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Estado de Minas

Médicos condenados por tráfico de órgãos atuavam sob a legalidade

Doze anos após morte de paciente, Justiça sentencia profissionais a prisão em Poços de Caldas por remoção irregular e venda de material para transplantes


postado em 21/02/2013 06:00 / atualizado em 21/02/2013 06:40

Quatro dos seis médicos acusados de integrar uma quadrilha especializada em remoção e tráfico de órgãos de pacientes em Poços de Caldas foram condenados, em primeira instância, pelo juiz Narciso Alvarenga Monteiro de Castro, da 1ª Vara Criminal da cidade do Sul de Minas. O esquema teria rendido R$ 200 mil por mês. Os profissionais foram sentenciados em um dos oito casos a que respondem, ocorrido 12 anos atrás, pelos crimes de remover, negociar e transplantar órgãos, tecidos ou partes do corpo humano em desacordo com a Lei dos Transplantes, além de formação de quadrilha. O médico Alexandre Crispino Zincone, de 48 anos, recebeu pena de 11 anos e seis meses de prisão em regime fechado. João Alberto Goés Brandão, de 44, Celso Roberto Frasson Scafi, de 50, e Cláudio Rogério Carneiro Fernandes, de 53, foram condenados a oito anos cada, também em regime fechado. Os réus podem recorrer da decisão em liberdade.

Dois outros acusados – Félix Herman Gamarra Alcântara, de 71, e Gérsio Zincone, de 77 – tiveram os crimes prescritos em decorrência de terem completado mais de 70 anos. Mas, considerando a gravidade das acusações comprovadas contra ambos, o juiz determinou que sejam enviados ofícios aos conselhos Federal e Regional de Medicina para apurações visando à cassação de seus registros. Os réus condenados tiveram passaportes retidos e devem se afastar das atividades do Sistema Único de Saúde.

O processo que resultou na condenação se refere à morte de José Domingos Carvalho, em 2001, aos 38 anos. De acordo com as apurações do Ministério Público divulgadas na sentença, o ponto de partida para os crimes foi o homicídio doloso praticado contra o paciente, mantido sem tratamento adequado. O grupo, que a Justiça classificou em termos como “organização” e “máfia”, tratava pacientes da Santa Casa de Poços de Caldas – hospital considerado referência – com descaso proposital, segundo a sentença. A vítima, em vez de ser encaminhada à unidade de terapia intensiva (UTI), ficou na enfermaria, enquanto seu organismo resistiu, apesar do estado grave. A prática seria comum a outros casos, em que ao paciente ficava sob os cuidados de um profissional que mantinha em funcionamento os órgãos de vítimas de traumatismos cranianos e de acidentes vasculares cerebrais.

Somente com a pessoa “quase morta” ou já em morte encefálica um protocolo médico considerava o paciente “bom para UTI”, segundo descreve o processo. Ocorria então a internação em terapia intensiva, para melhor monitorar o funcionamento dos órgãos mais visados pela organização: rins e córneas, embora também interessassem coração e fígado, “que eram doados para colegas do estado vizinho de São Paulo ou remetidos para Belo Horizonte”, ignorando a fila única de candidatos a transplantes e com cobrança irregular.

Depois de declarada a morte encefálica do paciente, este tornava-se “doador cadáver”. Para o juiz do caso, esse era o “momento que (a vítima) se transformava em objeto, se é que já não era antes, desde que entrava no esquema criminoso e tinha seu corpo repartido, de acordo com os interesses dos médicos, ou melhor, dos criminosos que se diziam médicos”.

Crimes sob o manto da legalidade


Para o juiz Narciso Alvarenga Monteiro de Castro, da 1ª Vara Criminal de Poços de Caldas, que condenou quatro médicos da cidade a penas de oito anos a 11 anos e meio de prisão por tráfico de órgãos, a organização que atuava na cidade do Sul de Minas tentava dar aspectos de legalidade aos procedimentos criminosos. Porém, os rastros começaram a aparecer depois de erros no preenchimento de protocolos de morte encefálica e pelo uso de modelos defasados, entre outros descuidos.

Propositalmente, segundo a sentença, os prontuários de pacientes eram tratados de forma displicente, sem assinaturas, carimbos ou números de CRM, com rasuras ou com omissão de condutas. “Ainda assim, tudo faziam para convencer os pobres familiares a efetivar a doação dos órgãos, aproveitando da fragilidade a que estavam acometidos pela perda recente de um ente querido”, diz o magistrado no texto, em que também avalia o esquema: “O plano parecia perfeito e os lucros eram cada vez maiores e com um plus: o reconhecimento social”.

Os casos só foram descobertos depois das denúncias do programador Paulo Airton Pavesi, de 45 anos, cujo filho, Paulo Veronesi Pavesi, aos 10, teria sido vítima do esquema e tido órgãos e tecidos traficados, em 2000. “Sinto que a morte desse paciente (a que se refere a sentença) poderia ter sido evitada, pois meu filho tinha sido morto antes, e eu já havia denunciado o que estava acontecendo. Essa máfia destruiu minha família e eliminou pessoas que tinham reais chances de sobrevivência, em busca de lucros. Perdi 13 anos da minha vida por isso”, desabafa.

O chamado “caso Pavesi” ainda será julgado, pelo tribunal do júri, já que se trata de denúncia de homicídio. Até o fechamento desta edição a reportagem não conseguiu contato com os advogados dos réus condenados no processo referente ao paciente José Domingos Carvalho, de 2001.


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