A vida de todo ser humano ganha um sentido maior quando se compreende a herança que se pode construir para a posteridade. Heranças familiares não se restringem aos bens materiais que são frutos de trabalhos e conquistas. Patrimônios materiais podem gerar, em herdeiros, acomodação e falta de motivação para conquistar a vida com o suor do próprio trabalho. Não raramente, essas heranças causam divisões e alimentam divergências. Mas, para além de bens materiais, o que conta, de fato, na herança familiar, é a assimilação de valores ético-morais de relevância civilizatória. Heranças que sustentam posturas cidadãs, com forte sentido humanitário, com incidências sociais muito importantes. As heranças ético-culturais e morais alicerçam vidas em construção, forram consciências e corações, qualificam condutas, impulsionando projetos de vida.


Abandonar heranças que qualificam condutas pode gerar consequências terríveis: a corrupção com seus males, as perversidades, as indiferenças em relação aos pobres, o descaso em relação ao bem comum. Abrir mão de patrimônios ético-morais e culturais leva o ser humano a se perder, promovendo exclusões, guerras de todo tipo, a escolhas políticas que operam na contramão do bem comum. Contam muito as narrativas construídas no âmbito doméstico, emolduradas pelo afeto. Imorredouras lembranças que atualizam sempre inesquecíveis lições, herança construída pelos pais. O contexto contemporâneo pode até não reconhecer a importância de valores que não remetem ao poder e ao dinheiro, até ridicularizar quem defende heranças que não representem acúmulo de riqueza, mas esses valores são essenciais para conservar cidadãos e cidadãs no campo da honestidade e na manutenção do mais nobre sentido de solidariedade.


Deve-se, pois, priorizar os valores que atravessam gerações. Quando os representantes da população ou as referências sociais abrem mão desses valores, produzindo somente espetacularizações, disputas distantes de diálogos civilizados que objetivem o bem de todos, constrói-se um legado negativo. Muito importante se torna investir na construção de um tecido cultural, a partir de um legado recebido como herança, para conquistar uma referência inesgotável capaz de revestir o viver com nobres sentidos. São investimentos que se perpetuam no tempo, bem diferentes daqueles que almejam simplesmente emoções fugazes. Muitos legados precisam ser promovidos para ajudar a sustentar nobres valores, a exemplo do patrimônio sacro. Imagine, por exemplo, o que seria de Minas Gerais sem o seu patrimônio sacro. Haveria um comprometimento da própria identidade mineira, com graves incidências nos campos político e cultural, com prejuízos também para a economia.


Neste mesmo sentido, reconheça-se a importância de se investir no amplo mundo das artes para ajudar a consolidar parâmetros civilizatórios importantes. Não basta ajuntar somas para garantir experiências efêmeras. É preciso participar da nobre lista dos que investem, com responsabilidade social e lucidez, no que pode se tornar legado perene para a humanidade. A responsabilidade social e o compromisso humanístico também se expressam a partir da contribuição com projetos que alicerçam identidades civilizatórias relevantes, no campo artístico-cultural, social e religioso. O patrimônio perene que hoje é partilhado por toda a sociedade é herança daqueles que, no passado, compreenderam a importância de se investir para construir um legado. Tornaram-se, assim, protagonistas na construção da história, inscrevendo seus nomes nos campos da arte, da arquitetura, das engenharias, das pesquisas, das vivências religiosas, das tradições que alimentam e qualificam a identidade de povos, nações e de sociedades. Ajudaram a construir um patrimônio que agrega sentido à vida, movimentam a economia, expressam beleza. Investiram na construção de uma memória que impulsiona o caminhar de um povo, alimentando o sentido de pertencimento a uma cultura, tão importante para o adequado exercício da cidadania.


O atual contexto pede o despertar de discernimentos capazes identificar quais são os investimentos prioritários, para que não se destine recursos bilionários a iniciativas que se dissipam com o tempo, ao invés de dedicar auxílio aos patrimônios capazes de fortalecer a identidade e a cidadania de uma sociedade. Cada geração precisa contar com o protagonismo de investidores que são verdadeiros arquitetos e engenheiros de cultura, de arte e de religiosidade. É papel e missão dos construtores da sociedade pluralista compreender que o valor do patrimônio material rentável se desdobra e se eterniza no tempo pelo valor destinado ao patrimônio artístico, cultural e religioso, sustentáculo de funcionamentos e impulsos para o progresso. Todos podem contribuir, uns mais e outros menos. O que importa é o despertar da consciência cidadã e política sobre a importância de se construir heranças capazes de alimentar valores, cidadania qualificada e, assim, ajudar a impulsionar progressos, desenvolvimento sustentável e sentido de transcendência, emoldurando um viver de qualidade. As oportunidades são muitas, então que se torne prioridade a construção de heranças qualificadas.

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