Para sempre na lembrança
“Sem a leitura somos menos do que poderíamos ser.
Sem a cultura, não somos efetivamente humanos.”
Danilo Santos de Miranda (1943-2023), na abertura da 9ª edição do Fliaraxá, em 2019
Amazonas de Gardel na Savassi
Escritor, cantor e compositor radicado no Rio de Janeiro, André Gardel lança o romance “A viagem de Ulisses pelo rio Amazonas” (7Letras) na próxima quarta-feira (08/11) em Belo Horizonte. Professor de Letras e Artes Cênicas da Unirio, Gardel tem 13 obras publicadas, entre elas o premiado “O encontro entre Bandeira & Sinhô” (1996). O novo romance terá lançamento na Livraria Quixote (Rua Fernandes Tourinho, 274, Savassi), das 19h às 21h, em bate-papo com a escritora mineira Maria Esther Maciel, seguido por um show de voz e violão do autor. Sobre “A viagem de Ulisses”, o antropólogo Hermano Vianna escreveu que se trata de um livro com “estilos literários que travam combates e tramam alianças a cada página, com diferentes propósitos narrativos. Como hidrovias caudalosas, os fluxos de palavras (sempre “escorregadias”) nos sacodem entre mitologia e geografia (incluindo aquela dos rios voadores), crítica e política, História e estórias.”
De livreiro a autor
Depois de mais de duas décadas indicando livros para outros leitores, Guilherme Leite estreia na literatura com obra sobre cotidiano em livrarias. “Vida de livreiro” será lançado na próxima quinta-feira, às 19h, na Livraria Quixote. “É um apanhado de diálogos transmutados em contos”, aponta Guilherme, citando “situações reais de uma vida inverossímil.”
Finalistas do Prêmio SP de Literatura
O Pensar publica, a partir da edição de hoje, trechos dos romances mineiros que estão entre os finalistas do Prêmio São Paulo de Literatura. Vinte obras foram selecionadas entre as 327 inscrições habilitadas, sendo 13 finalistas mulheres. Os vencedores do prêmio serão revelados até o final deste ano. As passagens foram selecionadas pelos próprios autores. Para começar, o romance “Eva”, de Nara Vidal.
“Até o final eu vou morrer.
Mas, enquanto vivo, uma sequência de crimes.
Não é muito claro quando o golpe acontece porque as mortes, mesmo as precisas, acontecem aos poucos e perduram. As mortes duram muito tempo.
Eu tinha uma tia que fumava muito. Numa ceia de Natal, quando ela estava com setenta e sete anos, apenas eu notei que ela dormia na mesa. Olhos fechados na cabeceira enquanto passava os dedos na toalha de linho que acusava a festa obrigatória e os votos de um mundo melhor que não segura as pontas já no dia seguinte.
Terremotos, acidentes aéreos, deslizamentos de terra, enchentes, tudo isso acontece em janeiro, no feliz ano novo. Minha tia morreu dois dias depois do Natal. Hoje eu sei que quando velho dorme no meio da festa é porque vai morrer dentro de poucos dias.
Senti um golpe de ferro na testa quando vi a mãe dormindo no almoço do meu noivado.
Minha morte nasceu comigo. A da minha mãe também. Tinha medo de morrer desde pequena, mas tinha pavor maior de imaginar a morte da mãe. Por isso pensava em várias maneiras de matá-la para que me deixasse em paz.
Passei todo o tempo viva preocupada em morrer. Tinha um medo terrível que viesse sem aviso. Não suporto surpresas. Por isso, todos os dias eu me preparava para morrer ou para matar a mãe, mas fomos sobrevivendo.”
“Eva”
• Nara Vidal
• Todavia
• 112 páginas
• R$ 69,90
O livro nas palavras da autora Nara Vidal
“Eva nasceu de duas vertentes violentas. A primeira delas foi a morte da minha mãe. É possível que a escrita desse livro tenha sido parte do processo de elaboração do luto, mas não só. Foi também um olhar para dentro do que foi me tornar uma mulher dentro de uma cultura machista e que desvaloriza nossos desejos e autonomia política, social ou sexual. Nem todas nós somos criadas para nos tornarmos mulheres conforme quis Simone de Beauvoir. Muitas ainda estão presas na herança da repressão e da valorização da castidade, o que é uma violência. A outra vertente do Eva surgiu de um testemunho de um relacionamento tóxico, de manipulação e que se baseava na vulnerabilidade de se estar em outro país. Foi do meu interesse mergulhar nos estímulos e nas razões pelos quais muitas mulheres permanecem em relações de posse e controle. Tentei traçar um elo entre o que aprendemos ser o amor, com base na manipulação, e como aplicamos esse equívoco nas relações que se seguem na vida. Uma espécie de herança ruim que recebeu Eva e que ela passa adiante porque aprendeu assim, como norma, não a liberdade que deveria ser o amor, mas o controle e a posse. Criar essa personagem foi um exercício intenso, por vezes insuportável. Vejo Eva como uma figura tão humana quanto qualquer um de nós, por isso tão difícil de compreender, conviver, amar. Somos, como ela, falha e tentativa.”