As vacinas de DNA tendem a ser mais baratas e potencialmente mais eficientes do que as feitas com vírus inativado ou atenuado  -  (crédito: Divulgação)

As vacinas de DNA tendem a ser mais baratas e potencialmente mais eficientes do que as feitas com vírus inativado ou atenuado

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Agência FAPESP* –Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP

Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) de Pernambuco estão desenvolvendo uma vacina contra o vírus zika. Nos testes com camundongos a formulação se mostrou eficaz, induzindo a resposta imune contra o patógeno e protegendo os roedores da infecção. Os resultados foram divulgados na revista Frontiers in Immunology.

“Geralmente, quando se fala em vacina, pensamos na inoculação de vírus atenuado ou inativado. As vacinas de DNA são uma tecnologia mais avançada, que evoluiu ao longo dos últimos 30 anos e se tornou uma plataforma terapêutica poderosa. Nesse trabalho desenhamos quatro formulações de vacina de DNA que codificam parte do complexo proteico que recobre externamente o zika. E selecionamos a que se mostrou mais eficaz”, relata Maria Sato, professora da Faculdade de Medicina (FM) da USP e autora correspondente do artigo.

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Além de mais avançadas tecnologicamente, as vacinas de DNA tendem a ser mais baratas e potencialmente mais eficientes do que as feitas com vírus inativado ou atenuado. “É uma tecnologia de baixo custo e relativamente fácil de trabalhar, pois permite desenhar uma formulação vacinal a partir da escolha das partes mais importantes do vírus e adicionar substâncias [adjuvantes] que potencializem a resposta imune. No entanto, atingir uma imunogenicidade [resposta vacinal] robusta é um desafio para vacinas gênicas”, explica Franciane Teixeira, primeira autora do estudo, conduzido durante seu doutorado na FM-USP.

A pesquisa é apoiada pela FAPESP por meio de dois projetos (19/25119-7 e 18/18230-6). Também recebeu financiamento da Fundação de Amparo a Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (Facepe), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Fundação Oswaldo Cruz e do programa da União Europeia Horizon 2020.

Vacina de DNA

Com auxílio de técnicas de biologia molecular, os pesquisadores selecionaram trechos do genoma do vírus zika que codificam parte do complexo proteico que recobre externamente o vírus: a proteína pré-membrana (prM) e a proteína envelope (E). Além disso, eles fizeram a deleção de partes específicas do envelope viral.

Para que permanecesse estável, a sequência gênica selecionada foi inserida em uma estrutura denominada plasmídeo – uma molécula circular de DNA obtida de uma bactéria que não causa doença em humanos e que, nesse caso, funciona como uma fábrica de proteínas.

Quando a formulação vacinal é inoculada, a estrutura formada pelo plasmídeo (que corresponde à vacina de DNA em si) adentra o núcleo das células do organismo imunizado. Lá dentro é decifrado o código da sequência vacinal e passam a ser produzidas proteínas iguais às presentes na estrutura do zika. Isso faz com que as células de defesa desse mesmo organismo identifiquem as proteínas como se fossem o próprio vírus, passando então a produzir anticorpos que neutralizam o patógeno e a desencadear outros mecanismos que conferem proteção.

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“Vale ressaltar que, assim como as vacinas de mRNA [RNA mensageiro], como as da Pfizer e da Moderna contra a COVID-19, as vacinas de DNA não alteram o código genético dos imunizados, não criam uma nova espécie, nem causam doenças autoimunes. São tecnologias seguras, mas que sofreram com uma enxurrada de fake news e desinformação”, afirma Isabelle Viana, pesquisadora da Fiocruz Pernambuco e coorientadora de Teixeira.

“Somos resultado de bilhões de anos de evolução, com interações constantes com outros DNAs, como acontece quando somos infectados por um patógeno, por exemplo”, completa a pesquisadora.

Proteína envelope

Os pesquisadores escolheram como alvo vacinal as proteínas que recobrem a superfície do zika, com destaque para uma proteína chamada envelope – a principal indutora de anticorpos protetores (neutralizantes) contra a infecção. “Buscamos avaliar a modulação das regiões que compõem a proteína do envelope viral e, para isso, removemos as regiões dessa proteína que a retém na membrana celular, que são denominadas de porções stem e transmembrana”, explica Teixeira.

Segundo as autoras do estudo, a abordagem facilitou a expressão melhorada dessas proteínas do zika pelo organismo após a imunização, levando ao aumento da produção de anticorpos contra o vírus.

A formulação denominada ZK_STP se mostrou muito mais imunogênica em comparação com as outras três desenhadas pelo grupo de pesquisadores. “Essa estratégia corresponde à remoção de toda a região de ancoramento à membrana celular da proteína do envelope do zika, mantendo expressas apenas suas porções extracelulares. O imunizante induziu alta resposta do sistema imune adaptativo em camundongos adultos, com altos níveis de anticorpos neutralizantes [resposta humoral] e a geração de linfócitos T e B [resposta celular]”, conta.

A incorporação de sais de hidróxido de alumínio como adjuvante levou a uma resposta neutralizante sustentada, protegendo os camundongos após eles serem expostos ao vírus. “Os resultados mostraram que o imunizante é eficiente e deve ter seu desenvolvimento continuado a partir de mais estudos translacionais”, afirma Teixeira.

Desafios

Apesar dos avanços científicos desde o último surto de zika nas Américas, ainda não existem tratamentos nem vacinas aprovados contra a doença. Além de questões econômicas, há uma particularidade do patógeno que torna o desenvolvimento de um imunizante mais desafiador: o zika é muito parecido com os quatro sorotipos da dengue.

“O risco é ocorrer o que chamamos de reação cruzada, ou seja, os anticorpos produzidos pela vacina contra o zika reconhecerem os vírus da dengue. Isso pode até parecer positivo no primeiro momento, mas, se não for bem trabalhado, pode oferecer algum risco”, diz Viana.

A pesquisadora explica que é comum que uma segunda infecção por dengue seja mais grave, pois o organismo já desenvolveu anticorpos contra aquele vírus.

“Caso esses anticorpos não sejam potentes o bastante para evitar uma segunda infecção por outro sorotipo de dengue, acontece um efeito contrário. Os anticorpos se ligam ao vírus e fazem com que a célula do hospedeiro englobe o patógeno com mais facilidade. Desse modo, o próprio corpo ajuda o vírus a infectar as células”, explica.

Viana comenta que estudos realizados por seu grupo já demonstraram que praticamente toda a população brasileira tem imunidade para pelo menos um sorotipo de dengue. “Portanto, há uma preocupação quando se formula uma vacina contra o zika: garantir que as pessoas que já tiveram dengue não vão passar por esse fenômeno. Nos testes que realizamos em camundongos, nossa formulação vacinal induziu a neutralização apenas do vírus da zika, o que é um ótimo sinal de que ela não identifica os sorotipos do vírus da dengue e, portanto, não induz reação cruzada”, afirma.

O artigo Enhanced immunogenicity and protective efficacy in mice following a Zika DNA vaccine designed by modulation of membrane-anchoring regions and its association to adjuvants pode ser lido em: https://www.frontiersin.org/journals/immunology/articles/10.3389/fimmu.2024.1307546/full