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Estado de Minas CORAÇÕES DILACERADOS

Metade dos acidentes com mortes registrados em BH recentemente teve envolvimento de jovens

Idade das vítimas é entre 18 e 29 anos. Duas mães e um pai contam ao EM o drama vivido com as perdas


postado em 19/09/2012 06:00 / atualizado em 19/09/2012 06:43

"Não consigo rezar, meu coração parece que não existe mais", Ana Cristina Franco Pimentel Mãe de Fábio Pimentel Fraiha (foto: GLADYSTON RODRIGUES/EM/D.A PRESS)
Os olhos grandes e verdes estão vermelhos e mergulhados na dor. As lágrimas chegam de repente, interrompem as palavras e trazem à tona todas as lembranças de uma vida. Desde a madrugada de sábado, quando soube do acidente que matou o seu filho Fábio Pimentel Fraiha, de 20 anos, no Trevo do Belvedere, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, a designer Ana Cristina Franco Pimentel tem a certeza absoluta de que o seu mundo se esfacelou. “Não consigo rezar, meu coração parece que não existe mais. Não sinto nada, a impressão é de que estou anestesiada”, conta Ana Cristina, que, na tarde de ontem, foi a uma gráfica cuidar do santinho a ser distribuído na missa de sétimo dia. “Tem horas que vem um aperto no coração, é a dor do sempre”, revela a mãe, enquanto vê, na tela do computador, uma das últimas imagens do jovem de sorriso feliz.

Nestes primeiros dias, Ana Cristina busca refúgio na casa da mãe, Matilde Franco, no Centro Histórico de Santa Luzia, na Região Metropolitana de BH. “Não vou suportar voltar para o apartamento no Bairro Santa Efigênia, na capital, onde morava com o Fábio. Não é por ser meu filho, mas ele era uma pessoa carinhosa, bem-humorada, amigo de todos os momentos, muito querido. Já estava virando um homenzinho”, recorda-se Ana Cristina, mãe também de Marcela, de 17, que mora com o pai, o empresário Júlio César Fraiha. Exatamente no dia da missa de sétimo dia, a ser celebrada, na sexta-feira, às 18h45, na capela do Colégio Arnaldo, será lembrado um ano da morte do pai de Ana Cristina. “São situações diferentes. Sofri com a perda do meu pai, mas ficar sem um filho é elevar essa dor à milésima potência.”

Se os pais que perdem os filhos em acidentes de trânsito são o retrato sem retoques da dor, os jovens que partem engrossam, a cada dia, as trágicas estatísticas. Conforme dados da BHTrans, Detran-MG e secretarias estadual e municipal de Saúde, de julho a setembro de 2011, em BH, 49% dos mortos e feridos graves nas ruas e avenidas tinham entre 18 e 29 anos. Em segundo lugar, 20% na faixa etária de 30 a 39, e, em terceiro, 13% com idade de 40 a 49 anos. “A gente não pode prender os filhos em casa, eles têm que sair, trabalhar e se divertir, mas precisa acabar esta impunidade. Fábio foi assassinado no trânsito. O pior de tudo é que o responsável não apenas matou meu filho: destruiu nossa família A vida, de repente, se torna um lixo, pois até o carro dele foi saqueado depois do acidente.”

Despedida


A morte do rapaz chegou às 4h, quando o estudante de odontologia Michael Donizete Lourenço, de 22 anos, dirigia um Land Rover e atingiu em cheio o Focus de Fábio, que perdeu a vida na hora. Segundo a Polícia Militar, Michael apresentava sinais de embriaguez e se recusou a fazer o teste do bafômetro, alegando não confiar no aparelho. Autuado por homicídio com dolo eventual, quando se assume o risco, foi preso em flagrante sem direito a fiança. Por ironia do destino, o fato ocorreu em plena Semana Nacional de Trânsito.

Na mesa da sala de jantar, estão fotos de várias fases da vida do aluno de administração, que foi nadador e lutou judô no Minas Tênis Clube; era fluente em inglês, estudava francês e tinha uma legião de amigos. “Na sexta-feira, antes de sair de casa, ele me chamou de mamãezinha, me abraçou de forma diferente e me beijou. Era como se fosse uma despedida”, conta Ana Cristina com os olhos baixos. “Não sei como vou viver sem ele. A Marcela tem sido o apoio meu e do Júlio César e vem demonstrando muita força”, afirma Ana Cristina. O maior consolo, nesses dias de tristeza absoluta, está no abraço carinhoso dos familiares e nas mensagens deixadas nas redes sociais por conhecidos ou gente que Ana Cristina nunca viu. “Isso dá um conforto, pois, no momento em que soube do acidente, o chão se abriu. Não desejo esta situação para ninguém, é algo realmente difícil de compreender.” E agora? “Só dizer que tenho muito orgulho de ter sido mãe do Fábio. Vou ter que reaprender a viver, começar do zero. Um filho é um divisor de águas na vida da gente: é antes e depois deles”, acredita.

Estado de choque permanente

Passados pouco mais de três meses da morte da filha Caroline Palmer Irffi, de 23 anos, estudante de medicina, nessa terça-feira foi a primeira vez que a psicóloga Márcia Palmer Irffi teve coragem de sair de casa e dar um passeio. Na companhia da mãe, de 82 anos, e de um dos dois filhos, ela foi a um shopping da Região Leste de BH. “Até hoje estou em estado de choque, acordo chorando no meio da noite, tenho que tomar remédios para pegar no sono”, diz Márcia, que se vê, a todo momento, com um buraco no peito. “Não consegui ainda nem voltar a trabalhar, é uma situação inimaginável”, conta a psicóloga, certa de que enterrar um filho é algo terrível. “Perder os pais é perder o passado, mas quando se trata de um filho é perder o futuro.”

Caroline e o namorado Lucas de Oliveira Magalhães, de 22, com quem estava namorando havia nove anos, morreram em 6 de junho, véspera do feriado de Corpus Christi, quando uma carreta de bobinas, dirigida por Jadson Santos Alves, de 26 anos, desceu desgovernada a Avenida Nossa Senhora do Carmo, na Região Centro-Sul da capital e esmagou, em primeiro lugar, o carro em que os jovens estavam. “Todos os dias passo ali, com meu marido, para levar nosso filho à escola. E todos os dias vejo aquele local. A cada momento em que leio no jornal sobre a morte de um jovem no trânsito, parece que a minha filha morre de novo. E eu lamento profundamente”, conta Márcia, que, como ajuda, passou a participar de um grupo de pessoas que sofreram perdas irreparáveis. “Temos pela situação dos outros pais. A vida sem um filho não é mais a mesma.”

Assim como Ana Cristina, Márcia diz que a melhor lembrança é sentir orgulho por ter sido mãe de Caroline. “Foi um privilégio, os filhos são a joia da minha vida”, diz com os olhos calmos, embora transbordando de saudade. Da mesma, forma, também acha que a filha e o genro foram assassinados. “Somos todos vítimas em potencial do trânsito. As autoridades que cuidam do setor devem pôr a mão na consciência e pensar em todos os pais. Onde está a irresponsabilidade dos órgãos competentes? São vidas de jovens sendo ceifadas”, diz Márcia.

Mais lágrimas

Na noite de sábado, foi a vez do estudante de administração Thiago Rocha Lage, de 19 anos, morrer preso às ferragens do Honda Fit que dirigia. O carro chocou contra uma árvore da BR-356, na altura da Curva do Ponteio, pista sentido Savassi. E, desde então, o pai dele, Rafael Antunes Lage, chef de cozinha, não encontra explicações. “A gente espera que irá antes dos filhos, mas o contrário é muito triste. Parece que o nosso coração é arrancado, não acredita no que está acontecendo. Se alguém quiser ficar louco, basta passar por uma situação dessas”, diz Rafael, lembrando que o filho era coordenador de crisma na sua paróquia. “Era uma pessoa muito estimada, e no seu velório passaram mais de 1 mil pessoas”, afirma. Para suportar tanta dor, Thiago diz que a fé em Cristo é a única saída.


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