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Estado de Minas

Déficit de atenção com hiperatividade gera divergências entre médicos

Nem todos os especialistas reconhecem o déficit de atenção com hiperatividade como doença. Diagnóstico é questionado, pois deve levar em conta aspectos familiares, sociais e ambientais da criança


postado em 03/07/2012 11:00 / atualizado em 03/07/2012 19:38

A cabeleireira Edna Alves de Freitas Tinoco, de 37 anos, não conseguiu completar os estudos. “Não me concentrava, tinha muita dificuldade e parei na 7ª série”, conta. Depois disso, casou-se, teve filhos e se entregou ao estresse do trabalho. Tentou duas vezes tirar a própria vida. No ano passado, descobriu ser portadora do transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH). Por 12 meses viveu à base de Ritalina, um dos medicamentos receitados para o caso. “Não dormia direito e tive que tomar também antidepressivos. Mas fiquei mais concentrada e desacelerei. Foi bom para mim.” Este ano, largou a medicação, mas está diante de uma nova preocupação: seu filho Caio Vítor, de 12, apresenta os sinais do distúrbio, a escola já “diagnosticou” o mal no menino e médicos indicaram as “drogas da obediência”. Mas Edna se recusa. “Ele está amadurecendo. É um remédio forte, não quero isso para ele.”

Edna, que sentiu na própria pele as consequências diretas da falta do tratamento e as reações fortes das medicações, faz parte da realidade de cerca de 4% dos adultos que sofrem com o transtorno no mundo, segundo estima a Organização Mundial de Saúde (OMS). Seu filho Caio também pode estar na estatística, uma vez que a OMS calcula que entre 5% e 10% de crianças e adolescentes de todo o planeta sofram do distúrbio, que pode ser passado de pais para filhos.

No entanto, a disfunção ainda não é consenso entre os médicos. De acordo com a professora titular de pediatria da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e membro fundadora do Fórum de Medicalização da Educação e da Sociedade Maria Aparecida Affonso Moysés, não existe uma comprovação de que haja uma doença neurológica que só altere comportamento e aprendizagem. “A lógica da medicina é comprovar a doença e depois tratá-la. Para essa, que chamam TDAH, o remédio foi encontrado antes”, critica, dizendo se tratar de um meio de controle social de jovens normais, que passam a receber uma medicação com reações adversas graves. “Os diagnósticos são mais uma forma de enriquecer a indústria farmacêutica”, pontua.

As acusações da pediatra não fazem nenhum sentido para o professor titular de psiquiatria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS) e professor de pós-graduação em psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP), Luís Augusto Paim Rodhe. Reconhecido no Brasil como especialista renomado em TDAH, Rodhe diz que a discussão a respeito do tema está atrasada. “É óbvio que o distúrbio existe. Tanto é que é reconhecido pela OMS”, ressalta. O psiquiatra explica que a disfunção é neurobiológica, de base genética. “Temos estudos que mostram que, partindo de um grupo de 100 crianças com o diagnóstico para o mal e outras 100 com desenvolvimento típico, há de oito até 10 vezes mais casos do déficit nos familiares de quem é portador do que na outras que não sofrem do problema.”

Conforme mostrou ontem a primeira reportagem da série do Estado de Minas, o uso de medicamentos para o transtorno teve um aumento assustador no Brasil, considerado o segundo maior consumidor global dos remédios Ritalina e Concerta (que têm como princípio ativo o cloridrato de metilfenidato): em 2000, foram adquiridas 71 mil caixas dos remédios e, nove anos depois, 2 milhões.

Segundo explica o professor e médico Luís Augusto Rodhe, o TDAH representa uma imaturidade do cérebro herdada geneticamente (veja quadro). Ele diz que cerca de 40% a 60% dos que sofrem dessa imaturidade quando chegam à idade adulta têm uma melhora e “não é verdade que todos sofrem do distúrbio pelo resto da vida”. Segundo o diretor da Associação Mineira de Pediatria, Antônio Marcos Alvim, o TDAH vem sendo descrito por médicos desde o século 18. “Um artigo científico publicado em uma das mais respeitadas revistas médicas, The Lancet, em 1902, descreve uma criança com sintomas de desatenção, impulsividade e dificuldades na escola. O relato é muito parecido com os encontrados nos atuais manuais de diagnóstico. Além disso, essas características são observadas em diferentes culturas, não sendo algo exclusivo dos ocidentais nem do mundo industrializado, como alguns tentam alegar, muito menos de uma “mera consequência da vida moderna”, pontua Alvim.

Competitividade

Não é o que acredita o coordenador do Centro de Estudos de Medicamentos da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Edson Perini. De acordo com ele, a sociedade está cada vez mais competitiva. “E é necessário um tipo de comportamento para essa produtividade, que valorize o processo criativo e questionador das crianças. Hoje, você não tem que ser um músico, tem que ser um Michel Teló. E esse é o modelo de sociedade que estamos construindo.” Perini soma isso ao mundo da informação cada vez mais rápida e superficial. “Os pequenos também precisam de explicações e aquelas dadas pelos nossos pais não servem mais. Satisfazer a curiosidade e a capacidade criativa é uma coisa que exige da sociedade processos diferenciados. Como dar a resposta a um pai e uma mãe com um filho que não tem o desempenho esperado dele na escola? Às vezes, o menino tem um excelente ouvido para música, mas não vai bem em matemática.”


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