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Estado de Minas

Lavrador de Bonfinópolis acompanhou o processo de morte de dois rios

Aos 84 anos, morador de Bonfinópolis assistiu a dois córregos secarem e à exaustão da mina que servia a comunidade: castigo por anos de fogo e de agropecuária predatória


postado em 15/09/2013 06:00 / atualizado em 15/09/2013 14:26

Calejado, José Nicolau fala com nostalgia de uma época em que a horta era alimentada por dois riachos, água para beber só existe a 12 quilômetros(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
Calejado, José Nicolau fala com nostalgia de uma época em que a horta era alimentada por dois riachos, água para beber só existe a 12 quilômetros (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
Bonfinópolis de Minas e Buritis – Da janela do barracão de tijolos artesanais, o lavrador José Nicolau dos Santos, de 84 anos, viu muita coisa mudar desde a época em que trabalhava duro nas plantações e lidava com o gado em Bonfinópolis de Minas, no Noroeste do estado. Perto de sua casa corriam o Córrego da Viúva e o Riacho do Boqueirão, que eram usados para irrigar hortas de cebola, alface, couve e abóbora. Água de beber era encanada de uma fonte cristalina que brotava na serra próxima. Mas, de alguns anos para cá, as coisas mudaram drasticamente para sua família, como tem ocorrido em toda a região. “Nunca vi tanta peleja. O Boqueirão e o Viúva estão secando fora das águas (do período chuvoso). Muita terra não presta para mais nada. A mina da serra se acabou. Meu filho e a mulher dele trazem água para a gente beber indo de trator à fazenda do patrão (a 12 quilômetros de distância)”, conta José Nicolau.

O testemunho do lavrador mostra como a seca tem se intensificado e, pior do que isso, tem acelerado processos de desertificação em parte dos 19 municípios do Noroeste de Minas, como a equipe de reportagem do Estado de Minas pôde constatar em Arinos, Bonfinópolis de Minas, Buritis, Dom Bosco, Formoso e Urucuia. Os motivos variam, de acordo com especialistas, que destacam entre os responsáveis a pecuária predatória, o desmatamento, a produção de carvão e o plantio de monoculturas sem cuidados com a conservação do solo. “A região toda está sofrendo com a degradação dos terrenos e a falta de chuvas. A seca, que durava de maio a setembro, se ampliou e nos últimos anos tem ido de março a outubro. Há ondas de calor e sequências de mais de 30 dias com temperatura acima de 40 graus. Uma situação que lembra mais o semiárido”, afirma o gerente regional da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Minas Gerais (Emater-MG), Manuel Faria Duque Filho. “Isso tudo poderia ter sido evitado se os produtores rurais tivessem se precavido há décadas. Se não usassem fogo para limpar pastos. Se fizessem terraços para segurar a água no terreno e conter a erosão. Mas o que fizeram foi exaurir as terras e depois abandoná-las quando não serviam mais”, acrescenta o engenheiro-agrônomo e coordenador do Comitê de Bacias Hidrográficas (CBH) do Rio Urucuia, Julio Ayala.
HERANÇA MALDITA DO ÚLTIMO GRANDE INCÊNDIO
A avaliação dos técnicos encontra amparo na explicação de agricultores simples, mas que viveram por décadas nas fazendas do Noroeste, como o calejado lavrador José Nicolau. Sua cidade, Bonfinópolis, a 560 quilômetros de Belo Horizonte, teve o decreto de estado de emergência devido à estiagem reconhecido na segunda-feira pelo Estado. “Não chove mais como antigamente. Estamos pagando pelo fogo que tocamos no cerrado para formar pasto. A água da serra que a gente bebia minguou. Isso foi depois de um incêndio (em 2008). Veio até avião (helicóptero) para apagar”, lembra o homem de 84 anos. O sítio onde o agricultor aposentado vive com a família, de acordo com o mapeamento feito pelos agrônomos da CBH do Rio Urucuia, fica em uma das partes mais degradadas do município, perto da Rodovia MG-181. Em volta do terreno, entre o cerrado estorricado por incêndios e as pastagens abandonadas, pelo menos cinco áreas intercaladas sofrem avançado processo de desertificação e começam a se fundir em um vasto cenário desolado. Somadas, as terras em avançada degradação em Bonfinópolis chegam a 9,3 quilômetros quadrados, o que representa seis vezes a extensão do Parque do Ibirapuera, em São Paulo, ou três vezes o Parque das Mangabeiras, em BH. Nelas, o solo sofreu erosão tão intensa que algumas nascentes desapareceram, deixando para trás apenas o rastro de um curso encascalhado, serpenteando entre encostas onde as margens ficaram esculpidas na rocha. O chão é tão duro que nada consegue brotar. Do carvão ao deserto, uma série de agressões Em Buritis – terra batizada pela planta que nasce nas veredas ricas em água –, onde o coordenador de Meio Ambiente da prefeitura, Dadiane Amaral, tenta conter a degradação provocada pelo manejo predatório do solo e por estradas abertas sem os devidos cuidados, áreas em franco processo de desertificação servem de alerta aos produtores rurais. Na comunidade de Santa Maria estão as mais degradadas, onde o processo se espalha por oito terrenos que somam 30 quilômetros quadrados. Para ter uma ideia da área envolvida, a medida é a mesma do lago formado em 2006 com o represamento do Rio Doce para a Usina Hidrelétrica de Aimorés, que deixou debaixo d’água 265 casas da cidade de Itueta, 247 de Resplendor e 70 propriedades rurais. O cenário lembra a devastação provocada por um bombardeio militar. No solo endurecido e ocre não nasce planta alguma. Árvores mortas, sem folhas, ressecadas e ainda presas ao solo, apodrecem como últimas testemunhas da mata de cerrado que não resistiu à voracidade do homem. “Aqui o que ocorreu foi o desmate por anos seguidos do cerrado para fazer carvão. Depois, foram feitos incêndios para formar pasto com capins exóticos, que quando pegam fogo geram uma energia muito maior do que a vegetação nativa e assim empobrecem o solo. Então, para terminar, introduziram o gado, que foi compactando o solo e arrancando a vegetação”, indica o agrônomo Julio Ayala. “Depois que a chuva veio, levou embora a camada primária do solo, que é onde as plantas conseguem nutrientes. Sobrou apenas a camada secundária, que é muito pobre. Se continuar assim, em pouco tempo a região chegará à camada terciária, onde só há rochas”, alerta. “Isso tudo poderia ter sido evitado se os produtores rurais tivessem se precavido há décadas. Mas o que fizeramfoi exaurir as terras e depois abandoná-las quando não serviam mais” JULIO AYALA, coordenador do Comitê de Bacia do Rio Urucuia
(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
Gado sedento
O gado magro remexendo a vegetação seca é cena típica do semiárido. Mas a seca que o Noroeste de Minas atravessa também gerou rebanhos esquálidos e famintos. Em Arinos, 6.500 cabeças morreram em 2012. “Neste ano, os produtores venderam boa parte do gado que tinham, para não ficar no prejuízo. Mas um boi que valeria R$ 1.500 está custando até R$ 800 por aqui”, afirma o secretário municipal de Agropecuária, Joel Fonseca (foto).
(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
Abandono
Foram seis meses perfurando o solo em busca de água para começar a plantação. Depois de várias tentativas frustradas, o lavrador Antônio Gomes do Nascimento (acima), de Dom Bosco, a 532 quilômetros de BH, já observa a sonda que atinge até 70 metros de profundidade com olhos descrentes. “Ia plantar em parceria com o dono da terra. Não posso mais esperar, porque tenho que sustentar minha família. Vou procurar emprego no comércio”, lamentou. 68,4% das cidades do Noroeste precisarão ampliar seus  sistemas de captação de água até 2015 ou enfrentarão desabastecimento.

 

 

 

 

 

Vídeo - veja imagens da seca:
 
 


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