(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

Rio alvo de disputa por água na década de 1990 volta a sofrer com captação irregular

Rio Riachão, do Norte de Minas, enfrenta novo desafio: poços perfurados em chacreamentos ilegais em sua cabeceira


postado em 10/07/2015 06:00 / atualizado em 10/07/2015 08:32

Volume do Riachão está em nível crítico e produtores temem que rio pare de correr novamente se medidas de proteção não forem tomadas(foto: Fotos: Sólon Queiroz/especial para o EM)
Volume do Riachão está em nível crítico e produtores temem que rio pare de correr novamente se medidas de proteção não forem tomadas (foto: Fotos: Sólon Queiroz/especial para o EM)

O Rio Riachão (Bacia do Rio São Francisco), entre Montes Claros e Coração de Jesus, já foi palco de um conflito entre pequenos e grandes produtores, no final da década de 1990, que ficou conhecida como uma das primeiras guerras pela água no país e virou objeto de estudo em universidades. À época, o Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam) lacrou bombas de grandes irrigantes e o manancial voltou a correr. Mas agora o volume do Riachão diminuiu e os pequenos produtores estão apreensivos novamente, por conta de uma nova ameaça: poços tubulares perfurados em chacreamentos ilegais em sua cabeceira.

Os loteamentos rurais irregulares são alvo de mais de 30 inquéritos abertos pelo Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) em Montes Claros e também ameaçam acabar com vários outros rios na região. Neste caso, o problema é a retirada de excesso de água do subsolo, situação que se repete em outras regiões do estado, conforme mostrou série de reportagens sobre a guerra pela água, publicada pelo Estado de Minas nesta semana.

No final da década de 1990, o Riachão parou de correr porque bombas de grandes irrigações na cabeceira e na nascente sugavam a água, prejudicando mais de 3 mil pequenos produtores. Eles criaram o Movimento dos Sem Água para lutar contra a força dos grandes produtores, promovendo uma “greve de sede”. Por conta da mobilização,  o Igam lacrou sete pivôs dos irrigantes, o que garantiu a “volta” do Riachão, que estava praticamente morto.

Além da retirada das bombas que sugavam o curso d água, o rio foi recuperado devido à ação dos agricultores ribeirinhos, que preservam nascentes e matas ciliares. No entanto, depois permanecer perene por mais 10 anos, nos últimos meses, o Riachão teve o seu volume reduzido e os pequenos produtores temem que ele venha parar de correr de vez por causa dos chacreamentos irregulares na área da nascente, na região da Lagoa da Tiririca, perto do distrito de Nova Esperança, no município de Montes Claros.

“A quantidade de água captada no lençol freático pelos poços tubulares nos chacreamentos perto da nascente do rio é quase a mesma quantidade que era retirada pelas bombas que foram lacradas na região pelo Igam”, afirma Claudiomiro da Silva, tesoureiro da Associação dos Pequenos Produtores da Comunidade de Pau d’Óleo, às margens do Riachão. “Já existem mais de 500 chácaras na cabeceira, ocupando, inclusive, área de preservação permanente, destinada à recarga do rio”, denuncia. Ele disse que foram criados na região pelo menos quatro loteamentos e um deles foi instalado em terreno que era irrigado por um dos pivôs centrais lacrados pelo instituto mineiro.

BOMBAS
O agricultor José Carlos Gusmão, da localidade de Pau d’Óleo, acredita que o Riachão ainda está correndo nesta época do ano – ao contrário de quase todos os demais rios do Norte de Minas, que encontram-se com leitos esturricados – por conta do movimento dos pequenos produtores que forçou a desativação dos pivôs centrais na região da nascente. “Se não tivesse retirado as bombas, o rio já estava seco há muito tempo”, afirma Gusmão, que preserva a mata ciliar do rio em sua propriedade.

“A nossa maior preocupação agora é com os chacreamentos. Se nada for feito, o Riachão vai parar de corre novamente”, alerta o agricultor. O Riachão corre por cerca de 90 quilômetros até a foz com o Rio Pacuí (afluente do Velho Chico).  “Do jeito que está indo, o rio vai secar de vez”, alerta Claudiomiro, que também se preocupa com a possível contaminação do lençol freático. 

"Guerra" vira tese de mestrado


A “guerra pela água” no Rio Riachão, no Norte de Minas, no final da década de 1990,  foi objeto de estudo de tese de mestrado, realizado pela professora Priscilla Caires Santana Afonso, da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes). A pesquisadora ressalta que a disputa foi travada entre os geraizeiros (pequenos agricultores) e os grandes empresários, que têm maneiras diferentes de consumir a água. Foram pesquisados moradores de três comunidades próxima da nascente do Riachão: Lagoa do Barro, Lagoa da Tiririca e Pau d’Óleo, no município de Montes Claros. “O estudo buscou analisar como os geraizeiros moradores dessas comunidades tiveram muitas de suas estratégias de sobrevivência comprometidas em virtude do processo de modernização agrícola brasileira”, diz Priscilla.

Promotoria quer colocar freio em clandestinidade de loteamentos no Norte de Minas

Casas bem-estruturadas,  algumas delas até com piscina, chamam atenção de quem passa pela BR- 135 (estrada Montes Claros/Mirabela), em um chacreamento a 500 metros da nascente do Riachão, na Região da Lagoa da Tiririca, em Montes Claros.  Entretanto, o condomínio rural é alvo de inquérito por parte da Promotoria do Meio Ambiente. Segundo o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG),  o loteamento é irregular e provoca sérios danos ambientais.

“O Ministério Público está instaurando os inquéritos para apurar a situação e tomar as providências cabíveis porque todos chacreamentos lançados no município são loteamentos rurais clandestinos”, afirmou a promotora Aluísia Beraldo Ribeiro. Segundo ela, o MPMG já instaurou em torno de 30 inquéritos devido à implantação dos chacreamentos ilegais na cidade, incluindo o empreendimento da nascente do Riachão.

De acordo com a promotora,  o número tende a crescer muito, pois ultrapassa a 100 a quantidade de loteamentos rurais no município, todos eles sem embalamento legal. Outra irregularidade, segundo Aluísia,  é a perfuração de poços tubulares, sem outorga. Alguns donos de chacreamentos também fazem captação de água clandestina em rios, sugando os mananciais e prejudicando os pequenos agricultores.

“Os chacreamentos irregulares viraram uma forma mais fácil e rápida de ganhar dinheiro. Costumamos dizer que hoje, no Norte de Minas, a criação de chacreamentos está igual o carvão vegetal 10 anos atrás. Pessoas compram terrenos de baixo custo, abrem ruas, vendem lotes e ficam ricas da noite para o dia”, alerta Aluísia Beraldo.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)