Luiz Vilela: "Os editores devem ter se assustado com a liberdade de linguagem do livro" -  (crédito: Reprodução)

Luiz Vilela: "Os editores devem ter se assustado com a liberdade de linguagem do livro"

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Para que afinal, que a gente escreve? Volta e meia estou pensando nisso. Às vezes acho que escrever não tem importância nenhuma. Pior: que escrever é uma fuga, um meio de fugir à vida.

A reflexão já tem mais de 50 anos e surgiu numa mesa da Cantina do Lucas, no Maletta, onde batiam ponto os personagens de “Os novos”, de Luiz Vilela. Saudado em 1971 como uma das obras que conseguiu espelhar os desejos e impasses da juventude brasileira, o romance ganha reedição pela Record.

Mineiro de Ituiutaba, Luiz Vilela nasceu no último dia do ano de 1942. Formado em Filosofia em Belo Horizonte, estreou na literatura em 1967 com o premiado livro de contos “Tremor de terra”. Os livros seguintes, “No bar” e “Tarde da noite”, consolidaram o mineiro como um dos mestres das narrativas curtas.

“Os novos” foi o primeiro romance de Vilela. Em visão simultaneamente afetuosa e crítica da juventude belo-horizontina, o escritor também traça um retrato dos tempos sombrios que o Brasil atravessava durante a ditadura militar. “Tá todo mundo preso”, constata um dos personagens. “Chega de ir pro Rio e São Paulo. A luta agora vai ser aqui, o pau vai quebrar é aqui no Curral del Rey”, afirma outro personagem, disposto a “escandalizar a burguesia mineira, a Tradicional, a TFP, esses menininhos bonitinhos do Xodó, a Jovem Guarda, toda essa gente.”

Um dos personagens expõe visão desencantada de Minas (“Essas montanhas são os muros de um cemitério”) e de Belo Horizonte (“Que se pode fazer aqui senão beber, encher a cara até arrebentar? Ou a gente faz isso ou então some daqui, não há outra alternativa”). Se gírias e expressões (“Morei na jogada”) denunciam o passar do tempo, bem como alguns diálogos que expõem preconceito, o ritmo ágil e a coloquialidade das falas – uma das marcas registradas do autor – garantem o frescor de um romance que ainda tem muito a dizer às novas gerações de leitores. Porque Vilela conseguiu em “Os novos”, como já fizera Fernando Sabino em “O encontro marcado” e Marcelo Rubens Paiva faria em “Feliz ano velho” na década seguinte, dar vazão à ânsia que sentia para escrever sobre os que tinham (ainda têm?) ânsia de viver. E urgência de escrever.

Mais avesso a entrevistas nos últimos anos, Luiz Vilela ainda não havia falado com a imprensa a respeito da reedição de “Os novos”. Ao Pensar, fez do seu jeito. Aproveitou algumas das perguntas enviadas por e-mail, adicionou outras, contou histórias, revelou que o livro foi recusado por diversas editoras até ser publicado pela Gernasa, de BH, relembrou o convívio com os amigos Oswaldo França Júnior, Sérgio Sant’Anna e Roberto Drummond, narrou passagens de sua juventude na capital mineira... O resultado, mais do que uma entrevista, é um documento do início da trajetória de um dos maiores escritores do país.

Leia a seguir a entrevista-depoimento de Luiz Vilela ao Pensar:

 

O que o levou a escrever “Os novos”?

Tendo começado a escrever aos 13 anos, aos 20 eu já havia escrito muito e de quase tudo. Então achei que era a hora de escrever o meu primeiro romance. Mas o ano passou, e acabei não escrevendo. Veio o ano seguinte, e também não escrevi. Mais um ano, e nada.

Em 18 de outubro de 1966 anotei no meu diário: “Três anos ensaiando para escrever um romance. Que merda de talento tenho eu? Vou ser desses que passam a vida se preparando para uma obra que nunca escreverão? Gênios para o caixão, obra-prima para os vermes.”Alguns dias depois, em 1.º de novembro, anotei: “Comecei o romance. De manhã. Duas páginas apenas, mas era, esse começo, o mais difícil: agora a coisa vai por si. Assim espero.” E assim, felizmente, foi.

Quanto ao tema do romance, numa carta escrita um ano depois ao meu amigo Sérgio Sant’Anna, que na ocasião estava em Paris, numa bolsa de estudos, eu digo: “Tenho pensado muito sobre a nossa geração, particularmente sobre a nossa turma, os que escrevem; quê que é ela, quê que ela traz, quê que ela está fazendo, quê que ela pretende, aonde ela quer chegar, tudo isso. Aliás, meu romance é sobre isso.”

 

Você escreveu o livro ao longo de dois anos...

Sim, de 1966 a 1968, como está lá, no final. Dois anos, mas com várias interrupções. A maior delas foi quando, em junho de 68, deixei Belo Horizonte e fui para São Paulo, para trabalhar no Jornal da Tarde. Em São Paulo não escrevi nem uma página.

Em fins de agosto recebi um convite para participar do International Writing Program, em Iowa City, Iowa, nos Estados Unidos. O programa, com duração de nove meses, reunia escritores de várias partes do mundo e lhes oferecia, além de uma boa bolsa em dinheiro, o tempo inteiro para escrever.

Eu aceitei o convite, claro. Tomei as providências necessárias para a viagem – a minha primeira internacional –, desliguei-me do jornal, e então, no começo de outubro, fui para os Estados Unidos. Lá, em Iowa City, uma pequena cidade do meio-oeste, eu retomei o romance. Numa das cartas que, na época, troquei com a minha ex-colega de redação, Cláudia Batista, hoje a Monja Coen, eu conto: “De fins de outubro para cá só tenho feito três coisas: comido, dormido, e escrito meu romance, que corre a todo vapor e espero terminar esse mês ainda. Já tem mais de 350 páginas. Um negócio de louco. Começo pelas dez, onze horas, e vou até a manhã, oito, nove, dez horas. Aí deito e levanto já no começo da noite. Noite? Nem sei mais direito o que é isso. Noite, dia, jantar, almoço, sábado, domingo, feriado, tudo isso foi virado de pernas para o ar.” E, de fato, em novembro eu terminei o romance. Comprei então uma máquina de escrever semiportátil Smith Corona e comecei a datilografá-lo a limpo. Em junho de 1969, com o fim do programa e dinheiro sobrando no bolso, resolvi conhecer a Europa. Fui à Irlanda, Inglaterra, França, Espanha e, na volta, Portugal. Na Espanha, fixei-me por algum tempo em Barcelona e lá continuei o trabalho de revisão do romance, que eu havia começado ainda nos Estados Unidos. Em agosto escrevi ao amigo Sérgio: “Acabei a revisão do romance, que já não tem mais as gordas seiscentas páginas, pois rasguei quase umas duzentas. Agora tenho de bater tudo a limpo de novo.” No fim do mês, de volta ao Brasil, passei uns dias em Belo Horizonte, outros em São Paulo, e então vim para Ituiutaba. Aqui peguei de novo o romance e, com as inevitáveis interrupções, nele trabalhei ao longo de todo o ano de 1970, terminando-o.

 

Por que o livro não foi logo publicado?

Não foi porque eu quis. É uma longa história... Começa, a história, no final de dezembro de 1969, quando meu amigo Oswaldo França Júnior, editado pela Sabiá, numa ida ao Rio, falou, na editora, sobre mim e o meu livro. “Está combinado”, ele me escreveu depois. “Eu mesmo o levarei quando você o considerar terminado.” Um ano se passou. Em março de 1971, estando o livro pronto para a publicação, e tendo eu já nas costas três livros publicados – “Tremor de terra”, “No bar” e “Tarde da noite”, os três de contos e um deles, o “Tremor”, recebido o Prêmio Nacional de Ficção –, mandei para Fernando Sabino, um dos donos da Sabiá (o outro era Rubem Braga), com uma carta, um dos capítulos.

 Alguns dias depois recebi também dele, em resposta, uma carta. Depois de reafirmar seu interesse no livro, manifestado ao “nosso comum amigo”, o França, diz ele: “Vimos acompanhando o seu sucesso literário através dos contos, que nos parecem excelentes, e estamos certos de que o romance confirmará a sua extraordinária vocação de escritor.” Mas, continuava, a editora vinha atravessando uma fase difícil e não tinha como publicar o livro. Tentei, em seguida, a Editora Civilização Brasileira. Depois de dois meses de espera e de duas cartas minhas pedindo uma resposta, essa veio, assinada pela secretária: “Lamentamos informar-lhe que, apesar da inegável qualidade de escritor que revela, e que já se comprovou em certames literários...” Sim, também não podiam publicar o livro, alegando também dificuldades. Àquela altura, sabendo das recusas, um jovem editor americano que eu conhecera em Iowa City, Barry Casselman, me escreveu levantando a possibilidade de ele publicar lá, por sua pequena editora, uma edição bilíngue do livro e enviá-la para o Brasil. E terminava dizendo que achava um absurdo (“an outrage”) que um importante escritor brasileiro não conseguisse publicar um livro em seu próprio país. “Yes”, eu respondi, “it is an outrage, and I’m feel very angry and very depressed about that.”No começo de agosto escrevi ao meu amigo Roberto Drummond, contando a minha situação: “E viva a burrice, a estupidez e a covardia dos editores brasileiros”, desabafei. Pouco dias depois resolvi fazer uma nova tentativa: mandei de uma vez, com uma carta, o tal capítulo para três diferentes editoras, duas do Rio e uma de São Paulo. A de São Paulo respondeu que só se interessava por romances e contos “para jovens”. As do Rio nem se dignaram a responder. No final de setembro, conversando, em Belo Horizonte, com um amigo meu que trabalhava como vendedor de livros para uma pequena editora do Rio, a Edições Gernasa, especializada em livros didáticos, narrei para ele a minha via-crúcis editorial. Ele, querendo me ajudar, me deu maiores informações sobre a editora, e, por elas, achei que valeria a pena fazer mais uma tentativa. Eu fiz. Entrei em contato, por telefone, com o editor, Lúcio de Abreu. Ele se interessou, e então – fim da história – o livro foi publicado. Em 21 de dezembro eu o lancei, em Belo Horizonte, na livraria Interlivros.

 

“Os novos” teve algum problema com a censura?

Não, não teve, mas acho que foi mais pelo medo de que isso acontecesse que os editores não quiseram publicá-lo. Não só a censura, mas a repressão em geral, na época, estava muito forte. Eu próprio, antes de o livro sair, orientei um advogado meu amigo, em Belo Horizonte, como ele deveria agir com minha família, caso eu fosse preso. Felizmente não aconteceu nada comigo, nem com o livro. “Os novos” não é um “romance de protesto”. Mas, como disse Raymond Leslie Willians, no seu The Columbia Guide to the Latin American Novel Since 1945, lido no contexto em que foi escrito e publicado, o da ditadura militar, ele não deixa de ser uma obra subversiva. Citando no original e na íntegra o texto: “His novel Os Novos (1971, The New Ones) reveals his background in philosophy and his ability in creating dialogue; it is also a borderline subversive work when read in the context of the military dictatorship under which it was written and published.” Outra coisa que deve ter assustado os editores foi a linguagem do livro, com uma liberdade que, até onde sei, nunca houvera no romance brasileiro. Em 67, quando publiquei meu primeiro livro, o “Tremor de terra”, Raimundo Magalhães Júnior, na Manchete, já observava: “O autor tem audácias de linguagem e, quando lhe parece indispensável, usa uns enérgicos palavrões.” Voltando a “Os novos”, em fevereiro recebi, de Honolulu, uma carta de Stefan Baciu: “Acabo de ler ‘Os novos’. Quem foi que disse ‘romance’? Vida, só isto.” E mais adiante: “O seu livro é excelente. Se haverá quem diga que tem palavrões demais, manda ele pra merda.” Pois é...

 

Como foi a repercussão do livro?

Em 1984, quando saiu, pela Nova Fronteira, a 2.ª edição, Wilson Martins, no Jornal do Brasil, comentou: “Tendo inspirado a Luiz Vilela um retrato tanto mais cruel quanto menos contestável, é natural que a jovem intelectualidade da década de 60 reservasse a ‘Os novos’ a mais glacial acolhida.” Glacial e jovem intelectualidade foram, a meu ver, termos um pouco exagerados; mas, de fato, pelo menos no caso da minha turma, o livro não teve boa acolhida, o que me surpreendeu e me decepcionou. Um da turma, num longo artigo, disse que o romance era “fogos de artifício”; outro, em carta, que nele era “todo mundo meio fantasma”; e um terceiro, este o Sérgio, também numa carta, que eu cometera um erro ao publicar o livro. Numa entrevista que dei ao Rascunho, em 2002, eu lembrei que naquela época, nos anos 70, meu amigo Wander Piroli me contou, com o exagero que lhe era característico, que “todos” os meus amigos haviam se reunido uma noite na Lanchonete para falar mal de ‘Os novos’. ‘‘E terminava, com um risinho sacana: ‘Você não tem lá um exemplar pra me arrumar? Fiquei com vontade de ler o livro...’”

Em 1992, vinte anos depois da publicação, Wilson Martins, em sua coluna, fazendo referência a ‘Os novos’, também lembrou que o livro “segundo se diz, deixou de mau humor não poucos dos seus modelos, se não todos.” Fora de Minas houve também críticas negativas, mas a maioria falou bem do livro. Além disso, recebi, pelo correio, os cumprimentos de alguns importantes escritores, como Marques Rebelo. Num cartão dirigido ao “jovem companheiro” e assinado “seu admirador”, escreveu ele: “Tenho acompanhado com entusiasmo sua brilhante carreira.”

Outro que me escreveu foi Nélida Piñon, indignada: “Incrível não se discutir amplamente o aparecimento de um livro seu nesta cidade que ainda se intitula capital.” Mais um: Dalton Trevisan. Eu tinha escrito a ele sobre uma possível ida minha a Curitiba, no Carnaval, quando então gostaria de lá encontrá-lo. A viagem não se concretizou, mas, na ocasião, recebi dele, em resposta, esta cartinha: “Grande alegria será bebermos umas e outras celebrando o seu romance. Abraço do seu velho Dalton.’’ Um comentário que me deixou particularmente feliz veio de Praga, de Pavla Lidmilová, que mais tarde traduziria para o tcheco a minha novela “O choro no travesseiro”. Disse ela, numa carta, que gostou muito do livro, e comentou: “Quanta ironia, desilusão e esperança que não quer parecer esperança estão entre a primeira e a última frase do seu romance.” Fausto Cunha, que fez a orelha do livro, havia feito antes uma outra, que não foi usada por ser meio grande. Ela assim começa: “Este é um romance que merece adjetivos: duro, cruel, amargo, impiedoso, imensamente ingênuo, às vezes sinistramente engraçado. Quase diria também que é sardônico, se ainda se lembrassem dessa palavra.” Em 1975, Fausto, num artigo sobre a nova literatura mineira para o suplemento Livro, do Jornal do Brasil, falando sobre “Os novos”, disse que o livro “foi um fracasso injusto”. Sim, concordo que seria injusto; mas, se o livro não foi um sucesso, não acho que ele também tenha sido um fracasso. O final do texto: “É um romance que, mais dia menos dia, será descoberto e apreciado em toda a sua força. Sua geração ainda não produziu nenhuma obra como essa, na ficção.”

 

“Os novos” foi traduzido?

Não, não foi. Em abril de 72, animado com a repercussão internacional que vinha tendo a literatura hispano-americana, e acatando a sugestão de alguns colegas, eu, propondo a tradução, mandei o livro para quatro editoras de língua espanhola: Monte Ávila, na Venezuela, Sudamericana, na Argentina, Joaquin Mortíz, no México, e Seix Barral, na Espanha. Todas responderam da mesma forma, ou seja: nenhuma respondeu nada. Desanimado, mas ainda com alguma esperança, mandei o livro para uma editora italiana, a Bompiani, em Milão. Essa respondeu. Respondeu que a história do meu “professor” não convencia inteiramente, que a ideia política discutida no livro era “bastante nebulosa”, que o problema do lesbianismo parecia “vagamente provinciano”, e que havia no livro uma falta de focalização: “visto dall’Italia, il Brasile é remoto come um altro planeta.” E assim, “a malincuore”, a editora recusava a proposta de tradução. Depois dessa, eu, cá no outro planeta, não mandei mais o livro para nenhuma editora estrangeira, e ele não foi traduzido, nem então, nem até hoje. Quem sabe algum dia ele será?...

 

O livro foi construído quase todo com diálogos, técnica literária que acabou por se tornar sua marca registrada...

Modéstia à parte, há pouco tempo fui aí mesmo, no jornal, chamado de “o maior dialoguista da literatura brasileira”. Maior não sei, mas sei que os meus diálogos são muito elogiados, tanto pelo leitor comum quanto pelos críticos. A propósito, uma coisa que me deixou muito contente foi o texto de um blog de Porto Alegre, que um amigo me enviou. O autor do blog encontrou “Os novos” num balaio da Feira de Livro, comprou-o, leu-o, e entre outros comentários descontraídos, disse: “pode-se reclamar que os caras não param de beber cerveja, mas, por favor, os diálogos são maravilhosos, vivos, humanos.” O blog recebeu, de uma jovem mestranda em letras, um comentário: “Este livro é maravilhoso, discute temas tão profundos de uma época tão tensa. Cada vez que o leio, para minha pesquisa, descubro coisas novas, diálogos mais intensos e reveladores. Estou amando estudar ‘Os novos’.” Ficando ainda nos pampas, e no embalo dos elogios, o escritor e crítico Luiz Antonio de Assis Brasil, num email à editora, agradecendo o envio do livro, disse sobre “Os novos”: “uma das obras fundamentais de nossa literatura”.

 

Com a exceção de um capítulo passado numa cidade do interior, “Os novos” se passa todo em Belo Horizonte, principalmente na Faculdade de Filosofia, que anos depois se mudou para o campus UFMG...

Minha turma de universitários foi a que, em 1961, inaugurou o imponente prédio de oito andares da Rua Carangola. Fiz lá o curso de filosofia, em quatro anos. Depois de formado, eu, na condição de professor, mas sem dar aulas, lá trabalhei por três anos como secretário do departamento de filosofia. Sete anos na faculdade. Ela era, portanto, um cenário que eu conhecia bem. Outro autor americano, Irwin Stern, em seu livro “Dictionary of Brazilian Literature”, no verbete a mim dedicado, diz que “Os novos” trata das “ilusions and desilusions of universitary life.” Em parte, sim, mas, como sabemos, não no todo.

 

Outro cenário que aparece com frequência são os bares...

É verdade. No livro “Caminhos de Minas”, de 1992, Sebastião Martins escreveu: “Nos anos 60, antes que as luzes da Savassi começassem a brilhar na paisagem urbana, os estudantes e os boêmios em geral frequentavam principalmente os bares do Maletta: o Sagarana, onde Milton Nascimento aparecia de vez em quando; o Pelicano, o Lua Nova (preferido por Murilo Rubião, José Nava e outros) e o Lucas, cenários do romance ‘Os novos’, de Luiz Vilela.” Fazendo uma pequena correção, Sagarana e Lua Nova não estão no livro; o Pelicano, sim, e o Lucas (Cantina do Lucas) também. Outro bar do Maletta que está no livro é o Jangadeiro. Fora do Maletta, frequentado por aquela mesma turma, estão ainda no livro o Monjolo e o Porão; e, frequentado por um pessoal mais velho, o Gruta Metrópole.

 

No livro os personagens fazem uma revista, ‘Literatura’; você e seus companheiros também fizeram uma revista, não é?

Sim, fizemos a “Estória”, uma revista só de contos. “Estória” teve muito boa repercussão, chegando até o exterior. Nos Estados Unidos, a Small Press Review afirmou que ela era “a melhor publicação literária do continente sul-americano.”

 

Quais entre os seus livros você indicaria para quem não conhece ainda a sua obra?

Meus livros têm todos, para mim, a mesma importância. Não considero nenhum melhor do que outro. Assim, eu prefiro não indicá-los, deixando que a pessoa escolha os livros que quiser.

 

Qual é a sua rotina em Ituiutaba?

Eu passo a maior parte do tempo em casa, escrevendo, lendo, ou cuidando de minhas necessidades pessoais – as minhas e as de meus gatos. No sábado, à noite, às vezes vou com alguns amigos a um bar, tomar uma cerveja. Os gatos não vão. Acho que eles não gostam muito de cerveja... 

 

Romance em correspondência

Trechos das cartas de Luiz Vilela aos amigos sobre a produção e edição de “Os novos”

Para Sérgio Sant’Anna

“Tenho pensado muito sobre a nossa geração, particularmente sobre a nossa turma, os que escrevem; quê que é ela, quê que ela traz, quê que ela está fazendo, quê que ela pretende, onde ela quer chegar, tudo isso. Aliás, meu romance é sobre isso.”

Para Cláudia Batista (Monja Cohen)

“De fins de outubro para cá só tenho feito três coisas: comido, dormido, e escrito meu romance, que corre a todo vapor e espero terminar esse mês ainda. Já tem mais de 350 páginas. Um negócio de louco. Começo pelas dez, onze horas, e vou até a manhã, oito, nove, dez horas. Aí deito e levanto já no começo da noite. Noite? Nem sei mais direito o que é isso. Noite, dia, jantar, almoço, sábado, domingo, feriado, tudo isso foi virado de pernas para o ar.”


Para Roberto Drummond

(Após seguidas recusas de editoras do Rio e São Paulo)

“E viva a burrice, a estupidez e a covardia dos editores brasileiros.”

Trecho de “Os novos”, de Luiz Vilela

“Essa cidade não é para gente de talento”

– Vai embora, Nei. Vai embora daqui. Essa cidade não é para gente de talento, não. Para formar gente de talento, sim, ela é boa; mas depois é preciso sair. Quem fica está perdido: a cidade devora suas crias. É um círculo fatal, historicamente comprovado. O círculo está traçado desde o início. É preciso uma violência para rompê-lo. E isso tem que ser feito agora, quando se é jovem. Depois será tarde.

Otávio encheu de novo os copos. Bebeu e limpou a espuma do lábio.

Pôs a mão em seu braço:

– Escuta, escuta o que estou te dizendo. Se você não tivesse valor, tanto fazia ficar aqui ou sair. Mas eu sei distinguir um jovem de futuro. Eu vejo o seu futuro, eu o tenho quase diante dos olhos.

Ficou um instante em silêncio.

– Como eu via o meu... Como eu via o meu um dia também, quando eu era moço, quando eu tinha a sua idade...Também me disseram para sair daqui, como eu estou te dizendo agora... A história é sempre a mesma, tudo se repete sempre...

– E por que você não saiu?

– Por quê? Eu fui ficando; fui ficando...

Estavam bebendo ali, na Gruta, havia mais de uma hora, e Otávio já falara de tudo; contara sua vida, suas queixas, mágoas e frustrações com a família, os amigos, a cidade, a saúde, o dinheiro, a vocação, a literatura – tudo."