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Estado de Minas VIAJO PORQUE PRECISO

Pacientes que buscam atendimento em outras cidades enfrentam vans lotadas

Moradores de outras cidades que fazem tratamento em hospitais de Belo Horizonte enfrentam problema extra: cruzar rodovias violentas em vans quase sempre lotadas


postado em 23/09/2012 07:09 / atualizado em 23/09/2012 07:41

Pacientes e acompanhantes lotam van que faz percurso BH-Timóteo(foto: Jair Amaral/EM/DA Press)
Pacientes e acompanhantes lotam van que faz percurso BH-Timóteo (foto: Jair Amaral/EM/DA Press)


Para cuidar da própria saúde, muitas pessoas precisam pegar a estrada com frequência. Nos arredores dos principais hospitais de Belo Horizonte, há um vaivém diário de vans brancas transportando gente de várias cidades do interior. Eles respondem por metade dos atendimentos do Sistema Único de Saúde (SUS) em BH, segundo estimativas da Secretaria Municipal de Saúde da capital. Alguns se consultam com médicos, fazem exames e voltam para casa no mesmo dia. Outros têm que ficar mais tempo e hospedam-se em pensões próximas, com diárias baratas. Há ainda pacientes que dormem e alimentam-se em centros de apoio patrocinados pelas prefeituras dos municípios de origem.

Uma dessas instituições fica na Rua Itapagipe, Bairro Concórdia, Região Nordeste de BH. É o Centro de Atenção aos Usuários da Saúde de Timóteo. Por força das circunstâncias, o prédio virou a segunda casa de muitos moradores desse município, no Vale do Rio Doce, distante 210 quilômetros da capital. Eliane Neves de Sousa, por exemplo, já chegou a se hospedar na casa seis vezes em um mês. Acometida pelas complicações crônicas da diabetes melitus, ela perdeu quase toda a visão dos dois olhos e sofre de insuficiência renal progressiva.

Cláudia Queiroga embarca com frequência para Lafaiete:
Cláudia Queiroga embarca com frequência para Lafaiete: "Vou tensa" (foto: Tulio Santos/EM/DA Press)


Eliane, de 45 anos, abandonou o emprego como empregada doméstica por causa da doença. Desde 2008, precisa vir a BH a cada 15 dias, pelo menos. “Depende de como está minha situação”, explica. Ela pega também a estrada para a vizinha Ipatinga, para sessões de hemodiálise. Quase sempre, a acompanhante de Eliane é sua madrasta, a dona de casa — e enfermeira por vocação — Iraci Carmelita dos Reis, de 55 anos. No percurso até a capital, as duas enfrentam a perigosa BR-381, onde 72 pessoas morreram e 173 ficaram gravemente feridas nos seis primeiros meses deste ano.

Agentes do posto da Polícia Rodoviária Federal (PRF) em Sabará estimam que passem por ali, todo dia, cerca de 40 mil veículos. Os passageiros da van de Timóteo se assustam com os acidentes que veem pelo caminho. Na última quarta-feira, por pouco não engrossaram essa estatística. Ao ultrapassar uma carreta, a van quase se chocou de frente com um carro que se aproximava no sentido contrário.

Sônia Izle viaja pela BR-040 distribuindo livros:
Sônia Izle viaja pela BR-040 distribuindo livros: "Não passo de 80 km/h" (foto: Leandro Couri/EM/DA Press)


Quando o automóvel está lotado, o que ocorre com frequência, a bagagem é acomodada no colo ou junto aos pés. Cansada, Eliane fecha os olhos e deixa a cabeça pender, mas diz não conseguir dormir. Sempre se assusta ao passar por algum dos inúmeros buracos e curvas da 381. “Sinto muita dor nas pernas, por causa da doença. Não aguento ficar muito tempo sentada”, constata. Na vinda a BH, as duas sempre ficam ansiosas por ouvir o que o doutor tem a dizer. Na volta a Timóteo, a expectativa do reencontro com a família as alivia. O lado bom da desgastante jornada, que dura mais de três horas, é que “a gente acaba conhecendo pessoas, fazendo amizade”, diz Iraci. Eliane concorda: “A experiência do outro nos dá mais força para continuar lutando”.

Peregrinação

Foi entre uma viagem e outra que as duas se tornaram amigas da dona de casa Ederilda Ferreira Oliveira, de 40 anos. Em 2010, ela descobriu que um de seus filhos, Kevin, tinha uma doença chamada Tetralogia de Falott, caracterizada por uma malformação congênita do coração. Dois meses depois, constatou-se que o garoto precisaria passar por uma cirurgia corretiva. Desde então, os dois frequentam, pelo menos uma vez por mês, um hospital especializado localizado em Nova Lima, na Grande BH.

Na última quarta-feira, Ederilda e Kevin, hoje com 2 anos, hospedaram-se novamente no centro de apoio da prefeitura de Timóteo. De manhã, no hospital, os dois receberam a notícia de que o setor de pediatria não tinha vaga. O garoto só pôde ser internado na manhã seguinte e, na sexta-feira, foi submetido à tão aguardada cirurgia, que durou quatro horas. No início da tarde, Ederilda deu a notícia: “Os médicos disseram que foi tudo bem. Agora, é esperar a recuperação para ver como ficou”. Porém, a peregrinação de mãe e filho está longe de terminar. Após seis dias de internação, Kevin retorna a Timóteo, mas, até completar 18 anos, vai precisar ser periodicamente examinado no hospital de BH.

A bagagem dos dois costuma ser mais pesada que a da maioria dos inquilinos da casa. Mala e sacolas plásticas são preenchidas com roupas, fraldas, mamadeira, leite, iogurte, pacotes de biscoito, caixinhas de suco. “Venho preparada para o caso de precisar ficar aqui mais do que o previsto”, explica a mulher. Kevin não consegue ficar quieto em sua cadeirinha por todo o trajeto até a capital. Ele chora, grita, esperneia. “Ele não dorme. Fica querendo andar pela van. Sente fome, sede. Viajar com criança pequena é cansativo”, considera Ederilda.

Apesar das centenas de quilômetros rodados, a mãe diz que não se habitua à rotina andarilha. “Não tem como se acostumar, não. É sempre um transtorno. Até pelo risco da viagem a estrada é muito perigosa”, justifica.

Douglas Rezende, estudante da UFMG que viaja com frequência a Pará de Minas e a Viçosa(foto: Gladson Rodrigues/EM/DA Press)
Douglas Rezende, estudante da UFMG que viaja com frequência a Pará de Minas e a Viçosa (foto: Gladson Rodrigues/EM/DA Press)
Desconforto e atrasos de casa para a universidade


Da janela do seu quarto, no 24° andar, Douglas Rezende acompanha o movimento ininterrupto e monótono dos carros circundando a Praça Raul Soares, no Barro Preto, bairro da Região Centro-Sul de Belo Horizonte. O rapaz, de 21 anos, ainda não se sente em casa na capital mineira, para onde se mudou em agosto de 2011, para estudar engenharia química. Sempre que pode, ele pega a estrada: ou para visitar a família, em Pará de Minas, ou para render-se à namorada, em Viçosa.

“Não sei se gosto de BH. É bom de estudar, mas o transporte público não é lá grande coisa. É meio ruim de me acostumar. Vim de cidade pequena. A vida lá é mais sossegada, não tem tanto trânsito”, diz Douglas. “Lá” é em Pará de Minas, município de 84,2 mil habitantes, onde ele nasceu e passa os feriados, finais de semana e os períodos em que os professores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) entram em greve. Tem vez que vai também em dias úteis, quando precisa se consultar com um dentista ou outro médico de confiança. Aos domingos, assiste ao futebol com o pai e não perde o almoço na casa dos avós maternos.

Assim que se desobriga de ficar na capital — geralmente, às sextas-feiras —, o estudante arruma a mala — leva as roupas sujas para a mãe lavar —, paga os R$ 18 da passagem de ônibus e percorre 84 quilômetros, a maior parte deles nas BRs 381 e 262. Pode ser que aceite caronas oferecidas em grupos no Facebook, que são mais baratas (R$ 15) e chegam mais rapidamente ao destino. “Mas nem sempre há gente saindo em bom horário. E tenho preguiça de depender da boa vontade do cara de não se atrasar”, constata.

O trajeto demora cerca de uma hora e 15 minutos. Douglas nunca foi assaltado no ônibus nem se envolveu em acidente. Mesmo assim, não escapa a outros típicos infortúnios. “Não é fácil, não. Tem muito ônibus desconfortável, alguns param em qualquer lugar para apanhar passageiro e a viagem acaba se alongando demais”, conta. “E tem muito passageiro chato. Nisso, o ônibus de Viçosa é campeão”.

Imprevistos

Pelo menos uma vez ao mês, Douglas vai a Viçosa, a 227 quilômetros da capital, na Zona da Mata. “Procuro ir quando ela não pode vir a BH”, diz. “Ela” é Bruna, sua namorada. Para encontrá-la, ele paga R$ 55 pela passagem e balança por mais de cinco horas em estradas arriscadas — uma delas a BR-040, na qual 54 pessoas morreram e 260 ficaram gravemente feridas entre janeiro e junho deste ano. Vez por outra, Douglas vê acidente pela janela. “Tem muita curva, muito caminhão. É comum barranco desabar, às vezes toma parte da pista”, descreve. Esses e outros imprevistos atrasam a chegada ao destino. “Teve um dia em que gastei cinco horas e 50 minutos até aqui (BH). O ônibus quebrou e ficou parado um tempão”, recorda.

E os companheiros de viagem? “No (ônibus) de Viçosa, sempre tem criança chorando alto, gente que atende o celular gritando, que ouve música sem fone (de ouvido). Isso é de dia, de noite, de madrugada”, lamenta. Para passar o tempo, Douglas gosta de ler. “Isso quando o ônibus deixa. Às vezes, balança tanto que não dá. Fico vendo a paisagem. Não sou muito de puxar conversa. Raramente consigo dormir. É cansativo demais, mas eu vou perdido no meio de pensamentos”.

Se o estudante pudesse, usaria o teletransporte para ir de uma cidade a outra. “Não aguento viajar mais, não. Só fico na estrada, de um lado para o outro”. Apesar da queixa, Douglas diz que aprende algo nessa rotina ambulante. “O bom é que você vê todo tipo de coisa, de gente. Você vê o comportamento das pessoas no ônibus, na rodoviária. Há muitos tipos peculiares, que você não está habituado a ver. Você ganha uma experiência de vida”.


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