Alexandre Aliatti -  (crédito: Divulgacao)

Alexandre Aliatti

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Foram divulgados, na última segunda-feira, os dois vencedores do Prêmio São Paulo de Literatura, que oferece a maior premiação em dinheiro entre os concursos literários do país: melhor romance, “Se não fossem as sílabas de sábado” (Todavia), da escritora paulista Mariana Salomão Carrara, e melhor romance de estreia, “Tinta branca” (Patuá), do paranaense Alexandre Alliatti. Cada um deles receberá R$ 200 mil. Na edição de hoje, o Pensar publica trecho do romance de Alliatti e um depoimento do autor sobre a origem do livro. Na próxima semana, um trecho do livro de Mariana Carrara.

A origem do livro

“Alguns meses antes de começar a escrever o livro, eu estava em Garibaldi, uma pequena cidade de colonização italiana na Serra Gaúcha, e vi um rapaz negro atravessando a rua. Ele não me parecia brasileiro. Algo nos traços, talvez no jeito de se vestir, me deixou a impressão de ser estrangeiro. E então me confirmaram: ele era haitiano. Fiquei impressionado com aquilo: em uma região predominantemente branca e tão marcada pela imigração europeia, agora chegavam novos estrangeiros em busca de algum recomeço, de alguma esperança. Senti que ali havia campo para exploração literária. E era um assunto que poderia dialogar com os principais fantasmas brasileiros: o tráfico negreiro, a escravidão, o racismo, a desumanização e, me parece, sobretudo o apagamento histórico daquilo que é visto como incômodo.”

Sobre o autor

O curitibano Alexandre Alliatti, 41 anos, foi criado em Canoas (RS) e atualmente vive em São Paulo. É formado em Jornalismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde também cursou Letras, e pós-graduado no curso de Formação de Escritores do Instituto Vera Cruz. Entre os seus autores favoritos estão Jonathan Franzen, Philip Roth, Javier Marías, Zadie Smith, Michel Houellebecq, Karl Ove Knausgard, Jorge Luis Borges, Julio Cortázar, Machado de Assis, Guimarães Rosa e Tolstói. “Tinta branca”, o vencedor do Prêmio São Paulo de Literatura na categoria melhor romance de estreia, também é semifinalista do Prêmio Jabuti na categoria escritor estreante.

“Tinta branca”
Alexandre Alliatti
Patuá
192 páginas
R$ 45

Trecho de “Tinta branca”

“De repente, todos vibraram, o que levou a câmera a fazer um movimento lateral para mostrar um homem carregando um balde. Ao fundo, foi possível ver a Ana. Um policial a segurava pelo braço; outro a cercava. ‘Deixa o guri fazer’, alguém falou; outros homens gritaram em concordância. O vídeo então mostrou o menino do celular desaparecido. Ele mexia a cabeça para os lados, falava que não queria, enquanto um sujeito, que reconheci como seu pai, insistia, lhe oferecia o balde. A imagem tremeu, a câmera passou alguns segundos apontada para o chão. Ao voltar à posição normal, exibiu dois homens parando em frente ao Benjamin e erguendo o balde. Assim que vi a tinta, assim que assimilei a imagem da tinta branca, eu gritei, um grito de espanto, e as pessoas no vídeo gritaram também, mas comemorando, comemorando que a tinta atingia a cabeça do Benjamin, que passava pelos olhos depois de vencer a resistência dos cílios, que entrava pela boca, que pingava do queixo e lambuzava o blusão de lã, que escorria até atingir os tênis – iguais àqueles que, naquela mesma praça, ele tentava vender.”