Enquanto negociadores desembarcavam em Belém para dar início às tratativas da 30ª edição da Conferência do Clima, a COP30, moradores do Paraná tentavam se recuperar dos estragos causados por ventos de até 300km/h que assolaram seis cidades do estado e deixaram sete mortos. Um abre-alas fora do protocolo do evento internacional, mas cada vez mais rotineiro no país. Ao longo deste ano, foram registrados no Brasil 117 episódios de ventos intensos. Volume suficiente para rebater qualquer argumento de que se trata de fenômeno inesperado e, portanto, de difícil prevenção, como costumam argumentar gestores públicos.


O número de registro de ventos acima de 80km/h em 2025 é 89% maior do que o do ano anterior, conforme acompanhamento do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). As 62 ocorrências de 2024 já deveriam chamar a atenção – equivalem a mais de uma por semana. Além disso, o balanço de 2025 é quatro vezes superior à média anual da década anterior e o maior contabilizado desde o início da série histórica, em 2002. Há, portanto, um cenário configurado que exige medidas além das emergenciais.


Esperar o vendaval passar custa caro. Segundo a Escala Beaufort, considerada por especialistas para avaliar os impactos dos ventos, a partir de 50km/h, eles dificultam a locomoção de pessoas e podem quebrar galhos. De 88km/h em diante, árvores tendem a ser derrubadas e prédios destelhados. E, acima de 118km/h, há grandes destruições e risco de vida. Considerando as especificidades de cada cidade, o cenário pode ser ainda pior.


Há 15 dias, São Paulo enfrentou ventos de quase 100km/h e se viu diante do caos. Mais de 2 milhões de pessoas ficaram sem luz, mais de 150 árvores caíram, cerca de 400 voos foram cancelados e cirurgias suspensas, entre outros estragos. Já no primeiro dia, o comércio contabilizava prejuízo da ordem de R$ 1,5 bilhão. Segue aberto um processo de encerramento de contrato com a concessionária de energia elétrica, a Enel, em razão da inabilidade na reação ao apagão.


Costuma-se atribuir à queda de árvores boa parte da destruição causada pelos ventos intensos, como aconteceu na maior cidade do país. Ainda que o manejo delas seja essencial, não é o suficiente. Há de se preocupar também com as construções dos grandes conglomerados urbanos, onde é maior o número de construções erguidas sem planejamento e, geralmente, menos resistentes aos vendavais. O rastro de destruição é mais devastador nas áreas precárias do país, onde vivem aqueles que terão mais dificuldade em reconstruir a vida.


Faz-se essencial, ainda, a elaboração de protocolos sobre como agir diante da ocorrência de ventos extremos, com condutas repassadas de forma clara à população, considerando diferentes recortes socioculturais. A existência de uma Defesa Civil capacitada, com profissionais qualificados e equipamentos disponíveis, facilita esse trabalho de educação. Mas a realidade é que boa parte das cidades brasileiras sequer tem esse serviço estruturado e o desprovimento impera entre as que montaram um. Levantamento da Confederação Nacional de Municípios (CNM) com dados coletados em 2. 871 prefeituras entre 2024 e 2025 mostra que mais de 40% não têm dotação orçamentária específica e 43% contam com até três servidores na área, entre outros desfalques.

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Se tem a pretensão de ser uma referência global no enfrentamento à crise climática, o Brasil precisa fazer o dever de casa. E ele inclui tanto o investimento em tecnologias sustentáveis para reformular a matriz energética e produtiva, quanto a adoção de medidas de adaptação. Não se discute que, do ponto de vista ambiental, os centros urbanos se tornaram espaços complexos para a gestão, que não pode se limitar às ameaças mais recorrentes, como alagamentos e temperaturas elevadas. Os fenômenos estão imbricados, e é vital que cidades e pessoas estejam preparadas para lidar com qualquer que seja o extremo climático.

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