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Estado de Minas

Depressão é mal que não tem idade

Estima-se que até os 18 anos 5% das pessoas tenham ao menos um episódio de depressão. Se tratado corretamente em adolescentes e crianças, geralmente não se repete de forma crítica na fase adulta


postado em 11/06/2012 09:14 / atualizado em 11/06/2012 11:28

(foto: Arte D.A Press)
(foto: Arte D.A Press)

Ana* tem dificuldades para dormir, se sente inútil , cansada e insegura. “Quando acordo, não tenho disposição para aguentar mais um dia”, conta. “Muitas vezes, me sinto culpada pelo que me tornei hoje ou por coisas do passado que atormentam minha mente, meu coração. Não sei se um médico pode ajudar. Acho que a única coisa que eu quero é o abraço de um verdadeiro amigo. Me sinto deprimida e sozinha, cansada de tudo e de todos.” A situação enfrentada por ela não é incomum: segundo a Organização Mundial da Saúde, 121 milhões de pessoas sofrem de depressão. O problema é que esse é o depoimento de uma menina de 12 anos.

Há poucos dados sobre a incidência da depressão entre crianças e adolescentes, mas a Academia Americana de Psiquiatria Infantil e da Adolescência (Aacap) estima que 5% dos indivíduos com menos de 18 anos passarão, em algum momento dessa fase, por um episódio depressivo. Estresse, perdas, distúrbios de atenção e de aprendizagem são apontados pela Aacap como principais gatilhos, com o agravante de que, ainda considerada um mal dos adultos, a depressão pode receber pouca atenção dos pais e responsáveis. Ana vive com a avó, que, segundo ela, não desconfia de seu estado. “Comecei a ficar assim há dois anos, quando um tio de que eu gostava muito foi assassinado. Eu sei quem é o assassino e, toda hora, acho que ele pode vir aqui em casa para matar a gente também”, diz.

A psicóloga Kátia Cristine Cavalcante Monteiro, do Hospital Universitário Walter Cantído, da Universidade Federal do Ceará, alerta que é preciso ter cuidado ao diagnosticar um adolescente como depressivo. “Do meu ponto de vista, o risco maior é a banalização do uso de medicamentos e do diagnóstico da doença”, diz.

De acordo com a especialista, a adolescência é uma fase de perdas simbólicas e isso pode despertar sentimentos característicos de luto. “As constantes flutuações de humor e do estado de ânimo podem ser consideradas um recurso defensivo do comportamento do jovem para aplacar os conflitos internos e auxiliar na elaboração das situações de perda”, diz. Nesses casos, o processo é natural e não exige tratamento, pois não são situações patológicas.

Psicóloga e pesquisadora da Universidade de Vanderbilt (EUA), Judy Garber concorda que a adolescência é um momento de turbulências inerentes à fase. Ela recomenda que, quando há sinais de que os jovens começam a entrar em um processo depressivo (leia quadro), a terapia cognitiva em grupo pode evitar que, mais tarde, eles se tornem adultos atormentados. Judy é autora de um estudo publicado no Jornal da Associação Médica Americana no qual afirma que 20% dos adolescentes com depressão diagnosticada e não tratada sofrerão da forma crônica da doença, com episódios recorrentes ao longo da vida.

Prevenção
“Uma intervenção preventiva, principalmente no caso de adolescentes cuja mãe ou cujo pai têm depressão, é o melhor caminho para evitarmos o agravamento do problema”, diz a americana, acrecentando que, depois depois de acompanhar 316 jovens de 13 a 17 anos, constatou que a depressão dos pais aumenta, nos filhos, de duas a três vezes o risco de os jovens sofrerem do mesmo mal. “Quando, porém, eles recebem um atendimento precoce – no nosso caso, sessões de terapia em grupo com uma hora e meia de duração ao longo de oito semanas –, esse risco praticamente desaparece.”

A dificuldade, porém, é quando nem os pais nem os educadores percebem que os filhos podem estar precisando de ajuda. É o caso de Taís*, de 16 anos. Com falas de um adulto, ela diz que já passou “por muita coisa na vida”. “Fumei, bebi, sofri bullying e os professores não faziam nada. Às vezes, choro sem motivos, me sinto triste, magoada, ressinto do meu passado, me sinto sem ânimo de fazer as coisas. Eu tenho vontade de fazer as coisas, mas elas não passam de sonhos e vontades porque, muitas vezes, sinto que nem sonhos eu tenho mais”, afirma, em um discurso confuso.

A garota de família humilde – a mãe, solteira, é auxiliar de limpeza – largou a escola neste ano. pior de tudo é o desprezo que sofremos da sociedade, da nossa própria família. Me isolei de todo mundo. Quando minha mãe chega em casa, fica brigando comigo, dizendo que eu sou uma vagabunda e que não ajudo em nada. Isso se torna uma bola de neve, que vai crescendo mais e mais”, relata.

Diana*, de 15, passa por uma situação semelhante. “Minha família diz que sou preguiçosa, não estudo, não faço nada em casa e que não sirvo para nada. Durmo o dia inteiro e, à noite, vou para o computador”, confessa. “Sinceramente, não sei o que fazer da minha vida, não tenho vontade de estudar e sempre me diminuo em tudo.” A garota conta que sofre com comentários da mãe de que ela está gorda. “Ela vive dizendo que estou virando um balão, que já posso vestir as calças dela, de tão grande. Minha irmã diz que não presto para nada, que nunca faço nada e que, quando faço, não é da forma certa, que só sei quebrar e bagunçar as coisas. Não quero nada da minha vida”, desabafa.

A psicóloga Kátia Cristine diz que não existe receita de bolo para os pais, mas reforça a necessidade de compreensão e respeito entre ambas as partes. “Em qualquer situação, o mais importante é que os pais procurem sempre estar disponíveis para o diálogo com o adolescente, conheçam seus amigos e estejam atentos a mudanças abruptas de comportamento em casa e na escola.”

Pressão desencadeia processo
Cobranças intensas podem deflagrar episódios depressivos, de acordo com Ellen McGreth, psicóloga infantil americana e autora de diversos livros comportamentais. “A depressão está aumentando em adolescentes e crianças, e as razões para isso são muitas. Nunca os jovens enfrentaram tantas cobranças para ter sucesso. Os adultos querem que eles se destaquem, mas não os ensinam a lidar com isso, e o resultado são distúrbios alimentares, ansiedade e agressão”, afirma.

Ela conta que tem percebido uma verdadeira epidemia de baixa autoestima no consultório, principalmente de meninas desesperadas com questões estéticas. Mesmo crianças muito pequenas começam a sofrer os efeitos das cobranças sociais, afetando diretamente a saúde mental. Um estudo das universidade canadenses de Montreal, de Laval e de McGill, além do Instituto Nacional da Saúde e da Pesquisa Médica, da França, identificou que 15% dos alunos da pré-escola mostram níveis altos e atípicos de depressão e ansiedade. A pesquisa foi conduzida ao longo de cinco anos com 1.758 crianças de Quebec e, assim como nas investigações de Judy Garber, constatou-se que filhos de mães deprimidas têm maiores riscos de sofrer do mesmo mal.

“Nesses casos, a negligência em relação à identificação de sintomas é ainda maior do que entre adolescentes porque crianças na fase pré-escolar apresentam um comportamento depressivo diferente das mais velhas”, conta Sylvana M. Côté, professora do Departamento de Medicina Social e Preventiva da Universidade de Montreal, principal autora do estudo. “Essas crianças podem não parecer obviamente tristes e terem, de fato, períodos de resposta social normais ao longo do dia. Uma forte característica, porém, é a perda de vontade de fazer coisas que antes eram prazerosas.” Sylvana diz que psiquiatras infantis têm estratégias especiais para reconhecer a depressão e a ansiedade entre os pequenos. “Conversas direcionadas a essa faixa etária podem identificar sintomas como diminuição da alegria, tendência a se sentir culpado e distúrbios de sono.”

Quanto mais cedo a identificação, melhores as chances de a criança responder bem ao tratamento. De acordo com a canadense, como o cérebro infantil ainda está em desenvolvimento, ele se adapta rapidamente a novas experiências. “Me refiro à psicoterapia. Tratá-las com medicamentos é algo extremamente delicado. Há estudos mostrando que antidepressivos podem ser efetivos, mas os efeitos colaterais em crianças não foram bem explorados e podem ser alarmantes”, pondera.

* Os nomes são fictícios em respeito ao Estatuto da Criança e do Adolescente.

 

 


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