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Estado de Minas

Mulher paralisada usa braço mecânico controlado pela mente para levar líquido à boca

Chip implantado na cabeça permite a tetraplégico comandar braço mecânico e realizar tarefas como beber água no copo. Pesquisa mostra o potencial das interfaces cérebro-computador


postado em 17/05/2012 10:10 / atualizado em 17/05/2012 10:36

Sem movimento dos membros há 15 anos, por causa de um AVC, Cathy Hutchinson controla o braço mecânico com o pensamento(foto: Nature/AFP)
Sem movimento dos membros há 15 anos, por causa de um AVC, Cathy Hutchinson controla o braço mecânico com o pensamento (foto: Nature/AFP)
Pegar um copo e levá-lo à boca não parece algo muito extraordinário para quem se movimenta sem dificuldades. Pessoas que sofrem de tetraplegia, porém, nem sempre são capazes de executar tarefas simples como essa e muitas vezes precisam de ajuda quando querem, por exemplo, tomar água. A vida desses pacientes poderá mudar radicalmente graças a uma tecnologia desenvolvida por cientistas da Universidade de Brown, do Hospital Geral de Massachusetts, da Universidade de Harvard e do Centro Aeroespacial Alemão. Eles conseguiram fazer com que indivíduos tetraplégicos há mais de uma década pegassem objetos com um braço robótico, usando apenas sinais enviados pelo cérebro.

Em um artigo publicado na edição de hoje da revista Nature, os pesquisadores descrevem como um chip do tamanho de uma aspirina infantil, implantado no córtex motor dos pacientes (veja infografia), pode dar mais autonomia a esses pacientes. Duas pessoas, uma mulher de 58 anos e um homem de 66, paralisados devido a um acidente vascular cerebral e sem qualquer controle dos braços, foram capazes de movimentar peças, como um copo, em um ambiente tridimensional, tornando o estudo o primeiro a alcançar esse feito. Testes anteriores demonstraram que era possível executar tarefas na tela de um computador, como abrir e-mails ou fazer desenhos, a partir de sinais neurais. Mas, desta vez, pacientes humanos interagiram com objetos reais.

Dois braços robóticos foram usados nos testes: o DLR e o Deka. O primeiro foi desenhado originalmente para executar cirurgias precisas, além de biópsias. Já o desenvolvimento do Deka teve como objetivo repor membros amputados. Com cinco dedos, ele permite agarrar objetos e movimentá-los, tal como um braço natural faz. No experimento, esse equipamento foi o que alcançou o maior índice de sucesso.

A paciente Cathy Hutchinson, que também não fala devido ao AVC, utilizou os olhos — cada piscada corresponde a uma letra — para mostrar sua satisfação, depois de conseguir fazer com que o robô pegasse um copo e o levasse até a sua boca. “Apenas imaginei mover meu próprio braço e o Deka fez o que eu quis”, afirmou. “Para todos os que trabalham nesse projeto, ver o sorriso na face dela é algo extraordinário. Isso nos encoraja a tentar mais progressos”, disse, em uma coletiva de imprensa por telefone, Leigh Hochberg, professor associado de engenharia neurológica na Universidade de Brown e principal autor do artigo.

Circuitos preservados De acordo com Hochberg, o interessante é que, mesmo passados muitos anos após o incidente que tornou a mulher tetraplégica, os circuitos neurais relacionados à motricidade continuam intactos. “Ela está nessa condição há 15 anos, mas seu cérebro mostrou ser capaz de decodificar os sinais normalmente. Isso quer dizer que, ao contrário do que algumas pessoas sugerem, a falta de uso desses circuitos não os danifica de qualquer maneira, o que traz implicações para diversos outros estudos no campo da neurologia”, contou.

No experimento, um microchip foi implantado no cérebro do paciente para capturar os sinais neurais. Um dispositivo com fios levou esses sinais até um computador, que os leu e os decodificou, enviando ao braço, simultaneamente, os comandos. “Os resultados obtidos estão de acordo com o que esperávamos desse braço. Nós queríamos criar um mecanismo que pudesse ser usado intuitivamente e controlado de diferentes formas”, disse John Donoghue, diretor do Instituto de Ciências do Cérebro da Universidade de Brown. “Braços robóticos já estão sendo usados em vários laboratórios ao redor do mundo. Agora, temos uma demonstração convincente da utilidade potencial do equipamento para uma pessoa com paralisia. Estamos chegando perto de restabelecer algum nível de independência aos pacientes”, afirmou.

Para Patrick van der Smagt, diretor de robótica da Universidade de Munique e coautor do artigo, as utilidades do equipamento são variadas. “O salto que foi feito no sentido de conseguir controlar os movimentos de um braço robótico no espaço tridimensional é incrível, e isso é extremamente importante para pessoas com as mais variadas deficiências. Ele poderá ajudar tanto pacientes que sofrem de paralisias quanto os que passaram por amputações e precisam de uma prótese realmente funcional”, afirmou. “O melhor caminho para a autonomia dos pacientes nos parece ser interfaces cérebro-computador. Acredito que esse é o futuro das próteses”, acrescentou o engenheiro Joel Kupersmith, diretor de pesquisa e desenvolvimento do Deka. “Ainda temos muito o que fazer, como, por exemplo, desenhar equipamentos sem fio, que vão aumentar ainda mais a mobilidade dos pacientes. Ainda assim, nossos resultados nos encorajam bastante”, completou Leigh Hochberg.

Longo caminho

Roderic Pettigrew, diretor do Instituto Nacional de Imagens Biomédicas e Bioengenharia dos Estados Unidos, órgão que financia a pesquisa, afirmou que a tecnologia é promissora, mas alertou que ainda está longe da fase de comercialização. “Os pesquisadores apenas começaram o longo e difícil processo de testar e aperfeiçoar o sistema, e eles descobriram que é possível para uma pessoa controlar um membro robótico no espaço tridimensional. Isso representa um avanço notável, mas muitas melhorias ainda precisam ser feitas”, disse. As pesquisas, de acordo com Hochberg, continuam e, na próxima fase, deverão envolver um grande número de pacientes.

“Embora a velocidade e a precisão dos movimentos do robô tenham ficado muito aquém de um braço natural, os participantes tiveram índice de sucesso de 49% e 95% nas tentativas de pegar objetos durante as várias sessões realizadas com dois modelos de robôs”, observa Andrew Jackson, do Instituto de Neurociência da Universidade de Newcastle, convidado pela Nature para escrever um artigo sobre a pesquisa. “Além disso, cerca de dois terços das tentativas de agarrar o objeto deram certo. Os autores ainda demonstram que o sistema de interface neural pode realizar ações que são úteis na vida diária”, avalia. Jackson afirma que, agora, um dos desafios dos cientistas será verificar se, ao longo do tempo, cicatrizes formadas em torno da área onde foi feito o implante podem danificar o microchip. “Essa questão é de extrema importância, já que muitos jovens ficam tetraplégicos devido a acidentes e precisamos de um equipamento que seja funcional a longo prazo.”


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