Todo mundo nesse mundo tem sua fraqueza.
A minha é escrever poesia.
Libertei-me de mil laços mundanos,
mas essa enfermidade nunca passou.
Se vejo uma paisagem bonita,
se encontro algum amigo querido,
recito versos em voz alta, contente
como se um deus cruzasse em meu caminho.
Desde o dia em que me baniram para Hsün-yang,
metade do meu tempo vivi aqui nas montanhas.
Às vezes, quando acabo um poema,
subo pela estrada sozinho até a Ponta do Leste.
Nos penhascos, que estão brancos, me inclino:
vales e montanhas se espantam com meu louco cantar:
passarinhos e macacos acorrem para me espiar,
eu que, temendo me tornar para o mundo motivo de chacota,
tinha escolhido esse lugar, aonde os homens não vêm.

Um dos maiores poetas contemporâneos do país, Leonardo Fróes nasceu em 1941 em Itaperuna (RJ) e morreu nesta sexta-feira (21/11), no Rio de Janeiro. Para Ricardo Domeneck, a poesia de Fróes “faz também da linguagem um animal, um organismo, algo vivo.” Responsável pela edição do livro “Poesia reunida (1968-2021)”, publicado pela Editora 34, Cide Piquet considera a poesia de Fróes “meditativa e aberta a múltiplos atravessamentos”: “É como se, vinda da terra, dessa conexão mais funda do poeta com a natureza, ela passasse pelo corpo antes de chegar à linguagem.”

Em uma das últimas participações em eventos públicos, na Feira do Livro, em junho último, em São Paulo, Fróes justificou a mudança, ainda nos anos 1970, da capital carioca para viver na região serrana do Rio: “Tive o privilégio de poder me dar esta vida, de deixar de ser o profissional que fui, para traduzir dezenas de livros e pagar esse luxo que é poder viver em contato com a natureza”, afirmou ao mediador da conversa, o jornalista e editor Schneider Carpeggiani. “Quando cheguei no mato, vi que lá não tem solidão. Porque você está cercado por uma infinidade de espécies, de companhias. Sei que é difícil a comunicação com os vegetais, porque o que eles mais têm é a sua carga de silêncio. Mas eles são coisas vivas, como nós”, complementou.

Sobre a escrita da poesia, Leonardo Fróes comentou: “Todos nós temos sentimentos poéticos. Mas apenas alguns se tornam, devido à sua fraqueza, especialistas em escrever poesia. Não conseguem ficar de boca calada, sentir suas emoções e se bastar. Sentem uma necessidade incontrolável de transmitir isso aos outros, de fazer com que as outras pessoas também se emocionem com o que os emociona.”

“Mestre de todos nós”

“Além da pessoa mais amável que conheci, Leonardo Fróes foi mestre de todos nós porque aprendia com o marimbondo e a montanha as dobras da linguagem humana e tinha a cordialidade conosco de transmitir essas intensas delicadezas (...). Atento a tudo, Leonardo plantou florestas, traduziu livros que estão na estante de todos, escreveu os poemas mais bonitos da língua. Ele conhecia a beleza e sabia tecer com ela.”

Júlia de Carvalho Hansen, poeta e editora, no Instagram

“Fica aqui tudo em que ele colocou a mão”

“Leonardo Fróes era a própria vida no melhor que ela pode ser, a poesia colocada no chão dos dias, tudo o que a gente sonha. Ele percebeu cedo que a vida podia ser mais e não aceitou menos que isso (...). Para nossa sorte, teve a generosidade de usar cada um de seus passos para abrir e mostrar caminhos para quem vinha, para quem estava ao lado, para quem nem veio ainda. Seus poemas, todo seu imenso trabalho com as palavras, seu exemplo, tudo em que ele colocou a mão vai ficar aqui – vibrando, nos lembrando que essa coisa toda só faz sentido se, a cada dia, fizermos ter sentido.”

Tarso de Melo, poeta e editor, no Instagram

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