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Estado de Minas

Conheca a história de perseverança de dois dependentes químicos

Na luta para se livrar do crack, dois casos de dependentes acompanhados pelo EM chamam a atenção pela persistência e capacidade de reconstrução de vidas


postado em 16/12/2013 00:12 / atualizado em 16/12/2013 09:17

Guilherme Paranaiba e Sandra Kiefer

 

Carlos e Priscila se preparam para o Natal(foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press)
Carlos e Priscila se preparam para o Natal (foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press)

CARLOS O hoje padeiro Carlos Ângelo Becalli, de 29 anos, viveu momentos de extrema degradação, chegando a viver como um bicho na Pedreira Prado Lopes. Ele foi acompanhado pela reportagem quando já estava se tratando em uma comunidade terapêutica e as conversas transcorreram até ele conseguir o primeiro emprego, como segurança em um supermercado, já totalmente livre do crack.

Ao contar que está trabalhando em uma fábrica de pães há cerca de 10 dias, Carlos dá claros indícios de que sua vida estáno rumo certo e que o crack ficou no passado. O emprego no ramo da panificação, sonho da época que estava internado e aprendeu o ofício, não é a única razão do sorriso desse novo homem. Outra explicação para tanta alegria é a vendedora Priscila Martins de Souza, de 26, companheira de Carlos. Os dois dividem o segundo andar de um imóvel no Bairro Tupi, Região Norte da capital, há quatro meses, em companhia de Gabriel e Davi, os dois filhos de um relacionamento anterior de Priscila. “Agora eu tenho uma família e estou pronto para realizar o sonho de ter a casa própria e também um filho”, conta ele.

Carlos e a reportagem do EM se encontraram em dezembro do ano passado, quando ele estava internado no Centro de Recuperação de Dependentes Químicos (Credeq). Logo que concluiu o tratamento ele iniciou o namoro com Priscila e não teve recaída. Os dois se conheceram em um supermercado, onde o casal trabalhou junto.  Carlos conta que desde então a situação melhorou ainda mais. “Continuo frequentando as reuniões do pós-tratamento no Credeq. A Priscila vai sempre comigo. Esse é o diferencial. Me entreguei ao tratamento. Eu realmente quis resolver o meu problema”, afirma.

“O Carlos quis se tratar e eu estou totalmente disposta a ajudá-lo. Sempre dei força e estamos formando nossa família”, diz a vendedora. “Nossa expectativa é de um excelente Natal. Dia 24 vamos para a casa da minha tia e no dia 25 o almoço será na casa da minha sogra”, reforça ele. Ao pensar no que já viveu e comparar com a situação atual, ele toma um susto. “É uma coisa inexplicável. Lembrando o ponto em que cheguei, pensava que nunca ia conseguir largar o vício. Mas eu via pessoas que conseguiram e perguntava: por que não eu?”, completa.

SANDRA A diarista Sandra Maria da Silva, de 43 anos, e a reportagem se encontraram quando ela já era acompanhada em reuniões dos Narcóticos Anônimos (NA) e estava livre do vício. Durante seis meses tentou vários empregos, mas não conseguiu se fixar em nenhum por causa do passado em cracolândias do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas. No último contato, ela estava prestes a pegar um chaveiro por completar um ano longe das drogas.

Sandra sonha escrever um livro contando sua vida como ex-menina de rua, ex-prostituta e ex-usuária de crack. Ela estava aflita, no entanto. Com muito custo, revelou que ainda não teve coragem de buscar o chaveiro, prêmio simbólico de um ano de abstinência dos Narcóticos Anônimos, apesar de estar sem usar drogas e álcool há um ano e quatro meses. Confessa ter medo de ficar orgulhosa e perder a força para lutar contra a dependência química. “A adicção é uma doença que não tem cura. Sou uma máquina mortífera, movida a química, se eu ficar nervosa posso me tornar um carro desgovernado e bater em qualquer esquina. Quero ficar sóbria para ver bem a direção em que estou andando”, compara.

Em agosto, depois de sair do último emprego e de fracassar na tentativa de montar uma barraca de churrasquinho, Sandra decidiu salvar suas duas irmãs, entregues ao crack. Com o apoio do pastor Wellington Soares, da Igreja Batista da Lagoinha, conseguiu vaga para internar a diarista Vanessa, pela segunda vez no ano, e  Alessandra, que mora debaixo de um viaduto na companhia de um “noiado”.

Relembre o especial sobre crack


Com muita luta, Sandra conseguiu convencer Vanessa a se internar. Fez questão de levar a irmã até a porta do centro de reintegração. Feito isso, tentou o mesmo caminho com Alessandra, mas não teve êxito. Encontrou a irmã na Lagoinha, a levou para a igreja, mas enquanto ela preparava a documentação para a internação, Alessandra foi embora. Sandra ficou arrasada. “Se nem Jesus Cristo conseguiu salvar o mundo, não sou eu que vou conseguir. Preciso tocar a minha vida e parar de sofrer pelas minhas irmãs”, desabafou.



Ainda no meio das trevas


As situações mais complicadas entre os oito personagens reencontrados pelo EM são as do jardineiro Cleiton e da diarista Sandra. O primeiro viveu todo o período de acompanhamento nas ruas, usando crack. A segunda abandonou um tratamento no interior do estado e continuou a fumar a pedra, jogando fora as chances de ficar bem para recuperar os filhos entregues a um abrigo.

CLEITON Cleneílson dos Anjos Fernandes, o Cleiton, mora há mais de cinco anos nas ruas, na região da Lagoinha. O primeiro contato dele com a reportagem foi na fila de um sopão, depois de ter o corpo coberto de tinta por um desafeto. Refutou inúmeras tentativas de tratamento, oferecidas pela família e por conhecidos. Ao fim do período de acompanhamento, continua fumando pedra, só que bem mais agressivo.

“Vem comigo para a internação, Cleiton. Tem uma vaga esperando para que você possa sair das ruas agora”, convida mais uma vez a pastora Sandra Rondi, da Igreja Batista Getsêmani. Ela não desiste de tentar resgatar da cracolândia da região da Lagoinha o ex-jardineiro, de 33 anos, há 11 viciado em crack. Se ele aceitasse ajuda, seria levado para desintoxicação no Hospital Raul Soares, passaria por um período de internação em uma comunidade terapêutica e, em seguida, ganharia casa e emprego, dentro do conceito do projeto Ide!, criado há cinco anos pela pastora Sandra, com a colaboração dos seus filhos e de fiéis.

Entretanto, Cleiton é dos mais renitentes entre os dependentes atendidos pela pastora. Entra na fila do cachorro-quente com suco, ouve conselhos e súplicas, mas sempre bate em retirada. Quer uma vaga de internação, Cleiton? “Quero fumar pedra! Você quer me dar R$ 20?”, provoca o homem. Os braços se agitam e ele está nervoso por ter saído nas páginas do jornal. “Pensa que eu não vi? Eu estava aqui, desse jeito”, mostra ele, refazendo a posição da fotografia.

A companheira dele nas ruas, S., está grávida. Cleiton pega ração em dobro para sustentar a família: dois sanduíches e dois sucos, que irá levar para a parceira. Ambos mudaram de ponto nos últimos meses. Deixaram o viaduto e se transferiram para o outro lado da passarela de pedestres, perto da Rodoviária. “Aqui estão matando muita gente. Estão de pilantragem”, diz Cleiton, que foge da morte, apesar de se consumir pouco a pouco no vício.

Vanessa A diarista Vanessa foi apresentada à reportagem pela irmã, Sandra, que tentava interná-la para tratar o vício. Foi enviada para se recuperar em Uberaba, pesando menos de 50kg. Na primeira visita da família ela abandonou o tratamento. Não conseguiu se manter limpa para reaver cinco filhos enviados pela Justiça para um abrigo.

Num domingo, 3 de novembro, Vanessa ligou insistentemente para o celular da repórter. Interurbano a cobrar. A diarista não se lembrou de ligar para dar os parabéns à irmã, Sandra, que estava fazendo aniversário. Só queria mandar um recado: está voltando para casa. Pelas regras da instituição, ao completar quatro meses de internação quem está em tratamento tem permissão para visitar a família. Desde que a reportagem começou a acompanhar a trajetória de Vanessa, a doméstica já está na segunda internação no ano. Da vez anterior, sofreu recaída ao ser enviada de volta, em visita à família.

Sandra foi alertada de que a irmã ameaçava interromper o tratamento se nenhum familiar aparecesse nas visitas de rotina. Vanessa deu ultimato em 18 de novembro. Ao completar três meses da segunda internação, sem receber apoio dos parentes, desistiu do tratamento e foi embora. Na semana seguinte, comunicou que estava de volta. “Desta vez, estou bem. Não quero mais saber de drogas. Vou alugar o barraco da minha irmã, que está de mudança e mudar de vida. Mas preciso de ajuda para arrumar um emprego”, clamou Vanessa num telefone público, falando alto. Não houve como retornar o telefonema dela, que parecia estar desconectada da vida.

Memória: SEIS MESES NAS RUAS


Entre 12 e 15 de agosto, o EM publicou o resultado de seis meses de acompanhamento de 10 dependentes de crack. Eles foram divididos em três grupos, de acordo com o grau de dependência na droga. Aqueles que estavam em um momento de uso abusivo, sem perspectiva de melhora, foram incluídos no grupo “trevas”. Já os que buscavam alternativas para largar o vício, mas acabavam recaindo, alternando bons e maus momentos, formaram o grupo “sombras”. Aqueles com boas chances, que se mantiveram longe do crack, foram colocados na categoria “luz”. Por fim, o último dia trouxe a iniciativa do Ministério Público estadual de ajudar os personagens da série.


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