A discussão sobre a adultização e a superexposição de crianças e adolescentes voltou ao centro do debate público no Brasil. Professores da Newton Paiva, o advogado Hugo Bretas, do curso de direito, e a psicóloga Riviane Borghesi Bravo, do curso de psicologia, apontam que o fenômeno, potencializado pelo ambiente digital, combina danos emocionais e riscos jurídicos concretos para famílias e plataformas.

“Estamos revisitando temas nucleares da convivência parental: o que significa exercer paternidade e maternidade responsáveis na era das redes, quais limites colocar e como proteger sujeitos em desenvolvimento”, afirma Hugo.

Ele lembra que o ordenamento já oferece pilares claros: o Código Civil (Lei 10.406/2002), o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA (Lei 8.069/1990) e a Constituição Federal (art. 227), que impõem prioridade absoluta à proteção de crianças e adolescentes.

“Adultização, em termos jurídicos, é retirar a blindagem especial que a lei lhes confere. É tratar criança como adulta, antecipando papéis e responsabilidades — algo incompatível com sua condição de vulnerabilidade.”

Do ponto de vista psicológico, Riviane contextualiza que a própria noção de infância é recente na história. “A infância só passou a ser reconhecida como fase com direitos e necessidades específicas a partir dos séculos 19 e 20. Hoje, a superexposição digital reabre feridas antigas: pressão estética, busca por validação e performance precoce”, diz.

Segundo ela, os efeitos vão de baixa autoestima, ansiedade e depressão a comprometimento da identidade quando a criança passa a encarnar “personagens” criados por adultos. “O lobo pré-frontal, responsável por planejamento e controle de impulsos, só amadurece por volta dos 25 anos. Exigir decisões e posturas adultas de quem não possui base neuropsicológica madura é um atalho para sofrimento.”


Responsabilidades legais no ambiente digital

Hugo reforça que a rede social não pode e não deve ser considerada uma terra sem lei. “Pais e responsáveis são representantes legais e têm deveres objetivos previstos no art. 1.634 do Código Civil (direção da criação e educação) e responsabilidade civil pelos atos dos filhos menores (art. 932, I, do CC). Conteúdos publicados, legendas e recorrência de aparições públicas formam lastro probatório: postagens podem ser usadas em processos e influenciar decisões judiciais”, explica.

Ele ressalta que a emancipação (prevista no art. 5º do CC) não equivale a maturidade e não suprime a proteção devida quando persistem vulnerabilidades fáticas. “Precisamos de letramento digital para pais e políticas que enfrentem a monetização precoce da infância. O objetivo de um pai não é entregar números de seguidores e métricas de engajamento, mas sim zelar pela saúde mental e integridade dos filhos.”

Danos emocionais e sociais


Riviane lista riscos frequentes da superexposição:


- Impactos emocionais: ideal de perfeição e “vida editada” alimentam comparação tóxica e sintomas ansiosos/depressivos

- Vulnerabilidade social: abertura de janelas de contato com desconhecidos amplia risco de abusos

- Identidade comprometida: quando a criança vira “produto”, a espontaneidade cede lugar ao personagem

- Prejuízo ao desenvolvimento: demandas fora do tempo podem atrasar competências socioemocionais essenciais

“Criança não tem autonomia plena para gerir exposição. Pais e responsáveis devem mediar, limitar, explicar e construir regras claras, inclusive de tempo de tela e de conteúdo”, reforça a psicóloga.

Recomendações dos especialistas

Para famílias:

- Definam critérios de exposição (o quê, quando, para quem e por quê)

- Evitem monetizar a imagem infantil e a lógica de likes como recompensa

- Criem acordos parentais sobre redes (horários, plataformas, privacidade)

- Busquem aconselhamento psicológico diante de sinais de sofrimento (ansiedade, retraimento, irritabilidade)

Para escolas e plataformas:

- Educação midiática e letramento digital contínuos para estudantes e famílias

- Mecanismos de verificação etária, contas supervisionadas e moderação proativa

Para o poder público:

- Regulamentações específicas para trabalho infantil artístico/digital e uso comercial de imagem

- Campanhas permanentes sobre riscos da superexposição e canais de denúncia acessíveis

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