Márcia Maria Cruz
Meio século de solidariedade para dar oportunidades a crianças de comunidades de Belo Horizonte. Ao longo de cinco décadas, a Jornada Solidária mudou de nome, promoveu centenas de eventos beneficentes, com a participação da sociedade e conseguiu transformar a realidade de inúmeros meninos e meninas na primeira infância.
O Estado de Minas conta como essa história foi construída a partir da gestão do diretor-geral Geraldo Teixeira da Costa. A atuação da jornada foi ampliada a cada gestão até chegar ao formato atual. “Eram distribuídos pratos de sopa diariamente, no Centro da cidade, para a população pobre. Talvez, naquele momento, iniciava-se o que hoje chamamos de responsabilidade social”, lembrou a presidente da Jornada Solidária, Nazareth Teixeira da Costa, durante discurso na Assembleia Legislativa em homenagem à iniciativa.
Desde o início do programa, as crianças são o foco. Além de receberem presentes em festas natalinas, várias creches foram reformadas e equipadas com recursos das ações beneficentes da jornada. “Percebia que aquelas crianças em creches precárias, futuramente, iriam competir no mercado de trabalho com meus netos, que estudam em escolas bacanas. Isso me incomodava muito”, diz. Desde os primeiros contatos com a jornada, Nazareth tinha o sonho de contribuir com ações para mudar o futuro daqueles meninos e meninas.
Quando Álvaro Teixeira da Costa assumiu o cargo de diretor executivo dos Diários Associados, Nazareth, na companhia da editora do caderno Feminino & Masculino, Anna Marina Siqueira, e da coordenadora da jornada, Isabela Teixeira da Costa, iniciou o processo de reformulação para que a jornada pudesse dar contribuição mais efetiva para mudança da realidade das crianças. “Subimos morros, onde está a maioria das creches. Nos deparamos com uma triste e dura realidade. As condições eram precárias. Os lugares escuros e sujos, depósitos de crianças.”
Nazareth e Isabela avaliaram que além de diversificar os eventos para arrecadar fundos, era preciso mudar o formato da jornada. O diagnóstico que faziam mostrava precariedade, creches com infiltrações, escapamento de gás, vazamento de água, entre outros problemas estruturais. “Percebemos que parte dos recursos repassados estava indo para esses consertos. Avaliamos que a jornada e os Diários Associados eram grandes demais para dar dinheiro apenas para fazer o Natal. Poderíamos e deveríamos fazer mais”, diz Isabela.
A partir de 2004, o foco passou a ser as reformas patrimoniais das instituições. Primeiro, atenderam 300 entidades com a distribuição da verba arrecadada no final do ano por ocasião do Natal. Depois, com a mudança na atuação, a Jornada passou a atender instituições de crianças de 0 a 6 anos, de Belo Horizonte, com as intervenções. Desde 2005, a Jornada Solidária reformou e equipou 35 creches e, em breve, entregará mais uma completamente reformada na Vila Sumaré. Atualmente, o programa acompanha 16 instituições e um abrigo, totalizando mais de 3,5 mil crianças.
O objetivo é fazer as reformas necessárias para que as instituições, que atendem crianças em risco social, sejam equipadas para prestar um atendimento de qualidade. “Eram vasos sanitários para adultos sem tampos para atender as crianças. Telhado de amianto sem forro, janelas pequenas sem ventilação, piso de cimento e paredes sem reboco, com muitos problemas na parte hidráulica e elétrica”, enumera Isabela.
COLABORAÇÃO A Noite de Prêmios da Jornada Solidária é um dos eventos mais esperados ao longo do ano por ser uma oportunidade de as pessoas colaborarem com as creches da capital e também por ser um momento de lazer e confraternização para a sociedade belo-horizontina. Há 15 anos, o evento é a principal fonte de recursos para a jornada. Devido às parcerias com as empresas do setor privado, são distribuídos, a cada edição, cerca de 400 prêmios, como joias, televisores, adegas climatizadas, relógios e inúmeras peças de grifes. Cerejas do bolo, as viagens internacionais são os prêmios mais cobiçados. “A sugestão foi do Renato Arcuri. Quando fizemos a primeira vez foi um grande sucesso. Tanto que hoje é o nosso carro-chefe”, lembra Isabela. Ao assumir a coordenação, ela ampliou o número de eventos realizados, com jantares, desfiles de moda e bazares.
A Jornada Solidária conta com a parceria das patronesses. Uma das mais antigas é Letícia Nelson Senna. “Sou do tempo em que Eduardo Couri fazia reuniões com as patronesses no Iate Clube. Ele recebia todo mundo com tanto carinho”, lembra Letícia. Naquela época, elas tinham como função encontrar patrocinadores para os eventos. Para ela, com o passar dos anos, a jornada profissionalizou-se e consolidou-se também como promotora de um dos principais eventos da capital mineira. “Antes corríamos atrás de patrocinadores. Agora, pela credibilidade do evento, são as pessoas que a procuram para ajudar. Mudou o espírito”, analisa. A patronesse Josefina Veloso colabora há 40 anos. “É uma causa muito válida fazer o bem sem olhar a quem.” Para ela, além de as festas serem muito boas e bem organizadas são uma forma de prestar solidariedade às crianças.
A ação de voluntários também é fundamental para que os eventos sejam realizados. O mais antigo colaborador é Edson Silva, coordenador dos Núcleos de Transporte e Manutenção do Estado de Minas. São mais de 30 anos dedicados à jornada. “Para mim, a jornada é o prazer de servir às crianças. Tudo que faço estou visando o bem estar delas”, diz.
Ação para infância
O primeiro passo de um dos mais antigos programas de responsabilidade social do Brasil foi batizado Jornada pelo Natal do Menor. Em 1964, o diretor Paulo Cabral e o diretor da extinta TV Itacolomi José de Oliveira Vaz buscavam formas de arrecadar dinheiro para a festa das crianças, quando resolveram fazer uma ação simples. Fecharam a Avenida Afonso Pena e cobraram pedágio de carros e pedestres. “O dinheiro arrecadado era distribuído para as instituições no final do ano, com a finalidade de proporcionar aos meninos um Natal melhor”, lembra Nazareth.
A experiência é contada no livro TV Itacolomi - sempre na liderança, lançado em 2008 pela editora Armazém de Ideias. “A promoção alcançou tal repercussão junto à sociedade mineira que, mesmo depois do desaparecimento da TV Itacolomi, em 1980, ela continuou a ser feita pelo Estado de Minas e eu hoje me orgulho muito de continuar a ser seu coordenador, há 27 anos consecutivos”, escreveu.
O amor pelo programa foi deixado como herança para os filhos. “A mensagem que meu pai nos deixou foi principalmente a de uma visão do Natal como um tempo de se pensar no outro, principalmente naqueles que não estão tão próximos de nós e que não tiveram os recursos para passar um Natal com dignidade. Com isso ele nos mostrava que a data não era só para ganhar presentes mas, principalmente para dar um pouco no nosso tempo aos que não tinham a mesma sorte que nós”, diz a filha de José Vaz, Gilda Vaz.
Na gestão de Camilo Teixeira da Costa, a presidência da Jornada Solidária é assumida por Ney Octaviani Bernis. Com ajuda do colunista Eduardo Couri foram realizados o Showçaite e o Glamour Girl, festas que se tornaram eventos culturais de sucesso por mais de três décadas. Mais tarde, José Maurício Vidal Gomes começou a realizar o Leilão de Artes, que existe até hoje. Gilda lembra com saudade das festas beneficentes organizadas por Eduardo, que arrecadavam fundos para as instituições.