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Estado de Minas

Obras de melhorias na bacia do São Francisco estão tirando água de sertanejos

Dez anos depois da greve de fome do bispo que tentou parar a obra no rio São Francisco, EM descobre em 3,5 mil Km da bacia um projeto encalhado, cheio de vícios, e que até agora só tomou água de sertanejos que deveria abastecer


postado em 31/05/2015 06:00 / atualizado em 31/05/2015 08:15

''Fui enganado; me senti traído'' - Dom Luiz Cappio, que chegou a fazer greve de fome por 11 dias para salvar o Velho Chico
''Fui enganado; me senti traído'' - Dom Luiz Cappio, que chegou a fazer greve de fome por 11 dias para salvar o Velho Chico

Pernambuco e Bahia – Após quatro dias sem comida, a taxa de glicose no corpo humano despenca. O organismo é obrigado a consumir as próprias reservas. A pressão arterial se altera e os órgãos encolhem, até entrar em colapso, levando à morte. Processo semelhante ocorre em um rio contaminado: se não é alimentado por água de qualidade nas cabeceiras, a poluição e o assoreamento se concentram, bactérias proliferam e consomem o oxigênio dos outros seres vivos, até que o corpo d’água morra. Em 2005, para defender o Rio São Francisco de um projeto de transposição que não previa a recuperação da bacia, o bispo de Barra (BA), frei dom Luiz Cappio, arriscou a própria saúde e fez de seu corpo o drama do Velho Chico, ao encarar 11 dias de greve de fome. A má propaganda, que chamou a atenção até do papa Bento XVI, fez com que o então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), entrasse em negociações pela revitalização. Passados 10 anos, mais uma vez, a história de frei Luiz se confunde com a do rio: as promessas feitas a ambos não foram cumpridas, o São Francisco definha a uma velocidade que surpreende os mais pessimistas e a transposição, apresentada como panaceia para matar a sede no Nordeste, não apenas avança a passos trôpegos, como zomba de sertanejos, ao lhes negar acesso até à pouca água que tinham antes do início da obra. Foi o que descobriu o Estado de Minas, ao percorrer 3.500 quilômetros de seca, assoreamento, poluição e descaso, entre Minas, Bahia e Pernambuco, para a série de reportagens apresentada a partir de hoje.

Nesta viagem, o agricultor pernambucano Francisco Alves Leite, de 60 anos, surge como uma espécie de retrato das contradições do projeto, iniciado há sete anos, que está pelo menos quatro atrasado. Ele mora a poucos metros de um dos canais da transposição. Apesar da grande concentração de água na cava, não consegue usar uma gota para as lavouras esturricadas ou para a criação de cabras sedentas, pois o canal é muito profundo. Para piorar, a obra engoliu o córrego vizinho, uma situação que se estende a outros cursos d’água ao longo do projeto.

Diante dessas características, a transposição é considerada pelo franciscano dom Luiz Cappio o maior símbolo das promessas descumpridas ao rio com nome de santo. “Um projeto falido, que nunca se preocupou em trazer água para o povo, apenas para a irrigação do agronegócio e das elites produtoras. Um monumento à corrupção e ao desperdício de dinheiro e água”, dispara. “Demos um grito (em 2005) para acordar o Brasil, diante desse absurdo que vinha ocorrendo com o Rio São Francisco. Depois de negociar com o presidente (Lula), recebi garantias de que a transposição seria paralisada, a revitalização começaria e outras formas de fornecimento de água à população seriam estudadas; mas só a transposição avançou e nada mais foi feito. Fui enganado; me senti traído”, afirma. O desabafo retrata a realidade de um rio de pouca água e muita poluição, sobretudo por esgoto. Sem a recuperação ambiental, cada vez mais o que resta para ser dividido com o Nordeste é a sede.


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