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Estado de Minas

Descoberta forma de minimizar modificações em gene que causa a doença de Huntington

Essas alterações geram movimentos involuntários por todo o corpo, como tique nervoso e alteração na fala


postado em 06/03/2012 09:36 / atualizado em 06/03/2012 09:45

Entenda como o bloqueio da enzima pode estacionar a doença
Entenda como o bloqueio da enzima pode estacionar a doença
Uma simples mutação genética, transmitida dos pais para os filhos, faz com que a pessoa tenha movimentos involuntários em todo o corpo, como se fossem tiques nervosos, alteração da fala e, em casos mais graves, dificuldade para mastigar e engolir alimentos. Alguns indivíduos também sofrem perdas cognitivas, problemas de memória e alterações na personalidade. Muito confundida com problemas neurológicos, como o mal de Parkinson e o de Alzheimer, a doença de Huntington é extremamente rara, afetando de três a sete pessoas a cada 100 mil. Descrito pela primeira vez pelo médico norte-americano George Huntington, em 1872, o distúrbio é incurável e não há tratamentos específicos para retardar seu avanço. Um grupo de cientistas da Irlanda, no entanto, conseguiu dar o primeiro passo para diminuir a progressão da doença, a partir do bloqueio de uma enzima que intensifica as modificações no gene IT15, causador do problema.

As enzimas histona deacetilase complexas (HDACs) controlam a expressão dos genes no corpo humano. Isso significa que elas processam a informação genética do organismo, regulando a função das células e, normalmente, ajudando os indivíduos a continuarem saudáveis. Algumas dessas enzimas, contudo, trabalham intensamente na expressão do gene IT15 mutado, o que faz com que a doença de Huntington fique cada vez mais intensa e a saúde do paciente, pior. “Existem cerca de 20 HDACs nas células humanas, principalmente no cérebro. Descobrimos que inibir apenas uma delas – a HDAC3 – foi o suficiente para bloquear, pelo menos em laboratório, as alterações genéticas em 75%”, relatou ao Estado de Minas o líder da pesquisa, Robert Lahue, professor do Centro de Biologia Cromossômica da Universidade Nacional da Irlanda em Galway.

Para obter esses resultados, publicados na última edição da revista científica on-line PLoS Biology, os pesquisadores inseriram moléculas de RNA interferente na enzima, o que alterou a estrutura original e praticamente impediu que houvesse a expressão do gene ligado à patologia. “Também usamos inibidores moleculares para bloquear as mutações”, acrescenta Lahue. Pode-se comparar o gene IT15 a uma arma. Ela dispara e causa todos os danos já citados. Para evitar que isso aconteça, os cientistas, basicamente, criaram um obstáculo para acionar o gatilho, o que praticamente impede que ela funcione.

A grande questão é que, até hoje, não há tratamentos efetivos para bloquear essa “arma”, mas apenas para tratar os problemas decorrentes do disparo. O neurocirurgião Claudio Corrêa, coordenador do Centro de Dor e Neurocirurgia Funcional do Hospital 9 de Julho, em São Paulo, confirma que as terapias são apenas paliativas, atuando sobre os sintomas da doença. “O que podemos fazer é, se a pessoa sentir tonturas, lhe dar um remédio para diminuir a incidência do desconforto. Se ela apresentar retenção de líquidos, lhe receitar um diurético”, exemplifica. Rafael Higashi, neurologista da Clínica Higashi e do Centro Médico Athenas, do Rio de Janeiro, acrescenta que outras medidas ajudam a lidar com o transtorno e fazer com que o paciente tenha mais qualidade de vida, como reabilitação fonoaudiológica, fisioterapia e psicoterapia.

Como a doença é hereditária, a neurologista Vanderci Borges, integrante da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), indica que pessoas com casos de Huntington na família façam um aconselhamento genético, para saberem dos riscos que correm de desenvolver o problema e passá-lo para seus filhos. “A chance de transmissão da patologia para os descendentes é de 50%, independentemente de ser o pai ou a mãe quem tem a mutação genética”, ensina.

Ela ressalta que os primeiros sintomas costumam surgir quando o indivíduo tem cerca de 40 anos, embora possam aparecer antes dos 21 e depois dos 70. Por ser progressiva, a expectativa média de vida fica entre 10 e 20 anos após a descoberta – o diagnóstico é feito por meio de exames neurogenéticos –, tempo que pode ser prolongado com as terapias indicadas pelo médico para cada caso.

Interferência genética

Corrêa afirma que a cura para a doença de Huntington só será possível com tratamentos que interfiram na engenharia genética. “O avanço que esperamos conquistar futuramente é determinar, enquanto o feto se desenvolve, se ele tem a mutação no gene e poder alterá-lo antes mesmo de o bebê nascer”, espera. Enquanto sua expectativa não é realizada, ele comemora que o estudo feito na Universidade Nacional da Irlanda tenha trazido resultados que interferem na evolução do distúrbio. “É importante frisar que, apesar de pesquisas apontarem como algo possível mudar a reação biológica do organismo com o uso de medicamentos, tais projetos ainda estão em fase experimental”, alerta. Vanderci acrescenta que os cientistas estão no caminho certo ao primeiro conhecerem melhor os mecanismos que levam à doença para em seguida impedir sua ação.

“Quanto mais pesquisas existem sobre o assunto, mais avançamos para compreender a doença e mais próximo ficamos de uma cura possível”, afirma Higashi. “O trabalho de Lahue e sua equipe representa o início de vários outros passos que são necessários para controlar o distúrbio. O grande desafio do estudo é conseguir bloquear as enzimas específicas na doença de Huntington para evitar possíveis efeitos colaterais da futura medicação”, adverte.

Essa descoberta da equipe irlandesa, segundo Lahue, abre uma porta para o desenvolvimento de remédios que possam reduzir a velocidade e intensidade da progressão da doença. “Isso, porém, ainda está longe de entrar no mercado.” A expectativa do grupo é trabalhar com outros laboratórios que estejam testando inibidores das HDACs, a fim de identificar se o bloqueio da HDAC3 pode ter efeito terapêutico para outras doenças neurológicas, como a distrofia miotônica tipo 1.

O importante, tanto para os neurologistas quanto para os cientistas, é que o fato de o problema de saúde ser raro não dificulte o surgimento de novas análises na área. “Dão muita atenção a doenças mais comuns, como hipertensão e diabetes, mas pouca a patologias mais raras, como o Huntington. O motivo é óbvio: doenças raras têm menor mercado para a indústria farmacêutica”, critica Higashi. Para ele, o governo deveria incentivar a busca por tratamento para transtornos raros, de modo a ajudar os “excluídos das doenças endêmicas ou epidêmicas”.

Danos graves
A distrofia miotônica tipo 1 é uma doença genética que atinge os músculos, causando atrofia muscular ao longo do tempo. Ela afeta também os olhos, o coração, o sistema nervoso central e o sistema endócrino. Em geral, se manifesta na fase adulta e pode causar danos neurológicos, dificuldades para a pessoa se alimentar e respirar. O tratamento, assim como no caso de Huntington, é a base de medicamentos e fisioterapia.

 


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