Em 1940, quando o IBGE realizou seu primeiro censo, Ouro Preto tinha 27.890 habitantes. Nos levantamentos seguintes, a população foi crescendo até os 70.281 habitantes encontrados em 2010. Quando esteve na cidade, em 1851, o alemão Hermann Burmeister contou menos de “8 mil almas”. Ele percebeu que “as casas não se enfileiram em ruas compridas, formam antes pequenos núcleos”, agrupados “em redor dos vários templos”.
O crescimento da população fez com que a maioria dos núcleos se tocasse, além de fazer surgir novos bairros. Alguns deles, com edifícios de apartamentos e outras construções modernas, não lembram em nada o cenário protegido pelo Iphan. Nesses lugares, é comum que moradores se refiram à área central como “Ouro Preto”, como se fosse uma cidade à parte. Na Bauxita, há gente que quase nunca se desloca até as cercanias da Praça Tiradentes, a 2 quilômetros de distância.
Sônia e Maria das Mercês não entraram em quase nenhum dos museus e igrejas da área tombada, mas não é preciso sair da Praça Tiradentes para encontrar ouro-pretanos que não conhecem museu algum. Adriana Antônio Evaristo e Maria Aparecida dos Anjos caminham por uma hora do Bairro Santa Cruz, onde moram, até o restaurante em que trabalham, a poucos metros da praça. “Nunca entramos em museu, acredita? Só fui a duas ou três igrejas, para ver a missa”, diz Adriana, de 32.
Em Ouro Preto, os restaurantes mais frequentados pelos moradores, em geral, não são os preferidos dos turistas. Alguns cafés e restaurantes, especialmente nas ruas Direita e São José, não sobreviveriam sem a presença de forasteiros. “Mais de 90% do nosso ganho sai de turistas. Eles vêm pra gastar mesmo, pra comer bem”, comenta o húngaro Peter Bosze, de 56, dono de um restaurante de comida italiana na Rua Direita. Ele celebra a chegada de julho, mês em que a cidade, que tem 170 pousadas e hotéis, recebe mais visitantes. “Ganhamos um quarto do faturamento nesse mês. Esperamos o ano inteiro para que ele chegue”, completa.
Peter mora há 26 anos na cidade, onde teve seis filhos. Veio para trabalhar na exploração de pedras preciosas e foi ficando. “Adoro o clima de montanha. Os mineiros são receptivos. Apesar de ser uma cidade pequena, temos contato com o mundo por meio dos turistas. Não estamos esquecidos”, observa. O cientista político Juan Pablo Paes, a artista plástica Mara Paz e os três filhos saíram da Argentina para visitar Ouro Preto. “Estamos gostando muito. Os prédios são muito bonitos, bem conservados”, elogia Juan.
Normalmente, a cidade se enche de turistas entre quinta e sexta-feira e despede-se deles no domingo. Na segunda-feira, o núcleo histórico continua movimentado, mas por moradores. Na cidade, que tem 83% de católicos, segundo o Censo 2010 do IBGE, as igrejas ajudam a ditar a cadência do dia a dia. No século 19, Hermann Burmeister contou 10 igrejas “grandes e de belas torres”, conforme escreveu. É provável que sejam a mesmas dez tombadas pelo Iphan. As duas matrizes são a de Nossa Senhora da Conceição, a leste da Praça Tiradentes, e a de Nossa Senhora do Pilar, a oeste.
No primeiro domingo deste mês, o padre Marcelo Moreira, de 47, celebrou um casamento e três missas. “É um cansaço confortador. Vivenciar com o povo a fé compartilhada é realizar o que gosto, a missão que Deus me confiou”, disse à noite, na sacristia da Igreja do Pilar. Aos domingos, a sonolenta Ouro Preto é despertada pelos sinos das igrejas. Na de Nossa Senhora do Carmo, eles tocam às 7h30, chamando os fiéis para a missa das 8h30. Em ritmo acelerado, os badalos duram cerca de dez minutos. Todos os dias, o sacristão Jovelino Teodoro da Silva, de 70 anos, sobe os 74 degraus de uma das torres para tocar três sinos.
Para que a tradição não se perca, Jovelino tem alguns aprendizes. “Primeiro, você tem que ouvir bem para depois ir pegando o toque. Tem que ter cuidado, o sino é muito pesado”, alerta. Ele exerce o ofício desde os 7 anos, sem remuneração. Para atrair os garotos, porém, é preciso pagar “uma gratificação”, diz o professor: “Para incentivá-los, a gente dá 10 ‘paus’”. Jovelino lamenta que os jovens não prezem tanto as tradições religiosas. “São eles que dão vida e alegram Ouro Preto”.
História
No final do século 17, o bandeirante paulista Antonio Dias divulgou as primeiras notícias da descoberta de ouro na região que veio a compor o estado de Minas Gerais. Nos últimos anos daquele século, Dias e o padre João de Farias — que viraram nomes de bairros em Ouro Preto — fundaram os primeiros povoados no território elevado a vila em 1711, a Vila Rica. Em 1823, ao ser promovida para cidade, passou a se chamar Ouro Preto. Depois da vizinha Mariana, foi a segunda capital mineira até ser substituída, em 1897, por Belo Horizonte. Em 1980, virou Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco.