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Estado de Minas

Maioria dos manifestantes foi às ruas para protestar com sentimento de paz

Enquanto minoria de vândalos insiste em tumultuar protestos, a maior parte dos manifestantes, jovens cheios de esperança, mostra a cara e manda recados variados por meio de gritos e cartazes


postado em 23/06/2013 08:07 / atualizado em 23/06/2013 08:36

O garoto de espinhas no rosto, óculos de grau, camiseta de malha e jeans surrado bate palmas e brada com a voz que lhe resta: “Vão! Vão brincar de revolução!”. Solitário, entre centenas, o jovem manifestante repete o grito de revolta à direita e à esquerda, em frente ao portão da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). É contrário à maioria, de cara limpa ou desenhada, que marcha rumo à Praça Sete, no Centro. Ele teme a polícia – em barreira adiante. “Vão! Burros! Vão enfrentar a polícia!” É terça-feira. Um dia depois do confronto de estudantes com policiais na Região da Pampulha, quando Gustavo Magalhães, de 18, ficou ferido ao cair de um viaduto. Pouco a pouco, outros jovens engrossam o grupo nas cercanias da universidade. O que se vê no gramado e nas calçadas são alunos, daquela e de outras praças, preparando faixas e cartazes. Nos rostos, pintura pelo país. Três dias seguidos de formação andante, incansável, por endereços emblemáticos da cidade. O Estado de Minas andou junto e viu, de perto, os muitos retratos que fazem a nova cara do Brasil que urge.

Os cartazes se multiplicam na avenida. Recados aos montes – em português e em inglês –, em letras, para todo o mundo ler e ouvir. Os manifestantes fazem dos R$ 0,20 na passagem de ônibus estopim. Querem mais. Muito mais. Querem respeito, segurança, saúde e educação. Exigem o fim da impunidade e deixam claro que não toleram mais a corrupção. Ana Paula Lopes, de 25, aluna de pedagogia, orgulha-se do momento histórico. “Todo mundo acordou e se juntou para mostrar essa insatisfação”, diz.

Ela faz parte da multidão que considera a corrupção um dos maiores problemas do país. A manifestante entende que a solução está na educação. “É muito mais cômodo investir em Bolsa-Família e deixar a educação para segundo plano”, critica. Na altura do peito, o recado de Fernando Márcio Bernardes, de 24: “Cansei de sentir vergonha!” Para o graduando em geografia, “a revolução está atrasada”. Ele vê na Copa das Confederações, com as lentes do mundo voltadas para o Brasil, momento oportuno para mostrar que o “gigante está de pé”.

“O que me dá mais vergonha é ver o descaso com o povo, com o mau uso do dinheiro público. Vergonha de ver nossos políticos, corruptos, tomando decisões em benefício próprio”, ressalta. Fernando fala numa geração atenta à comunicação imparcial, “mais transparente”. “Estamos aprendendo a fazer uso das novas mídias. E a gente vai lutar. Não vamos desistir. Vamos lutar até o fim”, garante. Perto dele, dezenas de jovens manifestantes já se preparam para tomar o rumo da Praça Sete.

Nos botecos vizinhos, de vitrola de ficha e salgado barato, não há outro assunto: “Isso vai feder… Vamos pro pau!”, diz o barbado de olhos negros e alargadores nas orelhas. Com ele, a mocinha de cabelo moderno – curto de um lado e longo do outro –, piercing, usa o celular para responder a amiga que já está na Praça Sete. “A Lu disse que lá já está bombando”. No balcão, cerveja com o pó da geladeira no casco, o sujeito de meia-idade conversa: “Isso não vai dar em nada”. O dono do bar reage: “Não sei não, o povo está cansado”.

Na grama, um sujeito toma a cena: “Aí, galera! É o seguinte…” Diz que é pequeno empresário e que está cansado de ser roubado. Oferece com “recursos próprios” trio elétrico para o movimento. É recebido com entusiasmo – em parte. Palmas e gritos de “Êêêêêeeee!” Muitos não dão brecha. Não querem nem conversa. “Ele quer é aparecer! Daqui a pouco é candidato!”, diz um barbudo de cabelos encaracolados e bolsa de couro atravessada no ombro. Logo à frente, na Avenida Antônio Carlos, o rapaz de aparente boa intenção é colocado para escanteio. E a marcha, crescida em centenas, segue para a Praça Sete. É noite. Falam em 5 mil, 10 mil, 15 mil pessoas.

Solitários ou enturmados, conscientes de seu novo papel político e social, jovens e adolescentes fazem questão de exibir pinturas, adornos e cartazes(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
Solitários ou enturmados, conscientes de seu novo papel político e social, jovens e adolescentes fazem questão de exibir pinturas, adornos e cartazes (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)
CORAGEM Enquanto isso, na Praça da Estação, sob o Viaduto Santa Tereza, cerca de 1,5 mil tentam se organizar para dar rumo ao sem rumo. Nas ruas, divididos, os grupos não se entendem para onde ir. São representantes das ruas, das favelas, das salas de aula, de ensino, jovens e adultos, de partido e sem partido, das mais variadas ideias. “O pensamento é livre”, escreveu o bardo inglês. De microfone nas mãos, umas 100 vozes defenderam pontos de vista.

Teve de tudo. Os radicais falaram em ir para o confronto. “Não se faz revolução sem dar ou tomar umas porradas”, diz um espectador atento à fala do garoto de chapéu e bigode ralo que defende coragem para que o movimento não se esvazie. Um outro toma a palavra para falar da presença de policiais infiltrados na reunião. Para evitar “um massacre”, sugere que os “intrusos” saiam discretamente. É a vez de uma professora falar bonito. Pondera, elogia a manifestação e coloca-se à disposição para caminhar junto, com responsabilidade. É recebida com canto: “O professor é meu amigo. Mexeu com ele, mexeu comigo!”.

Entre os mais politizados, lideranças de movimentos já organizados, discursaram compartilhando experiências. Da assembleia, listagem de diretrizes que incluem, entre outras, articulação com sindicatos de trabalhadores; redução imediata da tarifa de ônibus e passe livre estudantil; postos de primeiros-socorros. Foram quatro horas de espaço aberto à liberdade.

Caminhada para a liberdade


Durante toda a semana, os grupos de insurgentes crescem na caminhada pela Avenida Afonso Pena. Em maioria, jovens de 15 a 25 anos. A parada é sempre a sede da prefeitura. Muitos vestidos com bandeiras, do Brasil e de Minas, promovem apitaço e tentavam trazer o amigos e parentes. “Véi, vem pra cá que tá doido demais !”, diz o rapaz forte, sem camisa. A menina bonita, de umbigo de fora, diz para a colega que se o pai descobre onde ela está, “vai pagar o maior pau”. Tudo calmo e pacífico demais até ali. Por volta das 21h, gangue de mascarados começou a depredar a prefeitura, contrariando o coro de milhares: “Sem vandalismo!”. Não adiantou. A solução foi deixar a bandidagem de lado, promovendo a maior quebradeira, e recuar para a Praça Sete. Nas calçadas do Parque Municipal, a boa gente se espantava com a cena de destruição. Mas o grupo toma o sentido da Praça da Liberdade. Lá, novas cenas de vandalismo contra o monumento da Copa do Mundo. O hino nacional na ponta da língua, braços ao alto, cartazes e faixas pela ordem e pelo país. Ana Luiza Oliveira, de 15, aluna do Cefet-MG, não imaginava que a manifestação fosse crescer tanto. “Acho que sou muito nova ainda. Mas o que vejo é o começo de uma nova era. Acredito na força e na união desta geração, futuro do país.”


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