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Estado de Minas

Pesquisa sobre critérios de uso e seleção de embriões rende três prêmios a cientista mineiro


postado em 16/07/2012 07:36 / atualizado em 16/07/2012 07:49

Uma tese de doutorado feita por um mineiro já lhe rendeu três premiações: o Grande Prêmio UFMG de teses, na área de ciências humanas e sociais; o Prêmio Capes como melhor tese de filosofia do Brasil, pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes); e o Grande Prêmio Capes em toda a área de ciências humanas. Como fruto dessa última premiação, ele ganhou uma bolsa de pós-doutorado, a ser iniciada em breve. Lincoln Thadeu Gouvêa de Frias concluiu em 2010 seu doutorado apresentado ao Departamento de Filosofia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), cujo assunto é polêmico: a ética do uso e da seleção de embriões.

Não é à toa que o tema seja delicado: somente no Brasil, 20 mil embriões estão congelados em clínicas, onde casais ou mulheres solteiras fazem 30 mil tratamentos para engravidar, anualmente. Calcula-se que no mundo, hoje, 5 milhões de pessoas são fruto de reprodução assistida. E o sonho de ter um filho não é barato: um tratamento de fertilização in vitro pode custar até R$ 30 mil.

Em seu estudo, Lincoln abordou o uso e a seleção de embriões nas pesquisas de células-tronco e diagnóstico genético pré-implantação, o DGPI, utilizado nas fertilizações in vitro. O pesquisador fez um recorte no estudo para citar apenas embriões de até 14 dias, que garante ser um conjunto de células indistintas, “longe de ter qualquer coisa parecida com sistema nervoso, sentir dor ou se dividir para se tornar gêmeos”, pontua.

Para o presidente da Associação Brasileira de Reprodução Humana (ABRH) Artur Dzik, 14 dias é um tempo bom para a análise filosófica. “Do ponto de vista prático, temos tecnologia para cultivar o embrião no máximo por seis ou sete dias. A gente tem o conceito da vida embrionário quando ele se desenvolve”, define Dzik, que é ginecologista e especialista em reprodução humana em uma clínica de São Paulo.

É o significado de “vida” uma das questões levantadas por Lincoln. “Apesar de a pesquisa científica significar a morte de alguns embriões, ela é justificada basicamente porque não faz sentido atribuir direito de vida a eles”, justifica o doutor, que tentou se distanciar de argumentos que partiam de crenças religiosas. “Falar que os embriões têm direito à vida porque pertencem à espécie humana não é bom por uma série de razões. Quando vemos filmes como Avatar, em que eles não são humanos, começamos a respeitá-los quando demonstram autonomia, autocontrole, capacidade de respeitar interesses dos outros, características que nos tornam pessoas”, exemplifica o filósofo.

De acordo com Lincoln, antes de 14 dias um embrião ainda não tem as características que fazem com que o seres humanos sejam importantes. Mas aí, ele esbarra em outro argumento, o da potencialidade daquele embrião se tornar um ser humano. “Mas em nenhuma outra coisa a gente analisa potencial. A grosso modo, só porque o Atlético tem potencial de ser campeão você vai escrever o nome dele na taça?”, rebate. Atualmente, no Brasil, não há legislação sobre esse tipo de pesquisa e uso, embora a ciência nacional esteja em pé de igualdade com países desenvolvidos no quesito reprodução assistida, com grandes e importantes clínicas atuando na área há mais de duas décadas. Já a pesquisa de células-tronco ainda está em fase experimental.

Sobre o tema, Dzik dá a opinião da ABRH: “Melhor não ter legislação que ter má legislação. Temos nosso Conselho Federal de Medicina (CFM), de onde tiramos a normatização ética para a reprodução. Nos valemos disso: não pode desprezar embrião, mexer geneticamente ou escolher o sexo. Já a situação de usar embrião para pesquisas de células-tronco não é decisão do médico, e sim da sociedade”, afirma Artur Dzik. Para a reprodução assistida, há a regulamentação baseada no Código de Ética do CFM e normatizações da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) sobre o destino dos embriões não usados na fertilização. “Como não há leis, temos de seguir esse código de ética médica. Atualmente, o médico deve intervir o mínimo possível. O que ele deve fazer é a fertilização, propiciar o encontro do óvulo com o espermatozoide. Não é para escolher o sexo do bebê a gosto do paciente, a menos que haja indicação de problemas genéticos ligados ao sexo”, resume Marco Melo, ginecologista e obstetra, especialista em reprodução humana da Clínica Vilara, de Belo Horizonte.

Para a fertilização in vitro, alguns embriões são gerados, mas poucos usados. Depois do procedimento, os demais embriões vão para um congelador. “O Código Civil, pela Anvisa, e o Código de Ética do CFM impedem o descarte. Há duas opções: os embriões congelados até 2008 podem ser doados para pesquisas de célula-tronco e os demais para adoção assistida, em que outro casal utiliza esses embriões”, conta Marco Melo. Pacientes que não desejam nenhuma das duas opções devem pagar uma taxa anual de manutenção para a clínica onde os embriões estão congelados.

É nesse ponto que a tese de Lincoln entra em ação novamente. “Durante o sexo normal, sem reprodução assistida, dois terços dos embriões morrem. Se a gente realmente se preocupa com esses embriões em potencial, deveríamos investigar tecnologias para evitar essa perda. Outro teste bom é fazer uma pergunta: se uma clínica de fertilização pega fogo, numa sala há mil embriões e na outra um bebê e você só tem chance de salvar um deles. Qual você salva?” questiona o pesquisador.

Direitos respeitados

Lincoln diz que alguns argumentos têm muito poder retórico, porém descartam o que é racional e razoável. “Essa discussão do uso de embriões é pautada pela pergunta de onde começa a vida. Até onde sabemos, no sentido biológico, a vida só começou uma vez, há 4,5 bilhões de anos, quando a primeira mólecula se replicou. O que cabe saber é quando começa a ser um indivíduo que tenha seus direitos respeitados”, argumenta o filósofo.

Quando o especialista em reprodução humana tem acesso aos embriões ele tem muitas informações. Ainda não é possível a ciência definir cor de pele ou de olho. Mas é possível sim saber o sexo e analisar os 23 pares de cromossomos que os humanos têm, determinando qual embrião pode gerar uma pessoa com doenças ou não. Ainda assim, esse conhecimento não é todo usado. “Fazemos a análise quando há indicação, ou seja, quando o paciente tem histórico de alguma doença genética. Bebês podem ter 15 mil doenças, então, não vou analisar todas, apenas as que os pais têm conhecimento. Até porque, a técnica do DGPI não é acessível para todo mundo, pode custar até R$ 30 mil”, explica o ginecologista Selmo Geber, especialista em reprodução humana e diretor regional da rede latino-americana de reprodução assistida. Geber lembra que a técnica do DGPI foi desenvolvida para evitar a transmissão de doenças de alto risco, como hemofilia ou fibrose cística.

“Essas discussões são muito polarizadas e costumam despertar ódio. Por isso, é importante ressaltar a conclusão final. Não digo que o embrião é descartável e não tem significado nenhum, mas merece respeito e por isso não deve ser usado para qualquer fim”, ressalta Lincoln. Ele lembra que fala também de células-tronco para desenvolver terapias capazes de reverter problemas como mal de Alzheimer, o mal de Parkinson, fazer tetraplégicos voltarem a andar e cegos a enxergar. “E no caso do DGPI, a importância é tentarmos evitar que pessoas tenham doenças devastadoras. A síndrome de Lesch-Nyhan, por exemplo, faz a criança morrer por volta dos 3 anos, depois de muito sofrimento”, cita Lincoln.

Polo de excelência

Cinco teses de doutorado defendidas na UFMG em 2010 estão entre os 45 trabalhos agraciados com o Prêmio Capes de Tese Edição 2011. Além de Lincoln Frias, Fabrício Benevenuto de Souza, Jacques Fux, Mauricio Barros Corrêa Júnior e Gilvan Ramalho Guedes receberam prêmio. Outras três pesquisas da universidade receberam menção honrosa e seus autores são Newton Amaral Paim, Paulo Antônio Trindade Araújo e Wellington Lopes Assis. A cerimônia de entrega dos prêmios ocorreu em Brasília, quarta-feira passada.

Selmo Geber - Ginecologista
Selmo Geber - Ginecologista
Ponto crítico
A discussão ética do uso de embriões em dgpi

SIM
Selmo Geber - Ginecologista
O debate está bem resolvido no Brasil, que tem tecnologia para esse tipo de tratamento. A renovação de nosso código de ética foi moderna. Estamos melhor que antes. Não dá para discutir questão ética da medicina com a população não médica. Quem regula, eticamente falando, é o CFM, pois são procedimentos médicos. Em congressos, todos participam. Mas eles não podem decidir porque não fazem parte da sociedade médica.

Alessandro schuffner - Ginecologista
Alessandro schuffner - Ginecologista
NÃO
Alessandro schuffner - Ginecologista
“Há o ponto de vista ético geral e o do controle de medicina. Meu código ético, do Conselho Federal de Medicina, é diferente daquele do sociólogo ou do biólogo. Atualmente, não há discussão. Deveria ter com todos os envolvidos. Há discussões em cada subgrupo, mas ninguém reuniu todo mundo. Acho que a sociedade pede isso. Os geneticistas, por exemplo, não estão envolvidos no debate dos médicos, eles são ainda mais abertos a ele.”

Memória - Um choque em 2010
Um caso que chocou o Brasil em 2010 foi o do médico Roger Abdelmassih, de São Paulo, considerado, até então, um dos mais respeitados em reprodução assistida, e que foi condenado pela Justiça a 278 anos de prisão. Ele foi acusado de ter estuprado ou violentado 37 mulheres, pacientes e funcionária de sua clínica de reprodução, entre 1995 e 2008. O Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) também abriu 51 processos éticos contra Abdelmassih. Há suspeita de que ele agia contra a ética médica: teria usado núcleos de óvulos de mulheres jovens em óvulos de mulheres mais velhas, misturando códigos genéticos e definido sexo de bebês apenas para satisfazer as pacientes.

Números

R$ 30 mil pode ser o preço de uma fertilização in vitro

20 mil embriões estão congelados e armazenados em clínicas brasileiras

34 anos se passaram desde que nasceu o primeiro bebê de proveta no mundo

5 milhões de pessoas hoje, no mundo, são fruto de reprodução assistida

30 mil tratamentos são realizados por ano no Brasil

200 clínicas e reprodução estão instaladas no Brasil

100 clínicas só em são Paulo

 


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