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Estado de Minas

África já foi habitada por pelo menos três espécimes do gênero Homo


postado em 10/08/2012 09:13 / atualizado em 10/08/2012 09:32

O crânio do KNM-ER 1470, formado a partir dos diferentes fósseis encontrados: características correspondentes às do Homo rudolfensis(foto: FRED SPOOR/DIVULGAÇÃO)
O crânio do KNM-ER 1470, formado a partir dos diferentes fósseis encontrados: características correspondentes às do Homo rudolfensis (foto: FRED SPOOR/DIVULGAÇÃO)
Há 1,9 milhão de anos, um novo espécime florescia nas savanas da África. Resultado de um longo período evolutivo, surgia o Homo erectus, o primeiro ancestral humano a sair do continente. Embora ainda exibisse algumas poucas características simiescas, seus fósseis sugerem uma aparência muito mais semelhante à do homem moderno. Bípede, tinha o cérebro grande, controlava o fogo, tinha ferramentas sofisticadas e a face apresentava uma abertura nasal projetada para frente, sugerindo a aparência de um típico nariz externo.

Ele, porém, não estava sozinho. Artigo publicado na capa da revista Nature fornece elementos mais robustos para sustentar uma hipótese que, há quatro décadas, gera controvérsia entre os cientistas. Depois de escavar novos fósseis na África, pesquisadores do Quênia, da Alemanha e dos Estados Unidos afirmam que pelo menos duas outras linhagens do gênero Homo se desenvolviam ao mesmo tempo e no mesmo lugar que o Homo erectus. Enquanto o último deu origem ao homem moderno, não se sabe se os demais deixaram descendentes.

A polêmica sobre uma África povoada por três diferentes espécimes humanas tem origem em 1972, quando o paleontólogo Bernard Ngeneo descobriu, no Quênia, fragmentos ósseos que formavam parte de um crânio. Faltavam, porém, elementos cruciais para definir o gênero ao qual pertencia. Sem dentes nem mandíbulas, era difícil estabelecer o lugar nos troncos da evolução daquele espécime, designado KNM-ER 1470. Alguns especialistas sugeriam que se tratava de restos de um ancestral humano chamado Homo habilis, cujo primeiro exemplar conhecido tinha sido escavado por Louis Leakey na Tanzânia, 14 anos antes. Porém, esses ossos, que Leakey batizou de OH7, estavam muito fragmentados para permitir comparações. Depois, foi sugerido que os fósseis quenianos eram, na verdade, de um espécime até então desconhecido e que recebeu o nome de Homo rudolfensis.

Quatro décadas se passaram e a controvérsia continua. Agora, mais um membro da família Leakey sustenta que três linhagens humanas diferentes coabitavam a África. Meave G. Leakey, nora de Louis e pesquisadora do Instituto da Bacia Turkana, no Quênia, lidera a equipe de pesquisadores que assina o artigo da Nature. Em uma coletiva de imprensa por telefone, Leakey contou que as peças que faltavam para caracterizar o KNM-ER 1470 foram encontradas.

Leakey e Spoor, autores do estudo: cuidadosos ao não batizar o espécime e esperar análises dos colegas(foto: MIKE HETTWER/NATIONAL GEOGRAPHIC/DIVULGAÇÃO)
Leakey e Spoor, autores do estudo: cuidadosos ao não batizar o espécime e esperar análises dos colegas (foto: MIKE HETTWER/NATIONAL GEOGRAPHIC/DIVULGAÇÃO)
Comparações

Entre 2007 e 2009, os cientistas descobriram a estrutura do rosto de um espécime jovem, uma mandíbula inferior completa e uma mandíbula inferior parcial. Como em um quebra-cabeças, os fósseis se encaixavam. A arcada dentária, reconstituída com os dentes ainda presos na mandíbula e com imagens geradas por computador, mostraram que os padrões eram compatíveis ao gênero Homo, mas diferentes do Homo habilis e do Homo erectus. Era portanto, um outro espécime.

“A morfologia diferente do KNM-ER 1470 foi atribuída por alguns cientistas a diferenças sexuais ou graus naturais de variação de indivíduos de uma mesma espécie. Esse dilema de quatro décadas se sustentou por duas razões. Primeiro, as comparações com outros fósseis eram limitadas pelo fato de os restos não incluírem dentes ou a mandíbula inferior. Em segundo lugar, nenhum outro crânio já escavado apresentava a face longa e achatada do KNM-ER 1470, deixando dúvida a respeito da representatividade dessas características. Os novos fósseis resolvem os dois problemas”, diz Leaky. “Nos últimos 40 anos, demos duro procurando nos muitos sedimentos próximos ao Lago Turkana por fósseis que confirmassem as características únicas da face do 1470, para que nos mostrasse como seus dentes e sua mandíbula se pareciam. Agora, temos as respostas.”

Fred Spoor, coautor do artigo e pesquisador do Departamento de Antropologia da Universidade de Stony Brook, nos EUA, e de Evolução Humana do Instituto Max Planck, na Alemanha, diz que os cientistas do grupo preferem não dar nomes à espécie. “Decidimos que seria prematuro fazer uma decisão a respeito do nome dessa linhagem. Na comunidade científica, entre os mais céticos, sempre há aqueles que só vão aceitar uma nova espécie quando você encontra e descreve algumas dúzias de fósseis semelhantes. Respeitamos isso e vamos manter essa postura mais conservadora”, explica. Porém, sabendo que se referir a linhagens apenas pela classificação dos ossos confunde mais do que esclarece, Spoor diz que o KNM-ER 1470 encaixa-se na descrição do Homo rudolfensis. Com o Homo erectus e o Homo habilis, ele fecha o grupo das pelo menos três espécies que viveram na África na ocasião do aparecimento do gênero Homo.

Tarefa complexa
O antropólogo Bernard Wood, pesquisador do Centro de Estudos Avançados de Paleobiologia Hominídea da Universidade de Washington, lembra quando, no fim da década de 1970, recebeu a difícil missão de dar sentido a uma coleção de fósseis Homo escavados no sítio de Koobi Fora, às margens do Lago Turkana. “A questão era se os ossos, que incluíam o topo do crânio, face, dentes e mandíbula, eram de indivíduos de sexos opostos da mesma espécie ou se eram de duas linhagens humanas diferentes. As morfologias faciais eram distintas demais para se justificar apenas como uma sendo do sexo masculino e a outra do feminino”, diz Wood, que não participou do estudo de Leakey, mas o analisou para escrever um artigo para a Nature.

Ele sustenta, inclusive, que os ossos descritos agora poderiam pertencer, ainda, a um outro espécime, ainda completamente desconhecido. Isso o faz imaginar se não havia quatro linhagens distintas convivendo há 1,9 milhão de anos, todas do gênero Homo. Fred Spoor acha que a tese é interessante, mas tem cautela. “Por enquanto, preferimos adotar uma linha mais conservadora. Porém, tenho certeza de que nosso trabalho será bastante discutido nos próximos congressos científicos, e poderemos chegar, no futuro, a conclusões surpreendentes”, afirma.

 


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