Desde a mudança do calendário nacional de vacinação, em 1º de julho, que passou a incluir a vacina meningocócica ACWY para crianças de 12 meses, os pais podem ficar mais tranquilos no que se refere à prevenção da meningite no Brasil, já que agora a cobertura vacinal foi ampliada, não se limitando apenas ao tipo C. Agora, a vacina protege contra quatro sorogrupos da bactéria Neisseria meningitidis (A, C, W e Y) e passa substituir a dose de reforço da vacina meningocócica C, que é aplicada aos 3 e aos 5 meses do bebê. Até então, a versão mais completa da vacina, a ACWY, era oferecida pelo Sistema Único de Saúde (SUS) apenas para adolescentes entre 11 e 14 anos. Para as crianças pequenas, a imunização disponível abrangia apenas o sorogrupo C, historicamente o mais prevalente no país.
Segundo a pediatra Flávia Bravo, diretora da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), a principal diferença entre a vacina C e a ACWY está justamente na abrangência dos sorogrupos cobertos. “A tecnologia das duas é a mesma, mas a ACWY oferece proteção contra mais três sorogrupos que podem causar doença invasiva grave”, explica. A vacina ACWY é inativada, o que significa que não é capaz de causar a doença. Ela é composta por fragmentos das cápsulas bacterianas dos sorogrupos A, C, W e Y, ligados a uma proteína que ajuda a gerar uma resposta imunológica mais eficiente.
O sorogrupo C continua sendo o mais comum no Brasil, mas o acréscimo dos outros grupos é importante, já que todos podem provocar uma forma de meningite altamente letal e com potencial para deixar sequelas severas. “O sorogrupo W, por exemplo, tem chamado atenção porque tivemos um aumento de casos no Sul do país e em outros países da América Latina”, observa Bravo. “Esses surtos podem surgir de forma inesperada e, quando vacinamos a população contra diferentes sorogrupos, prevenimos futuras mudanças no cenário epidemiológico.”
PREOCUPAÇÃO
Em relação à segurança da vacina ACWY, a especialista afirma que o perfil de reações adversas é semelhante ao da vacina contra o sorogrupo C. “Pode causar dor local, vermelhidão, inchaço – o que é esperado com qualquer imunizante. As vacinas conjugadas são um pouco mais reatogênicas, mas nada preocupante. A única contraindicação são casos de alergia a componentes da vacina ou a doses anteriores”, pontua a especialista da Sbim.
Segundo dados do painel de meningite do Ministério da Saúde, em 2025 foram registrados 4.406 casos da doença no Brasil. Desse total, 1.731 foram causados por bactérias (361 deles por meningococos), 1.584 por vírus e 1.091 por outras causas ou de origem não identificada. Em 2024, o país contabilizou 13.831 casos de meningite, sendo 5.558 bacterianos, dos quais 820 foram atribuídos a meningococos. Já em 2023, foram confirmados 16.464 casos, incluindo 5.435 de origem bacteriana, com 730 infecções causadas por meningococos.
De acordo com Flávia Bravo, a queda nos casos da doença no Brasil está diretamente relacionada à vacinação, especialmente contra o sorogrupo C. “Aqui, as principais vítimas são crianças. Quando introduzimos a vacina contra a meningo C, vimos uma queda brutal nos casos, porque protegemos justamente o grupo mais atingido”, relata. Com o tempo, no entanto, esse sucesso acabou mudando o perfil da doença. Como as crianças passaram a estar protegidas contra o tipo C, outros sorogrupos (como o B) começaram a se tornar proporcionalmente mais prevalentes. “Em termos absolutos, não houve aumento. Mas, como a vacina contra o B não está disponível no SUS para todas as crianças, ele tem sido mais comum entre os pequenos atualmente”, conta.
A meningite é uma inflamação das meninges, membranas que revestem o cérebro. Os sintomas mais comuns são cefaleia intensa, vômitos, febre alta e rigidez de nuca. “Aquela manifestação cutânea de petéquias [pequenos sangramentos na pele] é mais frequente com a meningite meningocócica. Quando aparece junto a esse outro quadro de sintomas, logo suspeitamos de meningite por meningococo e vamos começar a tratar imediatamente”, explica a diretora da Sbim.
A doença meningocócica é grave, de progressão rápida e alta letalidade. Quando não leva a óbito, pode deixar sequelas graves, como surdez, amputações e comprometimentos neurológicos. A vacinação é a medida mais eficaz de prevenção.
IDENTIFICAÇÃO COMPLEXA
A identificação do sorogrupo causador da meningite ainda é um desafio no Brasil. Fatores logísticos e estruturais dificultam o diagnóstico laboratorial preciso em todas as regiões, que dependem de laboratórios centrais especializados para identificar o agente corretamente. “Coletar material adequado, como liquor ou sangue, no tempo certo, e garantir que chegue com qualidade aos laboratórios centrais ainda é um obstáculo em várias partes do país”, diz Bravo. Além disso, iniciar o tratamento antibiótico antes da coleta, uma medida necessária dada a gravidade da doença, também pode prejudicar o diagnóstico. “A doença é extremamente agressiva, pode levar à morte em 24 horas. Quando há suspeita de meningite, o tratamento com antibiótico deve começar imediatamente, mesmo sem diagnóstico laboratorial definitivo. Ainda assim, com as amostras que conseguimos obter, é possível estabelecer um bom panorama da circulação dos sorogrupos e embasar políticas públicas”, afirma a pediatra.
“A doença é extremamente agressiva, pode levar à morte em 24 horas. Quando há suspeita, o tratamento com antibiótico deve começar imediatamente, mesmo sem diagnóstico laboratorial definitivo”
