“Roda de Balanço”

Quando acenei à amplidão
E esperei seu amor num cochilo de fevereiro,
Avistei pássaros agitados, contemplei sua proliferação
Rumo a uma árvore, tecendo nos galhos, costureiros
De ninho nos ramos de abril, do Sul para um quinhão
No colo vadio da terra, dentes de uma roda de balanço.
Vi fundarem o ar, à moda dos pássaros, sem descanso.

Quando aceno à amplidão
E compreendo o amor, ciente do calor de agosto,
Avisto pássaros cruzando a coxa de gelo e turvação
Do outono, saídos do ninho, asas no sentido oposto,
Para o Sul empretecendo o céu em procissão
Como sinais de beleza na formosura de um rosto.
Avisto-os empenar o ar, escapulir, pássaros afiando o gosto.

 

“Esposa do Lar”

Há mulheres que se casam com casas.
É mais um tipo de corpo; têm coração,
boca, fígado e movimentos intestinais.
As paredes são estáveis e cor-de-rosa.
Veja como ela passa o dia de joelhos,
jogando-se pelo ralo com fé.
Homens invadem, retornados feito Jonas
para suas mães carnais.
Uma mulher é sua própria mãe.
A questão é essa.
.

 

‘‘Mãe e Filha’’

Linda, agora você deixa
seu corpo antigo para trás.
Ele espichou, borboleta antiga,
todo braços, pernas, asas,
folgado como vestido velho.
Estendo a mão para tocá-lo mas
meus dedos viram chagas
e sou colo de mãe e estou acabada,
assim como sua infância está acabada.
Faço perguntas sobre isso
e você mostra pérolas.
Faço perguntas sobre isso
e você ignora exércitos.
Faço perguntas sobre isso – e seu relógio se avoluma, a toda,
ponteiros maiores que jogo de varetas –
e você vai costurar um continente.

Agora que tem dezoito anos
dou-lhe meu butim, meus restos,
minha Mãe & Co. e minhas doenças.
Faço perguntas sobre isso e você não saberá a resposta
– a mordaça na boca, a esperança da bomba de oxigênio,
os tubos, os caminhos,
a guerra e o vômito da guerra.
Prossiga, prossiga, prossiga,
levando lembrancinhas pros garotos,
levando maquiagem pros garotos,
levando, minha Linda, sangue para a sangria.
Linda, agora você deixa
seu corpo antigo para trás.
Você esvaziou meu bolso
e já empilhou todas as minhas
fichas de pôquer e me deixou
sem nada, e o rio entre nós
se estreita e você faz ginástica,
semáforo com pernas de mulher.
Faço perguntas sobre isso
e você vai coser minha mortalha
e manter o frango às segundas-feiras
e tirar as tripas dele com o dedo.
Faço perguntas sobre isso
e você verá minha morte
babando em lábios cinzentos
enquanto você, minha ladra, come
frutas e aproveita o dia.

 

Sobre a autora

 

Os poemas nesta página integram o livro “Compaixão” (Relicário), da poeta norte-americana Anne Sexton e foram traduzidos por Bruno Beber para a edição da Relicário. Nascida em 1928 na cidade de Weston e vencedora do Prêmio Pulitzer de Poesia em 1967, Sexton passou por internações em clínicas psiquiátricas e tirou a própria vida em 1974. A primeira edição da poeta no Brasil é uma seleção realizada pela filha, Linda Gray Sexton, responsável pela obra da autora. 

 

“Compaixão”
Anne Sexton
Tradução de Bruna Beber
Relicário Edições
376 páginas
R$ 89,90