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Estado de Minas

Casas abandonadas representam risco à segurança e ao patrimônio

Pelo menos 5% dos imóveis tombados de BH estão em péssimas condições de conservação e podem ser usados como abrigos de viciados e criminosos


postado em 01/06/2012 06:00 / atualizado em 01/06/2012 06:42

Casarão da Rua Santa Catarina, em Lourdes, uma das áreas mais nobres da capital, é um dos maus exemplos de conservação(foto: Jair Amaral/Em/D.A Press)
Casarão da Rua Santa Catarina, em Lourdes, uma das áreas mais nobres da capital, é um dos maus exemplos de conservação (foto: Jair Amaral/Em/D.A Press)

O problema dos imóveis abandonados em Belo Horizonte – muitos invadidos por moradores de rua, usuários de drogas e suspeitos de cometer crimes, segundo a polícia – se estende às moradias tombadas pelo Conselho do Patrimônio Municipal de BH. De acordo com a diretora do patrimônio, Michele Arroyo, a capital tem 700 bens tombados, entre casas, prédios, praças e viadutos, e cerca de 5% dos imóveis protegidos por lei estão em péssimo estado de conservação, relegados pelos proprietários.

A punição para quem abandona imóveis tombados até que eles caiam existe, mas segundo a representante do patrimônio cultural, não tem sido aplicada, o que pode funcionar como incentivo para que mais e mais pessoas deixem de cuidar dos bens tombados. Mas Michele alerta que a PBH está agindo para garantir a preservação desses imóveis. “Os donos estão sendo notificados e há ações judiciais movidas pelo Ministério Público, com acompanhamento da prefeitura, por meio da Diretoria de Patrimônio Cultural”, disse.

Um dos exemplos de descaso com bens tombados da capital é a casa no nº 450 da Rua Santa Catarina, no Bairro Lourdes, Região Centro-Sul, tombada em maio do ano passado. O mato tomou conta do jardim e constantemente a residência é invadida por moradores de rua, de acordo com denúncia dos vizinhos. O antigo dono doou o imóvel para um motorista, o que desagradou às filhas do doador, que recorreram à Justiça. “A casa foi tombada quando não tinha mais uso e vamos ver com o senhor que a herdou como vamos restaurá-la”, disse Michele Arroyo.

O imóvel, em estilo neocolonial, começou a ser construído em 1937 e desde que foi abandonado se tornou alvo de vândalos. “Já foi arrombada diversas vezes e levaram toda a fiação elétrica. Dá até dó uma casa dessas abandonadas. Roubaram o portão de ferro, o vaso sanitário, a pia, tudo de antigo que tinha lá dentro”, lamenta Ernane Martins, de 27 anos, gerente de uma clínica odontológica ao lado do casarão. O cabeleireiro Nazário Celso Gonzaga, de 40, confirma a ação dos moradores de rua. “Deve ter uns oito anos de abandono. Invasores sempre estouram o cadeado e invadem a casa”, lamenta.

Ainda em Lourdes, na Rua da Bahia 2.411 e 2.425, em frente ao Minas Tênis Clube, duas casas, uma ao lado do outra, retratam os dois extremos da situação. Uma está bem cuidada e a outra está em péssimas condições de conservação. Segundo Michele Arroyo, ambas pertencem a uma família que hoje mora em Brasília e que se esforçou para demolir a casa do nº 2.411. A ideia era construir um prédio no local, mas a PBH não autorizou a demolição. “O Conselho do Patrimônio achou que um edifício iria sufocar a outra casa e impediu a demolição, tombando a casa menor, que os donos queriam derrubar”, disse a gerente do patrimônio.

Rachaduras

O imóvel foi tombado em 2006 e hoje apresenta rachaduras na fachada. A família nunca se interessou pela restauração da casa, na expectativa de que ela seja demolida um dia. A rachadura não oferece risco ao ponto de não ter mais restauração”, disse Michele. A casa foi projetada em 1923 pelo italiano Octaviano Lapertosa, um dos fundadores da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais. Foi construída em estrutura autoportante de tijolo maciço, tem pavimento único e um porão. Já o imóvel do número 2.425, em boas condições de conservação, é um importante referencial da memória histórica, arquitetônica e cultural de BH. Foi tombado em 2003.

Seu projeto é do arquiteto Luiz Signorelli, o mesmo que planejou o prédio da Secretaria de Estado de Turismo da Praça Rio Branco (da rodoviária), o Automóvel Clube e a Academia Mineira de Letras, na Rua da Bahia, 1.466. “O imóvel encontra-se numa região da cidade que, desde o início de sua ocupação – segunda década do século XX – foi ocupada por famílias de maior poder aquisitivo, atraídas pela notoriedade de se morar nas proximidades da Praça da Liberdade”, diz o relatório do tombamento.

Segundo Michele Arroyo, donos de imóveis tombados podem ter um retorno bastante significativo. “São isentos de IPTU, podem usar a transferência do direito de construir e o imóvel pode ser adotado para ser preservado, por meio do Programa Adote um Bem Cultural. Também podem entrar nas leis de incentivo à cultura federal, estadual e municipal, para obtenção de recursos para restauração”, disse a gerente do patrimônio.


Falta de normas e de hábito

Presidente da Câmara da Indústria da Construção da Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), o empresário Teodomiro Diniz Camargos diz que a falta de uma norma que impeça os donos de imóveis tombados de abandonarem essas propriedades até que elas caiam é uma das razões para o problema que Belo Horizonte enfrenta com moradias abandonadas.

“Há quem considere prejudicial o tombamento do imóvel e, por esse motivo, espera que a construção caia para que ele possa vender o terreno e ter lucro. Mas temos imóveis tombados que têm um terreno grande, o que viabiliza a edificação nos fundos. Há também casos de imóveis que incorporam a edificação antiga à nova, sem descaracterizá-la. Em resumo, o tombamento em si nem sempre prejudica o proprietário”, diz.

Para Teodomiro, a tendência de qualquer cidade é recuperar seu patrimônio arquitetônico e mantê-lo, mas, para isso, deve haver uma política pública cara. “Somos ainda um país novo e não estamos habituados com a preservação do patrimônio. Em  cidades da Europa, por exemplo, eles já sabem conviver com o patrimônio. Vamos ter que constituir esse hábito pouco a pouco”, disse o empresário, para quem, uma norma clara de incentivo à preservação tem de definir a obrigação do proprietário na manutenção do imóvel em boas condições, mas também tem de oferecer incentivos para que isso ocorra.


ANÁLISE DA NOTÍCIA

Descaso com a história
A situação dos imóveis tombados e abandonados na capital, transformados em abrigo de viciados, moradores de ruas e assaltantes, é mais uma demonstração de como Belo Horizonte despreza seu passado. Basta percorrer a cidade para encontrar exemplos desse desrespeito. Monumentos abandonados, à mercê dos pichadores, prédios históricos fechados, caindo aos pedaços, a história sendo destruída, sem que surja uma solução. O jogo de empurra entre o poder público e os donos desse patrimônio, com cada um atribuindo ao outro a responsabilidade por essa situação, precisa acabar. Só assim a memória dessa cidade será preservada. (Álvaro Fraga)


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