A fim de estimular os avanços da pesquisa na área de reconhecimento de padrões, a organização francesa ImageCLÉF promove anualmente, desde 2003, um evento que lança desafios à comunidade científica internacional.
Um grupo de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) ganhou o primeiro lugar do ImageCLÉF 2011 na categoria “Identificação de plantas”, inaugurada em 2010 com apoio da Sociedade Francesa de Botânica.
Os cientistas brasileiros venceram o desafio de desenvolver um sistema computacional capaz de reconhecer espécies de plantas da Europa a partir de um banco de dados de fotos das folhas.
Coordenada pelo professor Odemir Martinez Bruno, do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP, a pesquisa foi fruto do projeto “Métodos de visão computacional aplicados à identificação e análise de plantas”, apoiado pela FAPESP na modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular. A equipe foi integrada por Dalcimar Casanova e João Florindo, ambos alunos de doutorado sob orientação de Bruno. Casanova tem Bolsa da FAPESP.
Segundo Bruno, o desafio é interessante por estimular a solução de problemas complexos e importantes da computação, ao mesmo tempo em que leva a avanços que podem contribuir com outras áreas – no caso, a botânica e a conservação da biodiversidade.
“O problema proposto era a identificação de plantas arbóreas da Europa. Estamos há cerca de uma década estudando a aplicação da visão computacional à identificação de plantas. O método que utilizamos se baseou no reconhecimento das plantas por meio da visualização das folhas e foi altamente eficiente. Precisamos agora aprimorá-lo para que possa ser utilizado de forma simples e padronizada”, disse Bruno à Agência FAPESP.
O trabalho que venceu o desafio do ImageCLÉF foi realizado em parceria com pesquisadores do Instituto Agronômico (IAC), da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP e da Universidade Estadual Paulista (Unesp) em Assis.
“Nós focamos principalmente na detecção da forma, da enervação e da textura das folhas, levando em conta o padrão dos seus pigmentos. Com isso, estabelecemos um banco de dados que serviu como ponto de reconhecimento na imagem para o reconhecimento da espécie. Conseguimos uma taxa de acertos de quase 50%, muito acima das outras instituições competidoras”, afirmou Bruno.
A eficiência mostrada pelo sistema que venceu o desafio do ImageCLÉF foi animadora, mas o grupo tem pela frente um desafio bem maior, que é a identificação das espécies florestais brasileiras. "Nosso objetivo é identificar a biodiversidade brasileira, o que é bem mais desafiador, já que a flora europeia é muito simples quando comparada à nossa”, disse Bruno.
Além de buscar métodos que permitam um levantamento florestal rápido e eficaz, os pesquisadores querem que ele seja capaz de catalogar também certas determinações fisiológicas e fenômenos evolutivos que podem ditar o melhor clima, melhor solo, melhor ambiente para o crescimento da espécie.
“Utilizamos várias abordagens para o reconhecimento, que pode ser feito a partir de fotos, de imagens produzidas por scanners, ou de imagens de microscópios de reflexão ou de transmissão”, explicou Bruno.
Facilitar o trabalho dos botânicos
O grupo publicou, em 2011, diversos artigos com foco na identificação computacional de plantas brasileiras. Um dos artigos de mais destaque foi publicado na revista Plants Systematics and Evolution, em parceria com a professora Rosana Kolb, da Unesp de Assis.
“Estudamos duas famílias de difícil reconhecimento que ocorrem no cerrado brasileiro. Utilizamos um scanner convencional para digitalizar as imagens das folhas e conseguimos 100% de acerto na identificação dessas espécies”, contou Bruno
Segundo ele, à medida que os pesquisadores unem física, matemática e computação pra analisar a biodiversidade por meio de imagens, conseguem avançar o conhecimento e gerar novos produtos e métodos. Em 2011, a equipe do projeto, em parceria com outros grupos da USP, patenteou uma tecnologia que utiliza o método de visão computacional para avaliar imagens de folhas, permitindo detectar matematicamente a carência de nutrientes em pés de milho.
“Aquela foi uma metodologia bem-sucedida que surgiu no decorrer do projeto, com um foco diferente da ideia central do projeto. Mas nosso objetivo final é um dia chegar a uma tecnologia de reconhecimento de plantas que permita ao biólogo fazer com facilidade o levantamento de espécies de uma floresta munido apenas de um equipamento portátil”, explicou o professor do IFSC-USP.
O levantamento de espécies vegetais em florestas é tradicionalmente feito a partir de flores e frutos. As folhas não costumam ser utilizadas por causa de sua imensa variabilidade.
“Para nós, o que torna essa abordagem interessante é justamente a grande variabilidade das folhas, porque nos obriga a criar novos métodos. Do ponto de vista das ciências exatas, a identificação de plantas é um tipo de desafio que leva a grandes avanços na física, na matemática e na computação. Quanto mais complexo o problema, maior a oportunidade de avanço científico”, afirmou Bruno.
Quando as novas metodologias forem aprimoradas, segundo o pesquisador, os botânicos não precisarão mais esperar as árvores frutificarem ou florescerem para fazer sua identificação.
“Cada espécie tem ciclos diferentes de vida, florescendo e frutificando em períodos distintos. Isso torna muito difícil o levantamento florestal de uma região. Nosso objetivo é superar as dificuldades na área computacional a fim de facilitar o trabalho do botânico”, disse.