O atentado a tiros contra o promotor de Justiça Marcus Vinícius Ribeiro Cunha – da comarca de Monte Carmelo, no Alto Paranaíba, e do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) de Uberlândia, no Triângulo – ligou o alerta das autoridades para os riscos enfrentados por integrantes do Ministério Público e Judiciário mineiros. A segurança dos outros dois integrantes do Gaeco em Uberlândia foi reforçada, mesma medida tomada para os dois juízes de Monte Carmelo. A mulher e os dois filhos de Marcus Vinícius também estão sob escolta e foram retirados da cidade onde o promotor foi baleado na noite do sábado. No dia em que foi apresentado o acusado de ter cometido o ataque – Juliano Aparecido de Oliveira, de 21 anos, filho do ex-vereador de Monte Carmelo Valdelei José de Oliveira – o presidente da Associação Mineira do Ministério Público (AMMP), Nedens Ulisses Vieira, cobrou incremento no trabalho já feito pelo MP para dar segurança aos integrantes da instituição. Já o responsável pelo Centro de Segurança Institucional do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), desembargador José Osvaldo Furtado de Mendonça, acredita que o atentado não é um fato isolado e diz ser necessário dar uma resposta para garantir a integridade física de juízes e promotores.
Os últimos dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre juízes e desembargadores ameaçados em todo o país são de março de 2013. Com base neles, 34 magistrados mineiros, entre juízes comuns e do Trabalho, estavam em situação de risco. Os números mostram que Minas liderava o ranking por estados, de um total de 202 autoridades do Judiciário sob ameaça no Brasil. O desembargador Furtado de Mendonça, do TJMG, estima que hoje sejam cerca de 10 sob atenção especial em Minas. “A partir do momento em que um integrante do MP, por exemplo, é atacado a tiros, não vejo isso como ação isolada. Mostra que o crime está se organizando e precisamos dar uma resposta. Temos que atuar preventivamente”, afirma.
No caso do promotor de Monte Carmelo, essa proteção não chegou a tempo. Marcus Vinícius chegou a notificar que estava sendo ameaçado pelo vereador Valdelei José de Oliveira – pai do autor confesso dos disparos – mas dispensou escolta armada. “É óbvio que a ação dos promotores desperta antagonismos, mas que nem sempre se traduzem em pedido de escolta policial. Esse juízo é pessoal”, explica o procurador André Ubaldino, que representou ontem o Ministério Público na entrevista coletiva convocada para tratar do assunto, na Cidade Administrativa do governo de Minas.
De acordo com a polícia, o autor confesso do crime foi preso por volta de meia-noite em um churrasco, na cidade próxima de Romaria. Ele foi para a comemoração depois de descarregar a arma contra o promotor, atingido nas costas e no braço. Ainda tentou recarregar a pistola, mas o pente de balas caiu no chão e Marcos Vinícius conseguiu correr e gritar por socorro. “Testemunhas disseram que ele ficou de campana a tarde inteira, em frente ao Ministério Público, montado na moto, aguardando a saída do promotor. Aguardou das 15h até umas 20h, quando a vítima deixou a promotoria”, relata a delegada Cláudia Coelho Franchi, de Monte Carmelo, que atua no caso com o também delegado Wilton José Fernandes.
Para Wilton, a principal motivação do crime parece ter sido mesmo a revolta de Juliano em relação à perda de mandato do pai, cassado em função das investigações conduzidas pelo promotor para esclarecer um esquema de fraude em licitações. “Ele não apenas perdeu o cargo de vereador. O pai do suspeito era o cabeça do esquema, dono de tudo, e chegou a ser preso depois das denúncias. Além do prejuízo financeiro, o processo vexatório na cidade pequena gerou muita revolta na família. Em um dia, o vereador era rei, e no outro passou a não ter mais nada”, disse. O delegado acredita ser menos provável a ligação de Juliano com organizações de traficantes.
Porém, outras autoridades não descartam a possibilidade. O procurador André Ubaldino lembrou que outra frente de investigação de Marcus Vinícius aborda a disputa entre grupos rivais no tráfico de drogas no Triângulo Mineiro. “Se Juliano foi alertado por advogados, pode estar alegando ter atirado contra o promotor que destruiu a vida do pai dele como forma de atenuar a penalidade. Se for julgado por homicídio simples, a pena prevista é de seis a 20 anos de prisão. Se for condenado por vinculação com o tráfico, sobe para entre 12 e 30 anos.”
O acusado será indiciado por tentativa de homicídio duplamente qualificada, por motivo fútil e com recurso que dificultou a defesa da vítima. Ontem, Juliano negou-se a responder às perguntas dos repórteres. Apenas fez gestos de negativa com a cabeça quando perguntado se seu o pai estava envolvido no crime. O ex-vereador Valdelei José de Oliveira está preso preventivamente, desde o fim de semana, mas não assume nenhuma participação no atentado.
MAIS PROTEÇÃO
O desembargador Furtado de Mendonça, do Centro de Segurança Institucional do TJMG, diz que a maior dificuldade para dar proteção a autoridades como o promotor de Monte Carmelo está exatamente no interior, devido à estrutura mais acanhada de cidades menores. Para o promotor Fernando Henrique Zorzi Zordan, um dos membros do Gaeco de Uberlândia que tiveram a segurança reforçada , é necessário aparelhar melhor as instituições. “É preciso investir em equipamentos, estrutura policial, sedes mais seguras e uma logística melhor de deslocamento”, afirma .
O Ministério Público de Minas não fornece dados sobre promotores em situação de risco ou acompanhados de perto pela polícia. O presidente da AMMP, Nedens Ulisses Freire Vieira, embora elogie o trabalho feito para proteger os colegas, alerta ser necessário uma estrutura mais robusta. “Todos os que são atendidos elogiam o trabalho, mas a violência tem aumentado bastante, o que exige cobrança pela ampliação e aperfeiçoamento do combate ao crime contra promotores de Justiça”, diz Nedens, que levará a reivindicação à Procuradoria-Geral de Justiça. Em nota, a Associação dos Magistrados Mineiros (Amagis) repudiou o atentado. “Mais do que um ataque a um operador do direito, os 12 tiros disparados foram um claro atentado com o intuito de atingir todo o sistema de Justiça e a democracia”, diz texto assinado pelo presidente da instituição, desembargador Herbert Carneiro.
EVOLUÇÃO
Depois de ser atingido por quatro tiros, de pelo menos 12 disparados por uma pistola calibre 380, o promotor Marcus Vinícius vem se recuperando bem e saiu do Centro de Tratamento Intensivo do Hospital Santa Clara, onde está internado, em Uberlândia. Ele respira normalmente e foi transferido para um quarto, onde mantém um dreno no pulmão direito, perfurado por uma das balas . Com a diminuição da sedação, já tem conversado com algumas pessoas.
Os treze tiros que abalaram o estado
A investida mais evidente do crime organizado em Minas aconteceu em janeiro de 2002, quando foi executado o promotor Francisco José Lins do Rêgo Santos, que investigava a máfia de adulteração de combustíveis, responsável por desvios de até 15% da arrecadação de ICMS do estado. Lins do Rêgo teve o carro interceptado por uma moto no movimentado cruzamentos da Rua Joaquim Murtinho com Avenida Prudente de Morais, no Bairro Santo Antônio, Centro-Sul de BH. Os ocupantes da motocicleta – que fizeram lembrar os ataques de mafiosos na Colômbia –, descarregaram 13 balas de uma pistola semiautomática 380 contra o alvo. O mandante foi o empresário Luciano Farah Nascimento – dono da Rede West de Combustíveis – que já tinha sido autuado várias vezes por irregularidades nos seus postos. Durante fiscalização, em setembro de 2001, o empresário foi flagrado discutindo de forma exaltada com o promotor (foto). Farah foi preso 16 dias depois do assassinato, que mobilizou uma força-tarefa envolvendo Ministério Público estadual e polícias Federal, Civil e Militar. Sentenciado a 21 anos de prisão, era ele quem pilotava a moto no dia do crime. Teve como comparsas o ex-policial civil Edson Nogueira e ex-office boy Geraldo Parreiras, também condenados. O assassinato alterou toda a estrutura de combate ao crime organizado no país, com a criação de um grupo de procuradores e promotores que atua nacionalmente, colaborando na investigação de crimes. Em Minas foram criados em várias comarcas braços da Coordenadoria de Combate ao Crime Organizado. (Maria Clara Prates)