“O pouco que contém o muito”

“A prosa de Verissimo tinha um segredo, que não revelarei aqui, mas era o mesmo segredo que fez os egípcios moverem aqueles blocos de granito como se fossem pacotinhos de algodão. Ele passou a vida fazendo isso diante dos olhos de todo mundo (...). Verissimo apostou todas as suas economias literárias (e eu acrescentaria: toda a sua herança, que não foi pouca) numa fórmula simples que não precisarei descobrir, porque Ítalo Calvino (‘Seis Propostas Para o Próximo Milênio’) já o fez por mim: leveza, rapidez, exatidão, visibilidade, multiplicidade, consistência.

Nada disso vem às nossas mãos para cancelar ou desmentir o nosso lado barroco, onde habitam Guimarães Rosa, o Padre Vieira, Coelho Neto, Jorge de Lima, Ariano Suassuna, Osman Lins, Euclides da Cunha e outros igualmente imprescindíveis. A contrapartida da exuberância barroca é a escrita dos que limpam a prosa até deixar o osso alvejando, dos que com dois ou três riscos de tinta permitem ver uma catedral ou uma ninfa nua, dos que em três linhas de verso conjuram uma floresta invernal, dos que nas dez páginas de um conto embutem a biblioteca do absurdo.

Precisamos do Muito que se apoia no Pouco, e do Pouco que contém o Muito.”

Braulio Tavares, escritor e compositor, no blog Mundo Fantasmo, em comentário sobre a obra de Luis Fernando Verissimo (1946-2025)

“Capaz de transmutar a dor em humor”

“Antes de me tornar escritor, eu tinha a mesma desconfiança de boa parte dos leitores: a de que autor e obra fossem uma coisa só. Carne e espelho. Cara de um, focinho da outra. Como se livros melancólicos fossem escritos por autores melancólicos, e assim por diante.

Foi com essa expectativa que me vi diante do autor de uma das obras mais divertidas da literatura brasileira. Esperando que a qualquer momento ele contasse uma história tão engraçada quanto suas crônicas.

Mas Verissimo não era uma pessoa engraçada. Talvez fosse, mas só pelo lado dentro. E talvez esse lado de dentro vazasse para a superfície somente nas oito horas diárias que ele passava diante do computador.

O primeiro traço identificável de sua personalidade era a timidez. Depois de alguns minutos de conversa, outras características vinham à tona: a gentileza, a generosidade, o senso de humanidade. E, cavoucando mais um pouco, a profunda tristeza frente às injustiças sociais.

Saí daquela entrevista desconfiando que Verissimo era um fingidor. Um ser humano triste com as tristezas do mundo e o correr acelerado do tempo. Um alquimista capaz de transformar a dor em humor.

E pensando que se nos encontrássemos de novo eu o convidaria para tomar um vinho. E à certa altura eu ergueria minha taça e proporia um brinde: “À vida”.

E ele me responderia: “Não. À vida não.”

José Rezende Jr, jornalista e escritor mineiro, autor da reportagem “A arte de escrever”, publicada em 1997 no Correio Braziliense.

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