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Estado de Minas

Educação sexual opõe pais a mestres e gera debate em Belo Horizonte

Grupo de representantes de alunos entrega notificação extrajudicial ao Colégio Santo Agostinho questionando conteúdos sobre diversidade de gêneros nas aulas


postado em 11/07/2017 06:00 / atualizado em 11/07/2017 07:58

O assunto namorou os principais documentos que regem a educação no país. Chegou a fazer parte dos textos mais recentes e, no momento final, foi retirado. Sem uma orientação em qualquer das esferas, seja federal, estadual ou municipal, a discussão em sala de aula de um dos temas mais quentes da atualidade, gênero e sexualidade, é controversa. Na opinião de alguns, ela é necessária. Na de outros, deve ficar restrita ao ambiente familiar. Educadores são unânimes e dizem que não há como deixar de lado essas questões. Num tradicional colégio de Belo Horizonte, um grupo de pais contrários à abordagem desses conteúdos em sala de aula ameaça levar o caso à Justiça.

Um grupo de pais de estudantes entregou, na manhã de ontem, uma notificação extrajudicial à Sociedade Inteligência e Coração (SIC), que é mantenedora das três unidades do Colégio Santo Agostinho (BH, Contagem e Nova Lima), na pessoa de seu presidente, o frei Pablo Gabriel Lopes Blanco, e também de três diretores: Clóvis Oliveira (unidade BH), Aleluia Heringer Lisboa Teixeira (Contagem) e Lorena Macedo (Nova Lima). De acordo com a escola, o documento foi elaborado por um grupo que representa 84 responsáveis por alunos.

O texto está gerando debates nas redes sociais por exigir da escola que pare de ministrar em sala de aula conteúdos relacionados a temas como gênero e sexualidade. Normalmente, uma notificação extrajudicial é enviada antes da abertura de um processo na Justiça. Ela representa uma comunicação para que o órgão que está sendo notificado tome ciência do problema e resolva a situação antes que ele seja acionado na Justiça.

Na abertura da notificação extrajudicial, datada de 3 de julho, mães e pais se dizem “sinceramente preocupados com a inserção de conteúdos atinentes à sexualidade e questões de ‘gênero’ nas mais diversas matérias do currículo escolar, inclusive e principalmente, em Ensino Religioso e Ciências”, diz o texto. Ele sustenta que um grupo de responsáveis pelos alunos é contrário à abordagem desse tipo de conteúdo, sob o argumento de que “referidas matérias não devem ser expostas a nossos filhos, salvo pela própria família”. E invoca mecanismos da legislação para respaldar essa posição, como o Código Civil Brasileiro, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Convenção da ONU sobre os Direitos das Crianças e a Convenção Americana de Direitos Humanos.

Os pais enviaram, no início do ano, uma carta às direções das três unidades, assinada por mais de 200 pessoas, querendo entender o posicionamento e a postura da escola, já que não houve qualquer tipo de informação para os responsáveis pelos alunos sobre temas “relacionados aos comportamentos sexuais (homossexualismo, bissexualismo, transexualismo, contracepção) e ainda relativos à sexualidade de pessoas adultas, como a prostituição, masturbação, aborto, entre outros temas correlatos, para crianças do ensino fundamental”, conforme a notificação.

Eles ainda ressaltam o caráter negativo para as crianças e adolescentes que esses assuntos podem ter se forem expostos de forma obrigatória aos alunos, se transformando em uma “ditadura da educação” e trazendo “graves consequências”. O texto afirma ainda que, por mais que o Colégio Santo Agostinho informe que valoriza a parceria entre a escola e a família, a proposta pedagógica não está suficientemente clara. Os pais dizem ainda que todo o conteúdo recente relacionado ao tema em questão está sendo catalogado, com o objetivo de sensibilizar a escola e fazê-la refletir. Os pais chegam a criticar os professores, que, segundo eles, são despreparados para abordar temas de sexualidade e não autorizam que esses conteúdos sejam apresentados em sala, seja “através de vídeo, slides, dever de casa, exposição verbal, música, livros de literatura ou material didático”.

FAMÍLIAS


Em entrevista conjunta, três representantes do grupo, Elder Diniz, Tânia Macedo e Márcia Faria, dizem que isso poderia ter parado antes “se a escola tivesse poupado nossos filhos de conteúdos que julgamos inadequados”. “Somos contrários a tratar  sobre comportamento sexual sem ser antes informados do que será falado para nossos filhos, porque consideramos esse tema muito importante e belo e não desejamos que seja distorcido por ninguém. Nem pela escola”, ressaltam. Os três dizem não se opor ao trabalho sobre a igualdade entre homens e mulheres, mas sim, a falar de gênero de forma ideológica, separando-lhe radicalmente do sexo. “Não temos viés de preconceito e respeitamos a igualdade entre homem e mulher, bem como a opção de cada um. Entretanto, entendemos que os pais são os responsáveis pelas diretrizes familiares, nos aspectos relacionados à sexualidade. O respeito não se ensina com ideologia”, destacam.

Segundo os pais, eles pretendem com a notificação que o direito de educar os filhos de acordo com os princípios da família seja preservado, no que tange às questões de sexualidade e formação moral, conforme reconhece a Constituição Federal, Pacto San José da Costa Rica de Direitos Humanos, ECA e o ordenamento jurídico brasileiro. Eles afirmam ainda que o que mais os incomoda é “que se apresentam para nossos filhos ideologias e falácias no conteúdo acadêmico apresentado em sala de aula”, citando capítulo do livro de ciências do 6º ano do ensino fundamental. Pai e mães relatam ainda que o Colégio não os chamou para falar sobre o conteúdo nem sobre a maneira como seria apresentado aos alunos, só tendo recebido os responsáveis pelos estudantes depois da entrega da carta.

Eles dizem que o termo “gênero”, como está sendo colocado em sala de aula e explicitado em apostila do CSA “informa que a identidade feminina ou masculina é uma construção social e não apenas uma determinação biológica. E mais, que como construção social a relação  entre homens e mulheres podem ser transformadas”. E frisam: “Nós, pais que assinamos a notificação, não concordamos com essa afirmação.” Afirmam ainda que os adeptos da “teoria ideológica” segundo a qual “os dois sexos – masculino e feminino – são considerados construções culturais e sociais”, de modo que, embora existindo um sexo biológico, cada pessoa tem o direito de escolher o seu sexo social (gênero)”, querem ensinar às crianças e adolescentes “que elas, socialmente falando, não são homens ou mulheres, mas podem escolher qualquer opção sexual”.

A seu ver, tratados dessa maneira “a criança e o adolescente perdem os referenciais éticos e antropológicos da construção da própria identidade”, o que  pode produzir “confusão”.

Grupo de pais do Santo Agostinho encaminhou notificação à mantenedora da escola pedindo retirada de conteúdos relacionados a diversidade sexual e de gênero(foto: Reprodução internet/Colégio Santo Agostinho)
Grupo de pais do Santo Agostinho encaminhou notificação à mantenedora da escola pedindo retirada de conteúdos relacionados a diversidade sexual e de gênero (foto: Reprodução internet/Colégio Santo Agostinho)

‘FUNÇÃO SUBSIDIÁRIA’

As famílias defendem ainda que é preciso tratar de educação sexual em casa, com os pais, que conhecem a sensibilidade e particularidade de cada um. “A escola é uma instituição que tem uma função subsidiária. Ela não pode suplantar a família. Sua missão é ajudar a função educativa própria da família, especialmente durante a infância e adolescência”, dizem. “O direito de educar não é da escola, mas dos pais, especialmente num tema que é particularmente delicado. Não é prudente que a escola ensine conteúdos que incidem na formação moral das crianças e adolescentes e que os pais consideram inadequados, muito menos quando você percebe claramente que se trata de conteúdos ideológicos, que desconstroem os valores ensinados no lar.”

Eles afirmam esperar que a questão seja resolvida de forma amigável e que a “agenda pró-ideologia de gênero seja revertida”. Caso contrário, estão dispostos a recorrer a medidas judiciais. “A ideologia de gênero é apresentada inicialmente sob a aparência de igualdade entre homem e mulher, ninguém discorda disto, porém, depois se avança além disso, desconstruindo a identidade dos meninos e meninas, e expondo que: o que é chamado de ‘gênero’ é radicalmente independente do sexo biológico. Isso é ideologia e não tem sustento científico nenhum.”

TRANSPARÊNCIA


Por meio de nota, o Santo Agostinho afirma que respeita a opinião dos pais que assinaram a notificação e ressalta que atua de forma transparente, tendo a proposta pedagógica disponível à comunidade escolar no site da instituição. “O Colégio Santo Agostinho, mantido pela SIC (Sociedade Inteligência e Coração), possui projeto pedagógico que contempla a sociedade pluralista em que vivemos, abordando, de forma dialogal e respeitosa, os desafios do mundo contemporâneo”, diz o texto.

Acrescenta que a SIC está presente em Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Mato Grosso e é responsável pela educação de cerca de 12 mil alunos, com diferentes confissões e crenças religiosas. “Levando em consideração essa realidade – e também cumprindo os ordenamentos legais da educação no Brasil e as orientações das Nações Unidas –, a escola aborda os temas humanos, sociais e religiosos na perspectiva do Ensino Religioso como área de conhecimento, amparada na legislação vigente e nas próprias orientações da Igreja”, afirma a nota.

Atualmente, são atendidas diretamente pela SIC cerca de 8,5 mil alunos nas três unidades do Colégio Santo Agostinho e outros 3,5 mil alunos em cinco obras sociais no âmbito da educação. “Neste momento, o Colégio Santo Agostinho reafirma sua prática educativa humanista e de qualidade, fundamentada nos princípios cristãos, católicos e agostinianos. Com base em sua trajetória de 83 anos em Minas Gerais, amparada pela tradição de sete séculos da Ordem de Santo Agostinho, o Colégio ressalta sua sintonia com o magistério do Papa Francisco, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), da Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e Caribenho e as orientações pastorais da Arquidiocese de Belo Horizonte.”

O colégio confirmou que, em abril e maio deste ano, recebeu duas cartas de teor semelhante à notificação extrajudicial. E que, a partir do dia 3 de maio, disponibilizou um comunicado com esclarecimentos aos pais e os diretores das unidades ficaram à disposição para atendimento presencial, ocasião em que foram feitos, segundo a escola, vários atendimentos em todas as unidades, mantendo o diálogo aberto com os especialistas da instituição. “O que o Colégio Santo Agostinho pode garantir a cada família que divide a formação de seus filhos com a instituição é a prática coerente dos valores agostinianos: solidariedade, fraternidade, amizade, subsidiariedade e justiça”, conclui a nota. (Colaborou Larissa Ricci)

Ponto crítico

Você é favorável à discussão de gênero nas escolas?

SIM
Maria José Rosado, presidente da ONG Católicas pelo direito de decidir


“É absolutamente necessário abordar questões de gênero e sexualidade em sala de aula. Desconsiderar essas questões é desconsiderar a realidade. Ora, a escola, a educação é para preparar as pessoas para que possam exercer seus direitos, possam viver com dignidade, com autonomia e saudavelmente. Pesquisa que acabamos de fazer revela uma absoluta concordância sobre a necessidade de discussão nas escolas, seja a problemática entre homens e mulheres, seja a violência. Pais e mães querem ver crianças recebendo esse tipo de educação. O resultado nos surpreendeu pelo grau de aprovação.”

NÃO
Fernando Borja, pastor e vereador pelo PTdoB


“A escola tem o papel de ensinar, mas quem educa são os pais. A educação moral é da família e temos que saber esse limite. Esse princípio deve ser respeitado, porque existe uma legislação correlata da obrigação e dos direitos dos pais de a escola não apresentar algum tipo de moralidade contrária à crença da família. Para fazer uma excursão, é preciso autorização dos pais. Por que não pedi-la também nesses casos? Temos que defender o direito de os pais darem uma educação moral a seus filhos de acordo com aquilo em que acreditam.”


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