Judiciário e Legislativo protagonizaram, ao longo de 2025, sucessivos embates institucionais que tensionaram a ideia de harmonia e independência entre os Poderes, princípio estruturante da Constituição de 1988. A aprovação do PL da Dosimetria, as controvérsias em torno da Lei do Impeachment, os conflitos sobre emendas parlamentares, despesas obrigatórias e a execução do Orçamento revelam um ambiente de disputa continuada. Nesse contexto, cada Poder passou a atuar menos como parte de um sistema cooperativo de freios e contrapesos e mais como corporação empenhada em preservar e ampliar prerrogativas próprias.


É inegável que, até aqui, as instituições republicanas resistiram aos ataques mais diretos à ordem democrática. Não houve ruptura institucional nem desmonte formal das garantias constitucionais. O sistema de pesos e contrapesos funcionou, bloqueando excessos e evitando retrocessos mais graves. A democracia brasileira demonstrou resiliência, e esse dado merece reconhecimento.


O problema, contudo, desloca-se do plano jurídico para o plano ético. As instituições podem funcionar formalmente e, ainda assim, sofrerem desgaste profundo perante a opinião pública. É isso que vem ocorrendo. O comportamento contraditório de autoridades dos Poderes tem corroído a liderança moral que sustenta a legitimidade republicana. Decisões tecnicamente corretas não bastam quando acompanhadas de sinais de corporativismo, casuísmo ou conveniência política. Em vez de fortalecerem a autoridade institucional, fragilizam-na.


Quando a confiança pública é abalada no plano ético, instala-se um problema grave. A democracia não se sustenta apenas em regras, mas também em valores compartilhados entre instituições e sociedade. Nesse sentido, a reflexão clássica sobre a ética permanece atual. Para Aristóteles, a ética é um saber prático, voltado à ação orientada pelo bem comum. A virtude, governada pela razão, é o caminho para a realização humana, entendida não como interesse individual, mas como compromisso com a vida pública.


Aplicada à vida republicana, essa noção ajuda a compreender o impasse atual. Quando instituições passam a agir prioritariamente em defesa de interesses próprios, sejam poder, prestígio e/ou autoproteção, afastam-se da ética da virtude e do dever para com a coletividade.


Na tradição kantiana, a exigência ética é ainda mais rigorosa: agir corretamente não por conveniência ou cálculo, mas por dever. Transposta ao plano institucional, essa concepção implica que decisões devem ser tomadas não porque favorecem este ou aquele Poder, mas porque são universalmente justificáveis à luz de princípios válidos para todos.


A crise ética da política brasileira não é recente. Ela está associada ao financiamento da política, à confusão entre interesses públicos e privados e à captura do Estado por grupos organizados. Esse ambiente alimenta a desconfiança generalizada e transforma cada movimento institucional em suspeita de manobra ou autoproteção.

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O sistema democrático exige equilíbrio permanente entre convicções políticas e responsabilidade de Estado. Sem isso, os riscos são o esvaziamento da autoridade moral das instituições e a erosão contínua da confiança pública. Democracias não colapsam apenas por golpes, mas também pelo desgaste cotidiano de seus valores. Recuperar o espírito republicano, com menos corporativismo e mais virtude cívica, deixou de ser uma escolha. Tornou-se uma urgência.

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