O que entendemos como instituição? Ao ler essa palavra, logo imaginamos os imensos prédios públicos com seus letreiros informando qual tipo de esfera pública é regida naquele edifício. Ou, então, pensamos nas instituições sociais, como o casamento entre duas pessoas que se amam; a igreja; ou um clube de futebol. Mas, é possível pensar nos algoritmos, meras linhas de códigos, também como um braço institucional?

É o que defende o livro “Política dos algoritmos: instituições e as transformações da vida social”, da editora Ubu, que será lançado neste sábado (25), às 11h, na Livraria Quixote (Rua Fernandes Tourinho, 274), na Savassi, Região Centro-Sul de BH.

O livro já foi publicado em inglês e, agora, tem sua edição em português. Assinam a publicação os pesquisadores Fernando Filgueiras, Ricardo F. Mendonça e Virgílio Almeida, os dois últimos professores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Em entrevista ao Pensar, os autores comentam que a ideia é levar a discussão sobre algoritmos para a população em geral, não só para desenvolvedores. "O livro foi escrito com um público mais amplo em vista. Ainda que beba de conceitos e discussões teóricas mais especializados, ele foi pensado para poder ser lido por pessoas de diversas áreas que sejam curiosas sobre os dilemas da vida contemporânea", dizem

Por que instituições?

Na vida prática, as instituições são capazes de moldar nosso comportamento. As leis, por exemplo, delimitam aquilo que podemos ou não fazer. Na mesma toada, adaptamos nossa tomada decisão ao contrato social que assinamos ao nos casarmos, evitando determinadas posições ou tratando outras como definitivas.

Dito isso, como os algoritmos podem moldar nossa rotina, sendo apenas linhas de código de uma linguagem de programação? Exemplos são a melhor receita para entender o pensamento dos autores.

Quando requisitamos uma determinada rota em um aplicativo de mobilidade, por exemplo, nosso ir e vir é influenciado por aquela resposta. Ao mesmo tempo, algoritmos mudaram nossas relações amorosas ao substituir o papel que os amigos e a família tinham na formação de casais, a partir de aplicativos de relacionamento, hoje um meio fundamental para aproximar pessoas que não se conheciam previamente.

O mesmo vale para o nosso vocabulário. Com o passar do tempo, adotamos novas palavras criadas e impulsionadas pelos algoritmos das redes sociais. Termos como “crush”, “stalkear”, “shippar” e “flopar” fazem parte do nosso dia a dia por total influência da atuação dos algoritmos como instituições.

“É importante mostrar que os algoritmos não são apenas ferramentas tecnológicas, mas artefatos sociotécnicos, construídos em relação com seres humanos e que estruturam contextos interacionais diversos. Ao associarmos os algoritmos às instituições, buscamos aplicar o conhecimento teórico e prático sobre o conceito de instituições para tornar mais claro o que são os algoritmos e como as sociedades podem desenvolver formas de controlá-los”, dizem Fernando Filgueiras, Ricardo F. Mendonça e Virgílio Almeida.

Além disso, o livro ressalta como o papel institucional dos algoritmos não se resume somente ao comportamento humano, já que eles também exercem influência no debate público, na política e na economia. Prova disso é o dano trazido pelas fake news ao processo eleitoral, sobretudo com o advento da inteligência artificial, campo da ciência da computação amplamente discutido em “Política dos algoritmos”.

Mudança isomórfica

Um dos conceitos trazidos pelos autores em "Política dos algoritmos" tem influência direta no jornalismo profissional. De acordo com o institucionalismo sociológico, "os algoritmos representam arquétipos organizacionais, com códigos computacionais que trazem em si a lógica institucional de determinado campo", promovendo o que os autores chamam de "mudança isomórfica".

Este conceito se manifesta claramente no jornalismo. As empresas de notícia se adaptaram a padrões de comunicação estabelecidos pelos algoritmos das big techs, que reestruturam os feeds de notícia e redefinem o valor da notícia e as estratégias de visibilidade norteadoras do jornalismo. Ou seja, para serem vistas, as empresas jornalísticas passam a reproduzir padrões.

“O livro ajuda a pensar como sistemas algorítmicos, entendidos como instituições, interagem com outras instituições em ecologias complexas afetando práticas e padrões que lhes são inerentes. Assim, o jornalismo vê-se profundamente afetado por essa mudança institucional que tem consequências sobre rotinas, formas textuais, dinâmicas relacionais e, mesmo, sobre o valor-notícia e os regimes de temporalidade que marcam a comunicação profissional”, dizem os pesquisadores.


Para os autores, o conceito criou uma relação de dependência mútua entre organizações e novos padrões de comunicação automatizada. Tal condição resulta em um "processo de imitação, em que diferentes organizações se ajustam a um novo padrão estabelecido", o que leva a coberturas noticiosas muito parecidas, independentemente do veículo de comunicação.

Limitações

Ainda que sejam tratados como instituições, os algoritmos apresentam limitações. O institucionalismo histórico ajuda a explicar essa nuance. No aprendizado de máquina (respostas computacionais baseadas em dados, sem uma programação exata para aquele fim), por exemplo, os algoritmos são abastecidos por dados previamente coletados, ou seja, dados que já existiam. No entanto, essa resposta não é 100% confiável.

"Discursos de ódio, informações equivocadas e desinformação continuam a ser disseminados nas mídias sociais mesmo com as camadas de controle estabelecidas pelas mudanças regulatórias", ressaltam os pesquisadores em trecho do livro. Na verdade, há uma dependência mútua entre esses algoritmos das redes e esses discursos, diante do alcance atingido por eles.

Nesse sentido, Fernando Filgueiras, Ricardo F. Mendonça e Virgílio Almeida afirmam ao Pensar a importância de o Supremo Tribunal Federal (STF) revisitar o Marco Civil da Internet.

O principal imbróglio diz respeito à responsabilização das redes sociais pelos discursos propagados nelas. Antes, elas só eram obrigadas a excluir algo mediante uma decisão judicial – com exceção dos casos de nudez sem consentimento.

Isso mudou em 26 de junho, quando o Supremo fixou regras que aumentam a responsabilidade das big techs. Assim, elas serão obrigadas a remover conteúdos com ataques à democracia; terrorismo; induzimento ao suicídio; discriminação racial, religiosa e por orientação sexual; violência contra as mulheres; crimes sexuais contra menores e pornografia infantil; e tráfico de pessoas.

"Quando o Marco Civil foi aprovado (em 2014), as plataformas de rede social estavam
em outro momento, e não se previa, naquela época, o poder e impacto delas. Teria sido mais fácil regular antes, mas é preciso que lidemos com as transformações enquanto elas ocorrem. Naquela época não se previa que as mesmas plataformas teriam o poder político, social e econômico que têm hoje. Agora, provavelmente, essa visão pode ser revista”, dizem os autores.

Serviço

Lançamento do livro “Política dos algoritmos: instituições e as transformações da vida social”

Onde: Livraria Quixote (Rua Fernandes Tourinho, 274), na Savassi, Região Centro-Sul de BH

Quando: sábado (25), às 11h

Autores: Fernando Filgueiras, Ricardo F. Mendonça e Virgílio Almeida

Editora: Ubu

Número de páginas: 320

Preço: R$ 89,90

compartilhe