorável no campo da inteligência artificial, isso não significa, porém, que o robô seja autoconsciente como o homem e outros animais. O que Hart e Scasselati conseguiram foi, por meio de um software de reconhecimento espacial, fazer com que o robô determinasse a localização de seu braço (interpretado pelo androide como um objeto), que estava refletido em um espelho. Já a fala de Nico, aparentemente muito satisfeito por se ver refletido, foi apenas a consequência de um comando programado.

 


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