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Estado de Minas

Haitianos fogem da pobreza e viajam do Caribe para Esmeraldas

Fugindo da pobreza no Haiti devastado por terremoto, imigrantes engrossam colônia na cidade da Grande BH, onde são tidos como honestos e trabalhadores, mas muito arredios


postado em 14/09/2014 06:00 / atualizado em 14/09/2014 10:46

Rone Terrame abriu uma lan house com um conterrâneo e criou uma 'colônia', depois que os haitianos perderam o sinal de internet gratuita em Esmeraldas(foto: Jair Amaral/EM/D.A.Press)
Rone Terrame abriu uma lan house com um conterrâneo e criou uma 'colônia', depois que os haitianos perderam o sinal de internet gratuita em Esmeraldas (foto: Jair Amaral/EM/D.A.Press)

A quantidade de haitianos nas ruas do Bairro São Pedro, em Esmeraldas, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, impressiona. Pela manhã e início da noite, quando estão indo ou voltando do trabalho, para cada 10 pessoas nos pontos de ônibus a média é de cinco ou seis imigrantes do pequeno país caribenho, arrasado por um terremoto em 2010 e assolado pela pobreza. Em um desses pontos está Neslair François, de 32 anos, que chegou ao Brasil há oito meses para encontrar parentes e amigos. Ele trabalha em uma lavanderia em Belo Horizonte e aproveitou a quarta-feira de folga para procurar emprego para o irmão e um amigo que haviam chegado três dias antes, sem falar nada de português. Neslair vive com outros seis conterrâneos em uma casa e ainda sonha em trazer os pais e irmãos. Assim como ele e seus companheiros em busca de trabalho, no bairro os haitianos andam sempre em grupos, conversando na língua própria: crioulo haitiano ou francês.


Antes, os imigrantes se concentravam todas as noites e nos fins de semana na Rua Um com Avenida D, às margens da rodovia MG-432, atraídos pelo sinal de internet liberado pelo comércio. Munidos de smartphones e tablets, trocavam mensagens com parentes e amigos no país natal, usando redes sociais e aplicativos. Quando os comerciantes bloquearam a internet, o haitiano Rone Terame, de 24 anos, em vez de reclamar enxergou uma oportunidade: teve a ideia de abrir uma lan house com um conterrâneo. Deu tão certo que o lugar virou uma espécie de “colônia haitiana”. Alguns estrangeiros causavam estranheza ao subir em uma árvore, que ficou conhecida como “o pé de haitianos”, para bater papo lá em cima. De vez em quando o costume ainda se repete nos fins de semana.

Com suas peculiaridades culturais, os imigrantes se integram lentamente com os brasileiros, por quem são considerados sérios demais. “Chegam sem falar português e não sabem nem contar dinheiro”, conta a balconista de supermercado Luciana Cardoso, de 31, que os ajuda a separar as notas na hora de pagar. “São honestos: se falta um centavo, saem correndo e vão em casa buscar”, conta.

Os haitianos não são vistos em bares bebendo, nem fazendo arruaça pelas ruas. A Polícia Militar só tem elogios para eles. “São bons funcionários. Trabalham o dia todo sem reclamar. Não me lembro de nenhuma ocorrência policial envolvendo haitianos nos últimos dois anos e meio”, atesta o subcomandante da PM de Esmeraldas, capitão Davidson Gonçalves.

A religião predominante no Haiti é católica, mas na Grande BH eles buscam conforto espiritual nas igrejas evangélicas que desenvolvem trabalhos sociais para ajudá-los. Em dezembro do ano passado, o pastor Alessandro Júnior Soares, do Bairro São Genaro, disse ter ficado impressionado com a situação calamitosa de 12 deles vivendo em um barracão de três cômodos, sem falar uma palavra de português. O religioso começou a dar aulas para os imigrantes no salão da igreja. Mandava buscá-los de van, também para participar dos cultos.
O pastor fez uma campanha para empregá-los e uma construtora de Santa Luzia contratou 37 imigrantes. Outra, de Contagem, 16. Hoje, várias empresas procuram o religioso querendo empregar grupos de até 10 haitianos de uma vez.

A maioria dos homens trabalha na construção civil, como demonstrou a pesquisa “Migração haitiana para o Brasil”, da Organização Internacional para as Migrações (OIM), que revela que 40% dos haitianos no Brasil têm curso médio e 30% trabalham como pedreiros ou serventes. “Empresas alimentícias e lavanderias também empregam muito. Há empresas de recursos humanos que oferecem salário de R$ 800 para empregada doméstica haitiana, mas que fale inglês”, disse o pastor.

De imigrantes
a professores


Muitos imigrantes passam de alunos a professores, dando aulas de francês e inglês em espaços cedidos pelas igrejas. Cobram mensalidade de R$ 20 da comunidade pobre do Bairro São Pedro. Outras duas turmas com brasileiros começam em 13 de outubro, na Igreja Presbiteriana do Bairro Céu Azul, Região da Pampulha, na capital, com mensalidade de R$ 35.


De acordo com a pesquisa da OIM, os haitianos que chegam ao Brasil têm nível de instrução elevado, até maior do que o de brasileiros com quem trabalham. “Primeiro, chegaram professores, estudantes de medicina, pessoas que se declararam juizes de direito e até diplomatas. Em um segundo momento, passaram a vir pessoas com ensino fundamental completo e alguns com ensino médio incompleto”, informa coordenador da pesquisa, o professor Duval Fernandes, do Programa de Pós-graduação em Geografia da PUC Minas . Muitos imigrantes com curso superior acabam indo trabalhar na construção civil e o especialista lamenta o fato de o Brasil não aproveitar esse capital humano.

Franc Remy, de 22, abandonou o segundo ano da faculdade de química em Porto Príncipe para morar em Esmeraldas. Chegou há seis meses e trabalha em uma distribuidora de Contagem. Salário de R$ 1,1 mil. “Fiquei sabendo de Esmeraldas por amigos que vieram antes do Haiti”, conta o jovem, cujo pai é diretor de escola em Porto Príncipe. “Nunca tinha trabalhado antes. Ganhava até roupa do meu pai”, disse.

Além do francês e do crioulo haitiano, Franc fala inglês e já chegou sabendo um pouco de português. Seu objetivo maior é dominar a língua dos brasileiros e fazer faculdade de administração ou agronomia, pois pretende voltar ao seu país somente com curso superior.


A média salarial dos haitianos na Grande BH é de um salário mínimo (R$ 724). Jonas Louís, de 29, chegou há três meses e trabalha numa fábrica de sapatos em Contagem, mesmo sem falar nada de português. “Muito trabalho e pouco dinheiro”, disse ele, em francês, juntando o polegar e indicador para mostrar o tamanho do salário para a jornada de segunda a sexta-feira, das 7h30 às 17h30.


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