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Estado de Minas

Vacina BCG ameniza efeitos da diabetes

Substância usada para conter a tuberculose consegue também restaurar temporariamente a secreção da insulina


postado em 21/08/2012 06:52

O segredo para restaurar a produção de insulina em pacientes com diabetes tipo 1, mesmo que temporariamente, pode estar naquela vacina que deixa uma pequena cicatriz nos primeiros anos de vida: a BCG (sigla para bacillus Calmette-Guérin). Pesquisadores do Hospital Geral de Massachusetts e da Escola de Medicina de Harvard (EUA) provaram que essa imunização em humanos, além de proteger contra a tuberculose, consegue matar as células que destroem as produtoras de insulina em pessoas com diabetes tipo 1.


A imunização com BCG leva a um processo inflamatório no organismo, originado por uma reação de defesa contra a bactéria Mycobacterium bovis, presente em sua composição. Ela é uma variação bovina da Mycobacterium tuberculosis, causadora da tuberculose, injetada para moldar o sistema imune contra a possível ocorrência da doença infecciosa. Ao mesmo tempo, a vacina desencadeia a produção do fator de necrose tumoral (FNT), uma substância que ajuda a regular o funcionamento do sistema imune.


A ação dessa substância pode ser comparada à de uma corregedoria policial. “Imagine que as células do sistema imunológico são os guardas do organismo contra invasores externos, como bactérias, vírus e fungos. As células autoimunes seriam guardas que destroem o próprio patrimônio. Elas atacam e matam células do corpo” , explica Carlos Eduardo Couri, chefe de Departamento de Novas Terapias e Biotecnologia da Sociedade Brasileira de Diabetes. O ataque prejudica o funcionamento de alguns órgãos. No caso do diabético tipo 1, as autoimunes destroem as células beta do pâncreas, responsáveis pela produção e pela secreção de insulina, hormônio que regula os níveis de glicose no sangue (veja arte).


Diante desse ataque, a quantidade de células beta diminui e, consequentemente, o organismo começa a enfrentar deficiência na produção do hormônio. Por esse motivo, os diabéticos tipo 1 dependem de injeções de insulina diárias. O FNT é uma substância capaz de identificar e destruir especificamente as células autoimunes que atacam o pâncreas. Essas células, quando ativas, apresentam certas proteínas identificadas pelo FNT. Por isso sua eficácia no combate. A produção pode ser estimulada de diversas formas, inclusive por inflamações que acometem o organismo. No entanto, ainda não havia sido possível comprovar uma forma segura e sem efeitos colaterais de utilização da substância.


“Nosso estudo mostra também que infecções com o vírus Epstein-Barr (EBV) induzem o FNT. Porém, o EBV não seria uma terapia eficaz, já que infecções crônicas de EBV levam a outros efeitos colaterais. Por isso, a vacina BCG — barata e segura — foi a escolha inicial”, explica a autora principal do estudo e diretora de imunologia do Hospital Geral de Massachusetts, Denise Faustman.

Teste clínico

No primeiro teste clínico da BCG para o tratamento da diabetes tipo 1, seis pacientes com a doença em estágio avançado foram submetidos a um tratamento com a vacina ou placebo. Os resultados naqueles injetados com a imunização foram animadores. “Conseguimos provar inicialmente que diabéticos tipo 1 com doença avançada devem ser considerados para estudos futuros e que, mesmo com baixa dosagem, podemos ver nos humanos as células ‘más’ do sistema imunológico morrerem de uma forma muito específica”, detalha Faustman.


A investigação, que dura mais de 20 anos, começou no campo do transplante de células pancreáticas de indivíduos saudáveis para diabéticos. Rapidamente, os cientistas perceberam que, nos seres humanos, a principal barreira não estava no fornecimento de células saudáveis porque, mesmo em pacientes avançados, os reservatórios das células autoimunes ainda eram muito altos. Dessa forma, entenderam que era necessário matar as unidades causadoras da doença antes de qualquer forma de restauração celular. “Nesse processo, descobrimos, em 2003, que não só poderíamos curar camundongos diabéticos em estágio final, como, quando matamos os glóbulos brancos maus do sangue, o pâncreas dos animais se regenerou”, aponta Faustman. O grupo, agora, aguarda financiamento para realizar a segunda fase de testes clínicos, provavelmente com um número maior de pacientes. A ideia é que, no futuro, pessoas com diabetes recebem doses de BCG para amenizar os efeitos da doença.

Células-tronco

No Brasil, uma pesquisa com o mesmo princípio de aniquilação dessas células autoimunes encontra-se em estágio ainda mais avançado. Diferentemente dos pesquisadores americanos, o grupo de médicos da Universidade de São Paulo (USP) liderado pelo endocrinologista Carlos Eduardo Couri utiliza uma terapia mais pesada para garantir a total destruição dessas estruturas. “É como se mandássemos todo o exército embora. Com altas doses de quimioterapia, zeramos o sistema imunológico do indivíduo. Em seguida, utilizamos células-tronco para reiniciar o sistema”, explica Couri. As células extraídas da medula óssea do paciente são virgens, ou seja, ainda não tiveram a informação de que o pâncreas deve ser combatido. O tratamento possibilitou o interrupção imediata do uso de insulina pelos pacientes.


O estudo está na terceira fase de testes clínicos. Vinte e seis pacientes foram tratados, sendo que 22 pararam de utilizar a insulina em algum momento. Há casos em que a interrupção durou oito anos. Na maioria dos casos, o retorno da aplicação do hormônio ocorreu em doses muito baixas. “O que eu acho legal no novo estudo é a tentativa de resolver o problema de maneira mais simples, além de não existirem efeitos colaterais. Porém, ainda não sabemos se é totalmente eficaz”, comenta Couri. Ele destaca que o caráter temporário de restauração da produção de insulina acontece porque não é possível matar todas as células que estão destruindo o pâncreas. “Elas ‘conversam’ entre si e as que permanecem podem acabar contaminando as outras”, explica. O grupo de Couri estuda iniciar em breve testes clínicos com células-tronco também para pacientes com a diabetes tipo 2, a mais comum.


Nesse tipo de diabetes, a produção de insulina continua, mas o organismo é resistente à ação do hormônio. Assim, os pacientes não necessariamente fazem a reposição e podem ser tratados com uma dieta específica e/ou medicação oral. Para o médico Freddy Goldberg, do Conselho Consultivo da Associação de Diabetes Juvenil, o estudo feito nos EUA é muito interessante, mas ainda não muda a rotina dos pacientes, pois precisa ser confirmado. “Para a comunidade médica, é altamente importante. Agora, temos a confirmação de que o TNF consegue identificar e matar somente as células autoimunes que atacam o pâncreas, deixando as reguladoras no organismo”, analisa.

 


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