As deputadas federais Delegada Ione Barbosa (Avante) e Ana Pimentel (PT) relatam agressões frequentes -  (crédito: Cleia Viana e Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados)

As deputadas federais Delegada Ione Barbosa (Avante) e Ana Pimentel (PT) relatam agressões frequentes

crédito: Cleia Viana e Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

Brasília - Deputadas federais eleitas por Minas Gerais também estão sofrendo ameaças anônimas. As denúncias seguem aquelas feitas na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) nas últimas semanas. Mesmo sendo o primeiro e único estado a ter uma lei própria contra violência política de gênero, Minas tem testemunhado uma escalada de agressões contra mulheres parlamentares, deixando marcas não apenas na história, mas de terror sentido pelas deputadas eleitas pela população para serem suas representantes.

A bancada mineira na Câmara tem 53 parlamentares, sendo nove mulheres. O Estado de Minas conversou em Brasília com as deputadas Ana Pimentel (PT) e Delegada Ione Barbosa (Avante), ambas de Juiz de Fora, na Zona da Mata, que relataram ter sofrido ataques de gênero.

Segundo Ana Pimentel, que assim como Ione está em seu primeiro ano de mandato, a violência de gênero cada vez mais vem sendo usada com objetivos políticos. “Existem ameaças diretas que recebemos todos os dias – estupro e morte – que já são recorrentes. Mas também existem ameaças explícitas, por exemplo, quando fazemos uma fala pública na tribuna, é comum recebermos piadas, risadas e xingamentos”, conta.

“Alguns deputados homens se juntam para nos coagir, gritando enquanto estamos falando. E acho importante que a população saiba que nós, deputadas mulheres, somos vítimas diárias pelo nosso gênero. É importante lembrar que muitas vezes nossas características físicas são colocadas em debate público, falando sobre a roupa que usamos, sobre a forma como falamos e nos comportamos”, acrescenta.

Ione Barbosa, que antes de ser parlamentar já havia concorrido à prefeitura de Juiz de Fora, também relatou agressões semelhantes. A delegada foi retirada do cargo quando iniciou uma campanha em desacordo à violência contra a mulher em sua cidade, ganhando destaque político. “Quando fui convidada por vários partidos para concorrer à prefeitura, hesitei no início, mas acabei aceitando o convite. Concorri pela primeira vez, sem dinheiro e sem estrutura, e mesmo assim obtive uma votação expressiva, ficando em terceiro lugar para prefeita. Foi aí que também começaram as ameaças, xingamentos, principalmente por ser mulher e estar em um lugar de destaque”, explica.

“E se me questionarem se algo mudou como parlamentar, a resposta é não. E essa é uma realidade não só no Parlamento federal, mas também no Parlamento estadual de Minas, como está bem claro. Os ataques não têm ideologia, nem rosto. Infelizmente, temos relatos de deputadas estaduais que também sofreram violência política de gênero. É a realidade”, afirma.

Minas Gerais é pioneira ao criar uma lei própria para combater a violência de gênero na política. A lei, sancionada em 2023, estabelece o Programa de Enfrentamento ao Assédio e Violência Política contra a Mulher. O projeto, de autoria das deputadas Ana Paula Siqueira (Rede), Andréia de Jesus (PT), Beatriz Cerqueira (PT) e Leninha (PT), foi aprovado no plenário no final de agosto deste ano. Das quatro autoras do projeto, três foram ameaçadas de morte no exercício de seus mandatos: Andréia de Jesus, Beatriz Cerqueira e Leninha.

Tanto Ana quanto Ione destacam a importância da aprovação do texto. Para a parlamentar petista, a iniciativa das deputadas estaduais foi “corajosa e principalmente admirável". “Para que as mineiras saibam que é isso que acontece com suas representantes. Minas Gerais precisa ver mulheres assumindo lugares importantes. Precisa ver a realidade através dos fatos”, explica.

Para Ione, a lei é motivo de orgulho para o estado. “É uma lei nova, mas tão necessária quanto a lei Maria da Penha. Acho importante fazermos esse paralelo, porque ambas foram leis escritas para corrigir os fatos. Estamos progredindo, mas o questionamento que faço é: por que só agora? Por que não previmos esses incidentes? Precisamos de proteção e não apenas de respostas. Eu sofri violência política nas eleições. Sofro aqui dentro da Casa. Por que só agora algo foi feito? Precisamos inserir essa realidade também no âmbito nacional”, declarou.

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No entanto, segundo as parlamentares, a aprovação da lei não inibiu os ataques. Isso porque a maioria das ameaças chega pelas redes sociais. Diferentemente das deputadas estaduais, elas não recebem e-mails, mas sim ameaças pelos perfis no Instagram, TikTok e Twitter. Ambas relataram que as situações são recorrentes e causam medo.


Representatividade

Ana Pimentel e Ione Barbosa acreditam que, com mais representantes em posições de poder, menos ataques de gênero ocorreriam. “A mensagem que está sendo passada é que não deveríamos ocupar espaços de poder. Precisamos nos fortalecer. A minha principal forma de atuar, que queria ressaltar, é construir mais mulheres para estarem na política. E repito: precisamos ter mais mulheres na política. Esse é o primeiro eixo de ação”, afirma Ana Pimentel.

“A tipificação prevê o crime. Mas a situação acontece também de forma velada: ser interrompida ou ter a fala descartada. Nós parlamentares precisamos confirmar o tempo todo nossa autoridade. Mostrar que somos tão competentes quanto os homens. Eu conheço vereadoras silenciadas em Minas. Vejo prefeitas não sendo ouvidas. Não temos projetos escutados”, reafirmou Ione Barbosa.

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Agressões frequentes

Em Minas Gerais, pelo menos 10 parlamentares, incluindo deputadas federais, estaduais e vereadoras, já receberam ameaças anônimas de estupro corretivo ao longo dos últimos meses. Devido à frequência das ameaças, não é possível quantificar o número total de ataques recebidos pelas parlamentares. Os ataques estão sendo investigados pela Polícia Civil e pelo Ministério Pùblico, que montaram força-tarefa para localizar os criminosos, mas o resultado das investigações ainda não foi divulgado.