Julia Chaib e Renata Mariz
Não é possível, a partir dos dados, saber os motivos que levaram o usuário de plano a uma unidade pública. A diretora de Desenvolvimento Setorial da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), Martha Oliveira, pondera que nada pode ser descartado, sobretudo a respeito do parto, procedimento mais realizado. “A maior parte das internações é referente a algo que acontece e o Samu leva ou a pessoa acaba indo ao hospital mais próximo. Mas é possível que ela (a mulher) tenha escolhido o SUS. E aí temos de analisar o porquê. Foi falta de confiança? Foi porque estava fora do domicílio? Temos de saber e desenvolver mecanismos e trabalhar a qualidade da rede.”
O principal motivo que levou a estudante Luana Carneiro de Oliveira, de 28 anos, à rede pública, mesmo tendo plano de saúde, foi o receio de não conseguir ter um parto natural. Ela engravidou em 2012 e começou o pré-natal com uma médica do convênio. “Ela me tratava mal e me colocava medo quando eu dizia que não queria cesárea. Cansei disso e decidi ir para o SUS”, explica. Com 15 semanas de gravidez, ela começou a fazer o acompanhamento em unidade pública ao lado de casa, onde teve a filha, Ananda.
Usuária de plano de saúde, a servidora pública Camila Ramos Cabral, de 33, decidiu no início da gravidez que teria o filho em uma casa de parto em São Sebastião, mantida pelo governo, para ter a garantia de um procedimento natural. Mas aproveitou o convênio para fazer o pré-natal. “A médica (do plano) sempre falava que, se desse tudo certo, eu teria um parto normal. Quando o certo seria dizer: se der algo errado, você faz a cesárea. Então, fiz todo o pré-natal com ela e, na hora de ganhar o bebê, fui para a casa (de parto). Se algo desse errado, tinha a minha obstetra”, diz.
RECORRENTE Histórias como a de Luana e Camila são conhecidas da ginecologista e obstetra Jussara Beatriz Pasquali. Ela, que atende na rede privada e acompanha grávidas em um posto de saúde, afirma que vê com frequência pacientes com plano de saúde optando pelo SUS para dar à luz de forma natural. De acordo com ela, esse procedimento leva muitas horas e, por isso, não é rentável aos profissionais da rede privada, que ganham por número de atendimentos. “Não compensa, financeiramente, parar as consultas para fazer um parto, sem saber quanto tempo vai demorar”, comenta a médica, ao explicar por que a taxa de cesáreas nos hospitais particulares chega a 84%, longe do índice de 15% recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). O problema é tão grave que a própria ANS reconheceu neste ano o excesso de cesáreas na rede suplementar e lançou medidas para reduzir a taxa e controlar a ação dos médicos.