(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

Mosteiro de Macaúbas tem 16 freiras com vocação para vida na clausura

O mosteiro, em Santa Luzia, começa a comemorar 300 anos e lança campanha para pintura, manutenção elétrica e fim das obras de restauração


postado em 16/12/2013 00:12 / atualizado em 16/12/2013 20:04

Gustavo Werneck

 

Religiosas só saem do convento em ocasiões especiais: acompanham as notícias do mundo por TV e computador (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
Religiosas só saem do convento em ocasiões especiais: acompanham as notícias do mundo por TV e computador (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
As grossas portas se abrem e conduzem a um mundo ao mesmo tempo forte e suave – imerso em fé em estado absoluto; silencioso, apenas pontuado por cânticos e sons da natureza; e calmo, com a chance de se caminhar sem urgências. Conhecer o Mosteiro de Nossa Senhora da Conceição de Macaúbas, em Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, é uma experiência única: ali estão 16 freiras com vocação para a vida na clausura, roseiras que servem de matéria-prima para um vinho famoso e relatos plenos de emoção, além de muitas orações e trabalho diário.

Pertencente à Ordem da Imaculada Conceição, a comunidade das freiras concepcionistas começa a celebrar o Ano Jubilar e reverenciar os 300 anos de história de Macaúbas, cujo prédio, branco e azul, foi recolhimento feminino, um dos primeiros colégios de Minas e, nos últimos 80 anos, convento. No domingo passado, celebrada pelo cardeal dom Serafim Fernandes de Araújo uma missa solene abriu as festividades. “Planejamos uma exposição do nosso acervo para a festa em 8 de dezembro de 2014”, diz a abadessa Maria Imaculada de Jesus Hóstia. E ainda, para celebrar com beleza e segurança os 300 anos de história, as concepcionistas lançam a campanha da tinta, para receber material e pintar a fachada, e outra ação, desta vez para custear os serviços das partes elétricas interna e externa, com projeto aprovado pelo Iphan.

Na entrada principal do mosteiro, onde se lê a palavra clausura, vê-se em destaque a pintura de um personagem fundamental: o eremita Félix da Costa, vindo da cidade de Penedo (AL), em 1708, pelo Rio São Francisco, com irmãos e sobrinhos. Ele demorou três anos para chegar a Santa Luzia, onde construiu uma capela dedicada a Nossa Senhora da Conceição, de quem era devoto. Antes disso, no encontro das águas do São Francisco com o Rio das Velhas, em Barra do Guaicuí, em Várzea da Palma, na Região Norte do estado, ele teve uma visão de um monge com hábito branco, escapulário, manto azul e chapéu caído nas costas. “Ele se viu ali. Foi o ponto de partida para a fundação do Recolhimento de Macaúbas”, conta a abadessa, explicando que o quadro e uma estátua de Félix da Costa foram feitos no século passado por uma irmã concepcionista.

Entrar na clausura é impossível – trata-se de um lugar exclusivo das religiosas, que só saem de Macaúbas em ocasiões especiais: consultas médicas ou odontológicas, eleições, resolver problemas administrativos, participar de reuniões da assembleia da ordem ou fazer cursos de espiritualidade para a vida contemplativa. A equipe do EM pôde acompanhar o ofício divino da hora média, entrar rapidamente no jardim e depois tomar um café com quitandas num espaço separado das freiras por treliças. A simpática abadessa, de 75 anos, 58 deles em Macaúbas, contou histórias e falou das necessidades atuais, como o restauro da edificação, de 6,6 mil metros quadrados, tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha) e Prefeitura de Santa Luzia. “Estamos há 32 anos em obras”.

Na companhia da freira Marisa de Fátima Costa, a abadessa conta que a capelinha erguida por Félix da Costa não existe mais, só algumas peças primitivas que serão mostradas na futura exposição. “Temos ainda o cofre que Félix da Costa usava para pedir esmolas a fim de erguer o templo”, explica. De acordo com as pesquisas, o eremita seguiu, em 1712, para o Rio de Janeiro e obteve do bispo dom frei Francisco de Sá e São Jerônimo – na época ainda não havia a diocese de Mariana, a primeira de Minas – licença para usar hábito e pedir esmola. Mais tarde, recebeu autorização para abrir o recolhimento feminino.

(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)


EDUCAÇÃO No século 18, quando as ordens religiosas estavam proibidas de se instalar nas regiões de mineração, por ordem da Coroa Portuguesa, havia apenas dois recolhimentos femininos em Minas: um em Macaúbas e outro em Chapada do Norte, no Vale do Jequitinhonha. A historiadora e professora da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri Ana Cristina Lage, estudiosa da história da educação feminina no estado, explica que esses espaços recebiam mulheres de várias origens, para reclusão definitiva ou passageira.

“Havia uma diversidade de tipos de reclusas. Eles abrigavam meninas e mulheres adultas, órfãs, pensionistas, devotas, algumas que se estabeleciam temporariamente para guardar a honra enquanto os maridos e pais estavam ausentes, ou serviam de esconderijo para aquelas consideradas desonradas pela sociedade da época”.

Macaúbas recebeu figuras ilustres, a exemplo das nove filhas da escrava alforriada Chica da Silva, que vivia com o contratador de diamantes e desembargador João Fernandes. A casa na qual Chica se hospedava fica ao lado do convento. Como parte do pagamento do dote de seis das nove filhas de Chica, Fernandes mandou construir, entre 1767 e 1768, a Ala do Serro, com mirante e 10 celas (quarto para religiosos). Em 1770, o mestre de campo Ignácio Correa Pamplona assinou contrato para construir a ala da direita da sacristia (retiro).

A construção tem ainda as alas da Imaculada Conceição (16 celas), Félix da Costa (a mais antiga, com 16 celas) e a de Santa Beatriz, onde se encontra o noviciado do mosteiro. Em 1847, o recolhimento passou a funcionar também como colégio, um dos mais tradicionais de Minas. Nas primeiras décadas do século 20  a escola entrou em decadência devido à chegada de congregações religiosas europeias com grande experiência na educação de meninas e por causa da forte gripe de 1919, que matou muitas alunas.

quitutes Da porta do mosteiro, contemplando a paisagem contornada pelo Rio das Velhas, a abadessa afirma que a comunidade tem hoje apenas 10% das terras primitivas. Para se manter, as freiras vivem da aposentadoria das concepcionistas mais velhas, produzem vinhos de rosas, jabuticaba e uva, fazem doces, quitandas e trabalhos manuais, mantêm a hospedaria na Ala do Retiro e recebem ajuda de benfeitores, como a Missão Central dos Franciscanos, da Alemanha.

       A vida começa cedo no convento, que guarda monumentos de fé, como as capelas dos Aflitos, com o Cristo crucificado e Nossa Senhora das Dores, aos seus pés, de Nossa Senhora do Carmo e de Santo Antônio, na Ala do Retiro, a Sala dos Oratórios e a Sala do Capítulo (reuniões), com um oratório, para orações noturnas. As freiras se levantam às 5h e participam de uma dia de ofícios, trabalho, estudos, meditação e atividades que só terminam às 20h30.

“Para viver aqui é preciso coragem e vocação. É um chamado de Deus. Não estamos isoladas do mundo, mas rezando por ele. No mosteiro há computador e televisão, para vermos noticiários”, conta a abadessa, que tem a companhia de sua irmã de sangue Maria Auxiliadora, que chegou a Macaúbas há 54 anos. Usando um delicado anel de prata com a imagem de Cristo crucificado, irmã Marisa, há 25 anos no Mosteiro de Macaúbas, é determinada. “Renunciamos ao convívio com a família, casamento e vida social. No mosteiro começa a minha vida para a eternidade”.

Ela adianta que em 1º de janeiro e depois no primeiro domingo de cada mês, durante a missa das 10h30 na capela aberta ao público, haverá orações especiais pela celebração do tricentenário. Os católicos podem também assistir à missa diária celebrada às 7h.

Memória

De volta ao altar

Em 17 de setembro de 2011, as irmãs do Mosteiro de Macaúbas participaram de missa festiva para reentronizar (levar de volta ao altar da capela-mor) a imagem de Nossa Senhora de Lourdes. Durante quatro meses, a peça francesa –1,65m de altura e integrante do acervo desde 1892 – foi restaurada numa das celas, então transformada em ateliê. À frente do serviço, a especialista Carla Castro Silva. A recuperação se deu graças à parceria entre a Secretaria Municipal de Cultura e Turismo, Associação Cultural Comunitária de Santa Luzia e o mosteiro, com recursos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS Cultural). Na oportunidade, foram também comemorados os 500 anos da aprovação da Regra da Ordem da Imaculada Conceição – Ad Statum Prosperum –, fundada por Santa Beatriz da Silva Menezes. O EM documentou o restauro, sendo o primeiro veículo de comunicação autorizado a entrar na clausura.


Cronologia

1708 –Félix da Costa parte de Penedo (AL), em companhia de seus irmãos, e chega a Santa Luzia três anos depois

1712 – Depois de viajar para o Rio de Janeiro, Félix da Costa obtém do bispo dom frei Francisco de Sá e São Jerônimo licença para usar hábito e pedir esmola a fim de construir uma capela dedicada a Nossa Senhora da Conceição

1712 –Em 8 de maio, em segunda viagem ao Rio, Félix da Costa obtém licença para fundação de um recolhimento

1714 –Em 12 de agosto, tem início a construção da Ermida de Nossa Senhora da Conceição e de um pequeno prédio para residência das futuras recolhidas. O local escolhido fica no encontro do rio das Velhas e Vermelho, em Santa Luzia

1716 –Em 1º de janeiro, o vigário de Roça Grande, padre Lourenço Valadares Vieira, abençoa a capela. Entram para o recolhimento 12 moças, sendo sete parentes de Félix da Costa

1716 – Em 2 de novembro, o governador da capitania de São Paulo e Minas de Ouro, Brás Baltazar da Silveira, concede a primeira carta de sesmaria com referência exclusiva à ermida. Nove anos mais tarde, é concedido novo documento, legalizando a posse de um terreno usado pelo recolhimento para criação de gado

1727 – O bispo do Rio de Janeiro, dom Antônio Guadalupe, autoriza a construção de um novo prédio. O recolhimento fica sob sua subordinação direta

1767 / 1768 – O contratador de diamantes e desembargador João Fernandes manda construir uma ala, dividia em celas, e um mirante, que ficam conhecidos como Ala do Serro. Os ambientes foram erguidos como parte do pagamento do dote de suas filhas, ali internadas, com Chica da Silva

1770 –Em 9 de novembro, Ignácio Correa Pamplona assina contrato para construir a ala à direita da sacristia, igualmente dividida em celas

1778 – Em 30 de março, o padre Manuel Dias da Costa Lana vai a Portugal, como procurador do recolhimento, para obter o reconhecimento do local pela Coroa. A antiga resistência à instalação de ordens religiosas em Minas retardava o cumprimento da missa do padre. Somente 11 anos depois é concedido o benefício régio, por despacho da rainha Maria I, que aprova o estabelecimento e o toma sob sua proteção

1847 – O recolhimento passa a funcionar também como colégio. A nova escola ganha reconhecimento e se torna uma das mais tradicionais de Minas

Século 20– Nas primeira décadas, o colégio entra em decadência. O motivo está na chegada a Minas de congregações religiosas europeias com grande experiência na educação de meninas

1933 –Antigo recolhimento se torna Mosteiro de Nossa Senhora da Conceição de Macaúbas

1963 – Em 8 de fevereiro, construção é tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Quinze anos depois, é tombado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha), e em 1989, pela Prefeitura de Santa Luzia


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)