As crianças nascem saudáveis e brincam com os amigos naturalmente. No fim da primeira infância, porém, surgem as crises. Como um ataque epilético, garotos e garotas se contorcem e precisam ser amparados. Apesar de o problema surgir por volta dos 4 ou 5 anos, é na adolescência que a situação se torna extremamente grave. As crises passam a ser constantes e cada vez mais fortes. Os jovem ficam apáticos, não querem comer e enfrentam episódios de espasmos na cabeça. As famílias temem que o mal seja contagioso, e muitas abandonam seus filhos. Outras os amarram em árvores para que eles, em crise, não caiam no fogo, em rios ou em penhascos. A vida se arrasta, até que, um a um, os atingidos pela doença acabam por sucumbir.
A situação dramática dessas crianças que vivem no Sul da África é acompanhada por um agravante. Os médicos pouco podem fazer por elas. Não existe tratamento. Na verdade, os especialistas nem sequer sabem o que vem causando o mal. Os primeiros casos foram relatados pela médica canadense Louise Jilek-Aall, em 1960, na região de Mahenge, cidadezinha isolada nas montanhas da Tanzânia. “As pessoas com epilepsia eram temidas, pois acreditava-se que a doença fosse contagiosa”, contou Louise à revista Science, que, na semana passada, apresentou um especial sobre o mal misterioso. “Eles foram evitados pelos outros. Alguns morreram por maus-tratos”, relata a atual professora emérita da Universidade da Columbia Britânica, em Vancouver, no Canadá.
Em 1964, a canadense tentou publicar seus relatos, mas a comunidade científica não deu atenção ao estranho problema descrito pela médica. A situação, contudo, mudou nos últimos anos. Uma síndrome bastante semelhante vem atingindo crianças no Norte da Uganda e no Sul do Sudão do Sul, intrigando médicos e especialistas internacionais que já levantaram dezenas de possibilidades para explicar o mal. Todos se provaram falsos.
A falta de estrutura de saúde dos países africanos atrapalha o dimensionamento real da doença, que é conhecida como síndrome do balanço de cabeça, em função de os pacientes chacoalharem freneticamente o crânio durante as crises espasmódicas. O Ministério da Saúde da Uganda já contabiliza 3 mil crianças com a síndrome. No caso do Sudão do Sul, país que no ano passado se tornou independente do vizinho Sudão, não existem estatísticas que deem conta do tamanho do problema. O próprio governo já admitiu que não tem capacidade para agir.
O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos EUA e a Organização Mundial da Saúde (OMS) tentam investigar a doença. Pesquisadores foram enviados à região e já testaram uma centena de vírus que poderiam estar provocando o mal. Mais uma vez, todos foram absolvidos. Os especialistas chegaram a cogitar que o problema fosse por conta da exposição das crianças aos componentes químicos de munições – os dois países passaram décadas mergulhados em guerras civis –, mas a hipótese foi refutada, já que os casos ocorrem em regiões bastante específicas, e outras zonas africanas que passaram por conflitos semelhantes não apresentam casos da doença.
Problemas psicológicos e sociais também chegaram a ser cogitados, mas tomografias feitas nas crianças demonstraram que as causas são físicas. “Algo vai muito mal com os cérebros dessas crianças, e é fisiológico”, contou Scott Dowell, especialista em infectologia pediátrica que dirige a Divisão para Detecção e Respostas à Emergências Globais de Doenças do CDC. Os pesquisadores também já descobriram que, por alguma razão, a doença tem um componente geográfico. Crianças saudáveis de outras regiões que foram forçadas pelos conflitos civis a migrarem para essas áreas se tornaram vulneráveis à síndrome do balanço de cabeça.
Outra pista que os cientistas estão seguindo na busca por uma solução definitiva para o problema está na vitamina B6, que é responsável pela respiração das células e ajuda no metabolismo das proteínas. Uma parcela substancial das crianças com a doença misteriosa apresenta baixos índices da vitamina. “Não é sempre que crianças que têm os sintomas apresentam níveis mais baixos de B6”, conta Dowell. A hipótese, contudo, servirá de base para um ensaio clínico que deve ser feito no próximo mês. Cerca de 80 crianças receberão suplementação com altas doses da substância, na tentativa de conter o aparecimento do mal.
O parasita Onchocerca volvulus, relativamente comum na região, parece ser outra peça do quebra-cabeças. Os pesquisadores já sabem que o verme, que se aloja no intestino, é mais frequente em crianças com o problema. Embora os médicos acreditem que ele esteja diretamente ligado à doença, a conexão não parece simples. “O mais intrigante é que o parasita ocorre de maneira generalizada, mas a síndrome do balanço de cabeça não”, afirma Dowell. Em uma terra assolada por guerras e epidemias, as crianças esperam que a ciência dê uma resposta para o mal que misteriosamente prolifera em vilarejos e pequenas cidades de uma das regiões mais pobres do mundo.