lustração do liivro

lustração do liivro "Onde está Anne Frank?"

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A vida imaginária de Kitty – a amiga que Anne Frank (1929-1945), adolescente morta em campo de concentração nazista, inventou em seu diário – para defender crianças ameaçadas pela guerra mundo afora é uma bela, triste e emocionante história em quadrinhos criada pelo diretor, roteirista e compositor de trilhas sonoras isralense Ari Folman e por sua compatriota e ilustradora Lena Guberman. “Onde está Anne Frank?” (“Where is Anne Frank?”) foi lançada em 2021, com permissão e colaboração da Fundação Anne Frank (Anne Frank Fonds), e acaba de chegar ao mercado brasileiro pela editora Record, no momento em que o conflito entre Israel e o grupo extremista Hamas na Faixa de Gaza, conforme números não oficiais, já teria causado a morte de mais de 4 mil crianças e desabrigado outras centenas de milhares.

A história de Anne Frank e sua família de origem judaica, que ficaram, entre 1942 e 1944, num esconderijo na Amsterdã ocupada pelos nazistas até serem delatadas e deportadas, corre o mundo há oito décadas, desde 1947, quando Otto Frank, pai de Anne que sobreviveu ao Holocausto, descobriu o diário da adolescente e o publicou. Anne foi vítima de tifo e/ou inanição no campo de concentração de Bergen-Belsen, na Alemanha. Antes do trágico fim, ela escreveu o diário entre 12 de junho de 1942 e 1º de agosto de 1944 – a maior parte quando ficou confinada nos fundos de um prédio de três andares na capital da Holanda.

Com capa de pano xadrez, foi um presente que ganhou na comemoração dos seus 13 anos e que acabou se tornando o diário mais famoso do mundo. "Eu me sinto como um pássaro de asas cortadas, que fica se atirando contra as barras da gaiola. 'Me deixem sair!', grita uma voz dentro de mim", escreveu Anne. Essa angústia levou Anne a inventar Kitty, uma amiga imaginária que virou o nome do próprio diário.


Raio de vida

Partindo desse mote, Ari Folman e Lena Guberman criaram a HQ “Onde está Anne Frank?”, também recorrendo a um elemento fantástico. Um raio quebra o vidro que protege o diário na Casa de Anne Frank, o museu em memória à família Frank em Amsterdã. Como num passe de mágica, a tinta das páginas do manuscrito dá vida a Kitty. Mas a amiga imaginária, que às vezes fica invisível aos olhos dos outros, não sabe o que aconteceu com Anne e sai a procurá-la pela cidade com o diário nas mãos. O estrondo do raio, entretanto, atrai a atenção dos seguranças do museu, que percebem o sumiço do diário e constatam que ele foi levado por uma garota misteriosa e passam a persegui-la.

Perambulando pelas ruas da cidade, Kitty acaba sofrendo a dor de descobrir que Anne morreu num campo de concentração e busca então fazer jus ao legado da amiga que a criou. Em seus devaneios, lembra seu diálogo com Anne: “Porque você escolheu Kitty?”, indaga a menina que acabara de ganhar vida. “Era assim que eu queria ser chamada quando era pequena”, responde Anne, que não só batizou Kitty, mas fez descrições detalhadas de como seria a aparência dela – ruiva e de olhos azuis – e que personalidade teria, similar à sua, inteligente e curiosa.

A HQ emociona o leitor quando Kitty, em suas andanças por Amsterdã, encontra o túmulo e a lápide de Anne Frank. “Não tenho palavras para descrever a dor e a culpa por não ter conseguido salvá-la quando ainda era possível salvá-la. Esses sentimentos aflitivos estiveram comigo desde o momento em que ganhei vida. E só agora, só aqui, no local onde sua vida terminou, entendo plenamente porque você me inventou – sua amiga imaginária, Kitty – e qual foi o meu papel na sua vida (…) Sei que estava lá [no esconderijo] por você, mas como era apenas fruto da sua imaginação, uma amiga que existia apenas na sua mente, não tinha, na verdade, o poder para mudar a realidade e assegurar que você sobrevivesse para ver seus lindos sonhos se realizando – acima de todos, o sonho de se tornar uma escritora famosa, um sonho que o seu amado pai realizou para você depois de ser saber que você e Margot [irmã de Anne] não haviam sobrevivido à guerra. Você não sabe disso, mas o seu nome é reconhecido em todos os lugares, e seu diário, que sempre matenho perto de mim e que agora age como meu coração pulsante, é lido por todos”, diz Kitty diante da lápide de Anne.

Desabafo feito, Kitty então percebe a realidade cruel de muitos lugares no mundo, as crianças em perigo em regiões em guerra. Milhões e milhões forçadas a abandonar o próprio país e buscar refúgio em outro, mas muitas vezes rejeitadas. Sua missão agora é ajudá-las, tendo como talismã o diário de Anne Frank em suas mãos e em seu rastro as autoridades da Holanda em busca do precioso manuscrito. Será que ela vai conseguir?

“Onde está Anne Frank?”
• De Ari Folman (roteiro) e Ana Guberman (quadrinhos)
• Editora Record
• 160 páginas
• R$ 56,90