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Estado de Minas

Conheça a história do alfaiate Jésus, que ganhou no batismo o nome do filho de Deus

Mas, talvez para não passar por pretensioso, o pai mandou acentuá-lo. É alfaiate e exemplo de que a vida é feita de suplícios e recompensas


postado em 18/04/2014 06:00 / atualizado em 18/04/2014 07:30

"Meus pais eram muito católicos. Me deram esse nome como homenagem, mas não sei por que mudaram a pronúncia" (foto: Leandro Couri/EM/D.A )

Não é fácil encontrar Jesus nas ruas e praças de Belo Horizonte. Não nos referimos àquele cuja via sacra é lembrada na semana santa, mas a cidadãos comuns com o mesmo nome. O Estado de Minas percorreu, em uma tarde, o Centro da capital e custou a achá-los. “Serve Lucimar não?”, perguntou uma sorridente e oportunista comerciante, querendo ser entrevistada. No Shopping Oiapoque, um segurança aproveitou para improvisar breve sermão. “O Jesus que conheço está na Bíblia”, disse, antes de citar de cor trechos do livro sagrado, com capítulos e versículos, na tentativa de guiar o repórter ao bom caminho.

A busca se concluiu na Praça Sete, tão diversificada que deve ser frequentada até por raridades como Epaminondas e Alberaldas. Em um quarteirão fechado da Rua dos Carijós, moças usavam o gogó na tentativa de angariar clientes para um “Jesus fotógrafo”, como estava escrito na placa. Na sacada de um prédio, um aparentemente sereno senhor de 76 anos, cabelos brancos e modos simples. Ele corrigiu a pronúncia: é Jésus. Não quis participar da reportagem e, ao se justificar, confessou-se pecador. “O nome é bonito, mas já fiz muita coisa errada. Tem gente que não gosta de mim. Prefiro não aparecer.”

No outro lado da praça, em um dos quarteirões fechados da Rua Rio de Janeiro, trabalha o alfaiate Jésus Nogueira Trant, de 72. “Meus pais eram muito católicos e me deram esse nome como homenagem, mas não sei por que mudaram a pronúncia.” Talvez o acento agudo tenha sido posto para dar um ar de humildade e despretensão. Em uma janela gradeada no primeiro andar do prédio de número 430, uma placa pode ser vista da rua: “Jésus: reforma de roupas. Serzidos (sic) invisíveis”. Uma escada estreita conduz à loja onde o homem trabalha há quase 50 anos, suficientes para torná-lo famoso e querido entre os comerciantes das cercanias.

A sala é pequena. No alto da janela gradeada há uma moldura de madeira com uma foto em preto e branco de uma escultura de Nossa Senhora da Piedade, sentada, segurando no colo o corpo de Jesus. “Fui eu que registrei essa imagem”, conta. Segundo ele, a escultura faz parte do acervo da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Piedade, em sua cidade natal, Rio Espera, na Zona da Mata. Em uma parede, outra moldura contorna uma foto colorida do templo. Mudou-se para BH aos 15 anos, quando abandonou a escola. Ante as dificuldades, cogitou voltar à família, como tantos que tentam ganhar a vida na capital. O martírio, porém, foi superado – e hoje o alfaiate exibe, com orgulho, o resultado do esforço.

Entre roupas, doces e pastéis


Mais velho de oito irmãos, Jésus começou ainda criança a ajudar o pai, José Antônio Nogueira Trant, de quem “herdou” a profissão de alfaiate. Na época, o filho ainda não fazia os tais “serzidos invisíveis”, técnica que torna o remendo quase imperceptível ao incorporá-lo à trama do tecido. Em Rio Espera, sua função era fazer calças. Para engordar a renda, a mãe, Rita Nogueira Trant da Silva, que o primogênito qualifica como “lutadora”, preparava pastéis e doces para vender. A situação piorava quando José adoecia. “Ele chegava a ficar quatro ou cinco meses de cama. Eu vendia as coisas que minha mãe fazia, engraxava sapatos... Num açougue, ajudava a matar porco e a fazer linguiça. No fim do dia, o pagamento era um pedaço de linguiça”, lembra, sorridente, delimitando com as mãos o comprimento da parca remuneração.

Os pais faziam questão de que toda a família fosse às missas dominicais. Jésus diz que o hábito lhe agradava. O garoto se impressionava com o modo como o padre exercia seu domínio. Na igreja, impedia que os dois sexos se misturassem: mulheres de um lado, homens do outro. “Ele era rígido, cobrava muito do pessoal. Era a maior autoridade, mandava mais que o prefeito. Tinha de ser consultado quando um circo ou parque de diversões queria se instalar na cidade.” O menino tinha apenas um par de sapatos, que usava para ir às cerimônias. Quando um sapato furava, para não ter de calçá-lo, usava de uma artimanha. Passava uma solução à base de mercúrio no dedão do pé, para simular ferimento, e caminhava mancando.

Jésus era um típico garoto de Rio Espera. Roubava frutas dos quintais alheios, gostava de jogar futebol e era apegado à família. Por isso foi duro quando teve de se separar dela. Após concluir a 5ª série do ensino fundamental, foi passar uns dias em BH. O tio que o hospedou o convenceu a ficar na capital, onde havia mais oportunidades para um jovem cheio de vigor. Em vez de fazer a viagem de volta em um domingo, como havia planejado, na segunda-feira seguinte foi a uma loja de conserto de roupas, no Centro, levando no bolso o anúncio de emprego recortado de um jornal. Assumiu o posto no dia seguinte. Conseguia mandar um dinheirinho para os pais. “Sentia muita saudade”, relata. Depois de oito anos no trabalho, descobriu que essa não era a única dificuldade.


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