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Estado de Minas

Novos pontos de Crack ainda têm como referência a favela

Albergue na Floresta também atrai usuários


postado em 02/04/2012 07:42 / atualizado em 02/04/2012 07:50

Usuários usam gramado ao lado do Viaduto República do Congo, com a Pedreira ao fundo, para fumar(foto: TULIO SANTOS/EM/DA PRESS)
Usuários usam gramado ao lado do Viaduto República do Congo, com a Pedreira ao fundo, para fumar (foto: TULIO SANTOS/EM/DA PRESS)
O caminho das pedras do crack em BH não é mais único, mas as novas rotas partem sempre da favela Pedreira Prado Lopes, lugar de distribuição, até chegar ao ponto mais distante, alcançando o novo endereço do albergue municipal que, desde 2010, funciona na Rua Conselheiro Rocha, no Bairro Floresta. Apesar de o albergue formalmente não aceitar dependentes químicos, os flagrantes de uso do cachimbo podem ser vistos do mesmo lado do passeio, a poucos metros da entrada do imóvel. “O vício começa na desavença familiar. O conflito leva ao desespero. Fumo crack para esquecer os problemas”, desabafa o administrador de empresas Jorge (*), de 44 anos, que não sabe mais dizer o dia e o mês do ano em que está. Ele divide a calçada com o atual colega, o capixaba Carlos (*), de 22, que traz o nome da mãe, Ana, tatuado nos dois braços. No Espírito Santo, chegou a ficar preso durante quatro anos como traficante.

“Morro de saudades da minha família” é a frase pichada na mureta de proteção da Avenida dos Andradas, pouco antes do albergue, no espaço ocupado por corredores da pista de cooper do bairro e também por usuários de crack. Neste caso, o uso do verbo morrer pode não ser uma simples coincidência. Com o crack, o processo de degradação do viciado é acelerado. “A perda dos vínculos sociais é total e os usuários tendem a fugir do controle da família e a buscar uma nova acolhida entre outros fumadores de crack. Isso traz uma falsa sensação de conforto”, explica o psiquiatra Aloísio Andrade.

Clique no mapa para ampliar(foto: Clique para ampliar)
Clique no mapa para ampliar (foto: Clique para ampliar)
Outro ponto estratégico de viciados é a ampla marquise de concreto do Restaurante Popular I, o primeiro do gênero no país, que oferece refeições a R$ 2 no almoço e no jantar. Localizado na Avenida do Contorno, na altura da estação de metrô Lagoinha, o ponto dá acesso fácil à Pedreira. Em plena tarde de terça-feira, grupos trabalhadores que almoçam no restaurante popular são abordados pelos usuários de droga, que pedem dinheiro para sustentar o vício (a pedra custa em média R$ 10) ou mesmo para comprar comida, pois o consumo do crack provoca muita fome e perda drástica de peso.

Depressão À primeira vista, a vítima da pedra pode ser confundida com um morador de rua ou com um mendigo, para quem não é especialista da área. Desligados dos valores do mundo, moram na rua, deixam crescer a barba e andam em turma, encurvados sobre o próprio corpo. Procuram restos de uma pedra imaginária capaz de proporcionar os mesmos nove segundos de êxtase alcançados da primeira vez. “Eles nunca conseguem igualar à sensação da primeira vez e consomem cada vez mais pedras para tentar atingir a mesma euforia. Depois de segundos de prazer, vem a fissura e uma depressão terrível, que faz o dependente ficar louco atrás de outra pedra”, explica Geraldo Magno, coordenador da comunidade terapêutica Fazenda de Caná, em Ribeirão das Neves. “Ficam procurando no chão, na grama, no lixo qualquer migalha que se pareça com o crack. Não enxergam mais nada pela frente”, acrescenta.

Os viciados em crack se diferenciam da população de rua pelo detalhe dos cachimbos de alumínio feitos para queimar a pedra, que pode ser menor que um piruá de pipoca. Por onde andam, deixam um rastro de garrafas de refrigerante do tipo caçulinha, cortadas ao meio. Os recipientes, improvisados com metade das garrafas de refrigerante do tipo caçulinha e as latinhas de alumínio amassadas servem para aproveitar a resina, o que sobra da pedra de crack depois da queima. “O efeito da resina é até mais forte. Já o oxi não fez nenhum efeito não. Já experimentei, mas não fez efeito”, afirma um usuário natural de Brasília (DF), que se instalou numa marquise da Rua Itapecerica, fugindo do assédio da polícia na Rua Araribá. Debaixo de temporal, na quarta-feira passada, vestia apenas calção, sem camisa e tinha cabelos e barba por fazer há vários dias.

Secretário: epidemia é nacional

“Não somente pelos números, mas pelo incômodo social e pelo impacto provocado nas estruturas de saúde e de segurança, temos hoje uma epidemia de crack em todo o Brasil”, declara Cloves Benevides, subsecretário de Estado de Políticas Antidrogas, que assumiu este mês a coordenação-geral do Fórum Brasileiro de Gestores de Políticas sobre Drogas. Amanhã, Benevides entrega em Brasília o plano de enfrentamento ao crack de Minas. De concreto, foram pedidos três novos Centros de Referência em Álcool e Drogas, em três regiões do estado, que vão capacitar educadores, policiais e lideranças religiosas, além de qualificar as intervenções que já existem em funcionamento.

Apesar de não adiantar cifras, o subsecretário diz que Minas está dentro dos prazos e, portanto, o estado estaria apto a receber o repasse do plano federal contra o crack, lançado em dezembro, que previa distribuir R$ 2 bilhões até 2014 a estados e municípios que apresentassem propostas para ações antidrogas. Das verbas liberadas até agora, Pernambuco recebeu R$ 85 milhões e Alagoas, R$ 36 milhões.

A Prefeitura de Belo Horizonte diz não ter dados sobre a quantidade de usuários de crack nas ruas. Na avaliação do município, o número está caindo. “Nossa percepção é que estamos conseguindo diminuir o número de usuários. O trabalho é proteger a vida dessas pessoas, para que possam usar a droga de forma segura até que sejam convencidas a sair das ruas”, defende Rosimeire Silva, coordenadora de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde. Ela destaca os consultórios de rua, que têm trabalho de abordagem direta com os usuários. Em menos de um ano, a equipe do consultório de rua da Pedreira Prado Lopes passou a acompanhar 73 casos e já encaminhou 82 usuários para tratamento. Já a equipe do consultório da Centro-Sul acompanha 50 casos e fez 124 encaminhamentos.

A presidente do Conselho Municipal de Políticas sobre Drogas, Márcia Cristina Alves, reconhece as dificuldades do trabalho. “A política é intersetorial e ainda está em construção. Além disso, a adesão ao tratamento é baixíssima”, diz. (SK e VL)

PM detém quatro usuários por dia

Nas imediações da Pedreira Prado Lopes foram instaladas 12 câmeras de vigilância eletrônica e o número de homicídios caiu de 60 em 2003 para apenas um, registrado este ano. “A polícia está fazendo a sua parte, mas onde estão as clínicas de recuperação para dependentes químicos? As poucas vagas que existiam nós já preenchemos”, diz o tenente-coronel Idzel Fagundes, comandante do 34º Batalhão de Polícia Militar. Segundo ele, outra dificuldade é que a PM faz quatro detenções por dia, em média, de usuários de crack no entorno da Pedreira, mas nenhum deles fica preso. “Como usuários de droga, não podem ficar presos. Eles teriam de ser conduzidos para clínicas de recuperação e tratamento”, afirma o policial. Segundo ele, ao perceber a aproximação da viatura os usuários engolem as pedras de crack ou descartam os cachimbos nos bueiros, evitando ser enquadrados como traficantes.


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