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Estado de Minas

Fartura de água de minas e bicas de BH contrapõe crise hídrica no estado

EM percorreu roteiro de minas e bicas de BH que não foram tomadas pelo progresso. Nesses locais, a água jorra com fartura e traz alívio a moradores e frequentadores


postado em 29/01/2015 06:00 / atualizado em 29/01/2015 12:16

No Horto, a Biquinha do Noventa, na Rua Felipe Camarão, faz a alegria da criançada, que se refresca após as brincadeiras, e de donas de casa, que lavam roupa por lá(foto: Fotos: Beto Magalhãees/EM/D.A Press)
No Horto, a Biquinha do Noventa, na Rua Felipe Camarão, faz a alegria da criançada, que se refresca após as brincadeiras, e de donas de casa, que lavam roupa por lá (foto: Fotos: Beto Magalhãees/EM/D.A Press)

Os frequentadores das bicas e minas urbanas de Belo Horizonte vivem uma realidade distante da maioria da população, que precisa fechar as torneiras e pensar a respeito de cada milímetro cúbico de água que utiliza. A água das bicas e minas que restaram na metrópole urbanizada jorra sem parcimônia e é usada para matar a sede, lavar carros, roupas e embelezar o Parque Municipal. A reportagem do Estado de Minas seguiu o roteiro indicado no primeiro capítulo do livro Guia Morador Belo Horizonte e traz um pequeno perfil das nascentes que ainda não foram escondidas pelo progresso.

Algumas são prosaicas, como a mina que fica dentro da casa de Romero Pedro Silva, na Rua Dona Geni, no Bairro Vila Santa Branca, na Região de Venda Nova. Quando ele começou a construir a casa, em 1993, tentou drenar a mina e fez a edificação com uma laje elevada. Não deu certo. A força da água foi maior e encharcou a garagem. A solução foi construir um reservatório, usar uma bomba para enviar a água para a tubulação e instalar o ladrão para dispensar o excesso na rede fluvial. “Quando acaba a água no bairro todo mundo vem aqui pedir um pouco”, conta Romero, que diz nunca ter negado um pedido.

Análises da qualidade da água já foram feitas e, diante do resultado positivo, considerando a água pronta para o consumo, Romero dispensou o serviço da Copasa. Ele paga apenas uma taxa para usar a rede de esgoto. Além da casa, a água abastece também o bar de Romero, uma construção contígua à moradia. “Os clientes tradicionais nunca compraram uma garrafinha de água. Sabem que a da torneira é boa para o consumo. Quem compra água é só quem não conhece”, avisa Romero.

Romero Silva tem uma mina dentro de casa, em Venda Nova: em seu bar, clientes mais antigos só tomam água da torneira (foto: Fotos: Beto Magalhãees/EM/D.A Press)
Romero Silva tem uma mina dentro de casa, em Venda Nova: em seu bar, clientes mais antigos só tomam água da torneira (foto: Fotos: Beto Magalhãees/EM/D.A Press)

No outro extremo da cidade, na Praça Marília de Dirceu, em Lourdes, Região Centro-Sul, a água limpa vaza em um bueiro próximo à esquina da Rua Curitiba. Diante da escassez e dos constantes alertas para economizar água, o presidente da Associação da Praça Marília de Dirceu e Adjacências (Amalou), Jeferson Rios, garante já ter feito um orçamento para instalar uma caixa d’água na praça e usar a fonte para irrigar as plantas. “Aqueles prédios quase todos foram construídos em cima de uma mina de água. Já avisamos a Copasa, que informou não tem planos para aproveitá-la e procuramos a prefeitura para pedir a permissão para instalar a caixa d’água”, diz. A água, segundo Rios, não é apropriada para o consumo, mas pode ser usada na irrigação.

Maria da Penha, que é proprietária da banca de jornal na praça há 29 anos, explica que o local – um dos pontos com o m² mais valorizado da capital – era um brejo. Por ali, nos primórdios de BH, no século 19 e nos primeiros anos do século 20, corria o Córrego do Leitão, hoje quase todo escondido pelo asfalto. Aliás, córregos e rios eram comuns na capital mineira. Os moradores mais antigos de BH recordam que os dois sentidos da Avenida Pedro II eram separados pelo Córrego do Passadinho e que por trechos da Rua Professor Moraes e da Avenida Afonso Pena passava o Acaba Mundo, assim como a Silviano Brandão passou por cima do Córrego Mata.

Lincoln Toledo busca água há 40 anos na Petrolina, e diz que ela é tão boa, que cura até ressaca de quem se hidrata de madrugada(foto: Fotos: Beto Magalhãees/EM/D.A Press)
Lincoln Toledo busca água há 40 anos na Petrolina, e diz que ela é tão boa, que cura até ressaca de quem se hidrata de madrugada (foto: Fotos: Beto Magalhãees/EM/D.A Press)

Na Região Leste, próximo ao escondido Córrego Mata, está a bica mais famosa da cidade: a Bica da Petrolina, na esquina da Avenida Petrolina com Rua Abílio Machado, no Bairro Sagrada Família. A qualquer hora do dia e da noite, há uma fila formada. Os usuários carregam galões e galões. É o caso de Zoltan Sas, morador do Bairro Santo Antônio, na Região Centro-Sul. “Buscava água no chafariz do Kaquende, em Sabará, mas agora só venho aqui”, detalha o aposentado.

Além de gostar da água, Sas destaca que é vegetariano e que sente gosto de peixe na água da Copasa e, por isso, prefere pegar direto na fonte. Já a esteticista Sônia Santos, que aguardava na fila para encher seus galões, atesta que o gosto é ótimo e que não tem sabor de cloro. “Faço tudo com essa água. Sofria de uma gastrite tremenda e depois que passei a pegar água aqui melhorei”. O mais experiente na bica, o autônomo Lincoln Toledo, pega água ali há 40 anos e aponta mais uma qualidade. “De vez em quando alguém bebe muito de madrugada e passa aqui para tomar água. Alguns até dormem no passeio, mas quando acordam estão sem ressaca”, brinca Lincoln.

SEM SEDE

Perto dali, no vizinho Horto, na Rua Felipe Camarão, uma bica também mata a sede. Conhecida como Biquinha do Noventa, uma referência à favela Noventa Lojas localizada na região, é usada pelas crianças que brincam na rua, por donas de casa que lavam roupas e é essencial para o pedreiro Pedro Antônio, que é morador de rua e usa a bica para diversas finalidades, inclusive, fazer a barba. “A água é ótima”, garante.

Porém, a única bica que a prefeitura atesta a qualidade é a da Sagrada Família. A Vigilância Sanitária coleta a água semestralmente e realiza exame laboratorial. A última coleta foi feita em dezembro e o resultado apontou que a água pode ser usada para beber. Entretanto, quem desejar que a Vigilância Sanitária verifique a qualidade da água de alguma bica pode solicitar o serviço via 156, segundo a Secretaria Municipal de Saúde.

E a fonte secou…

As obras de canalização do córrego da Avenida Virgílio de Melo Franco, no Bairro Jardim Atlântico, na Região da Pampulha, são apontadas pelos moradores da região como responsáveis pelo fim da bica da Vila Unida. Há quase dois anos, a água que era usada pelos moradores para lavar roupas, carros, limpar as casas e, por alguns, até para beber não brota mais da terra embaixo de uma mangueira. A Vila Unida foi desfeita, a maior parte dos moradores foi recolocada em novas moradias do Vila Viva, da prefeitura, e a água da mina corre para o córrego recém-canalizado.

“Nas reuniões que aconteceram com a comunidade antes da obra, pedimos para não acabar com a bica. Foi sugerido até que fosse feito um chafariz”, recorda a cabeleireira Rosângela Alves de Oliveira. Morador da antiga Vila, Rosivaldo Marães, lembra que a água era usada por todos e para todas as finalidades. “Eles chegaram aqui, drenaram e jogaram a água para o córrego”, lamenta.

Segundo a Regional Pampulha da PBH, a nascente está localizada em área particular. “Foi drenada para o córrego próximo devido à necessidade de execução de obras de tratamento de fundo de vale e retirada de moradores de área de risco”, informa a nota. (DC)

(foto: Fotos: Beto Magalhãees/EM/D.A Press)
(foto: Fotos: Beto Magalhãees/EM/D.A Press)
Inspirador

O livro Guia Morador Belo Horizonte pode ser comprado no site https://loja.piseagrama.org e custa R$ 32. Além do itinerário das bicas, a obra mapeia o trajeto dos carroceiros, os antigos cinemas de rua, as hortas e o comércio popular. Também conta as histórias dos fantasmas, dos desenhos dos portões e gradis, dos times amadores, dos pássaros e do congado na capital mineira.

 


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