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Estado de Minas

Doença misteriosa intriga cientistas

Síndrome que tem sintomas semelhantes aos da epilepsia afeta crianças do Sul da África, sem que se saibam suas causas. Em maio, ensaio clínico testará eficácia da vitamina B6 no combate ao mal


postado em 23/04/2012 08:46 / atualizado em 23/04/2012 09:26

As crianças nascem saudáveis e brincam com os amigos naturalmente. No fim da primeira infância, porém, surgem as crises. Como um ataque epilético, garotos e garotas se contorcem e precisam ser amparados. Apesar de o problema surgir por volta dos 4 ou 5 anos, é na adolescência que a situação se torna extremamente grave. As crises passam a ser constantes e cada vez mais fortes. Os jovem ficam apáticos, não querem comer e enfrentam episódios de espasmos na cabeça. As famílias temem que o mal seja contagioso, e muitas abandonam seus filhos. Outras os amarram em árvores para que eles, em crise, não caiam no fogo, em rios ou em penhascos. A vida se arrasta, até que, um a um, os atingidos pela doença acabam por sucumbir.

A situação dramática dessas crianças que vivem no Sul da África é acompanhada por um agravante. Os médicos pouco podem fazer por elas. Não existe tratamento. Na verdade, os especialistas nem sequer sabem o que vem causando o mal. Os primeiros casos foram relatados pela médica canadense Louise Jilek-Aall, em 1960, na região de Mahenge, cidadezinha isolada nas montanhas da Tanzânia. “As pessoas com epilepsia eram temidas, pois acreditava-se que a doença fosse contagiosa”, contou Louise à revista Science, que, na semana passada, apresentou um especial sobre o mal misterioso. “Eles foram evitados pelos outros. Alguns morreram por maus-tratos”, relata a atual professora emérita da Universidade da Columbia Britânica, em Vancouver, no Canadá.

Em 1964, a canadense tentou publicar seus relatos, mas a comunidade científica não deu atenção ao estranho problema descrito pela médica. A situação, contudo, mudou nos últimos anos. Uma síndrome bastante semelhante vem atingindo crianças no Norte da Uganda e no Sul do Sudão do Sul, intrigando médicos e especialistas internacionais que já levantaram dezenas de possibilidades para explicar o mal. Todos se provaram falsos.

A falta de estrutura de saúde dos países africanos atrapalha o dimensionamento real da doença, que é conhecida como síndrome do balanço de cabeça, em função de os pacientes chacoalharem freneticamente o crânio durante as crises espasmódicas. O Ministério da Saúde da Uganda já contabiliza 3 mil crianças com a síndrome. No caso do Sudão do Sul, país que no ano passado se tornou independente do vizinho Sudão, não existem estatísticas que deem conta do tamanho do problema. O próprio governo já admitiu que não tem capacidade para agir.

O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA e a Organização Mundial da Saúde (OMS) tentam investigar a doença. Pesquisadores foram enviados à região e já testaram uma centena de vírus que poderiam estar provocando o mal. Mais uma vez, todos foram absolvidos. Os especialistas chegaram a cogitar que o problema fosse por conta da exposição das crianças aos componentes químicos de munições – os dois países passaram décadas mergulhados em guerras civis –, mas a hipótese foi refutada, já que os casos ocorrem em regiões bastante específicas, e outras zonas africanas que passaram por conflitos semelhantes não apresentam casos da doença.

Problemas psicológicos e sociais também chegaram a ser cogitados, mas tomografias feitas nas crianças demonstraram que as causas são físicas. “Algo vai muito mal com os cérebros dessas crianças, e é fisiológico”, contou Scott Dowell, especialista em infectologia pediátrica que dirige a Divisão para Detecção e Respostas à Emergências Globais de Doenças do CDC. Os pesquisadores também já descobriram que, por alguma razão, a doença tem um componente geográfico. Crianças saudáveis de outras regiões que foram forçadas pelos conflitos civis a migrarem para essas áreas se tornaram vulneráveis à síndrome do balanço de cabeça.

Outra pista que os cientistas estão seguindo na busca por uma solução definitiva para o problema está na vitamina B6, que é responsável pela respiração das células e ajuda no metabolismo das proteínas. Uma parcela substancial das crianças com a doença misteriosa apresenta baixos índices da vitamina. “Não é sempre que crianças que têm os sintomas apresentam níveis mais baixos de B6”, conta Dowell. A hipótese, contudo, servirá de base para um ensaio clínico que deve ser feito no próximo mês. Cerca de 80 crianças receberão suplementação com altas doses da substância, na tentativa de conter o aparecimento do mal.

O parasita Onchocerca volvulus, relativamente comum na região, parece ser outra peça do quebra-cabeças. Os pesquisadores já sabem que o verme, que se aloja no intestino, é mais frequente em crianças com o problema. Embora os médicos acreditem que ele esteja diretamente ligado à doença, a conexão não parece simples. “O mais intrigante é que o parasita ocorre de maneira generalizada, mas a síndrome do balanço de cabeça não”, afirma Dowell. Em uma terra assolada por guerras e epidemias, as crianças esperam que a ciência dê uma resposta para o mal que misteriosamente prolifera em vilarejos e pequenas cidades de uma das regiões mais pobres do mundo.


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