Baleadas na cabeça, Allane de Souza Pedrotti Matos e Layse Costa Pinheiro foram mortas na escola em que trabalhavam por um colega conhecido pela misoginia e agressividade. O pedagogo João Antônio Miranda Tello Ramos havia instalado uma rotina de medo e ameaça para a diretora, a psicóloga e outras funcionárias do Cefet Maracanã, no Rio de Janeiro. Entrou armado no campus na última sexta-feira, executou as mulheres e se matou em seguida.


Um dia depois, Isabelle Gomes de Macedo, grávida, e os outros quatro filhos foram mortos dentro de casa, consumida por um incêndio que se alastrou pela comunidade de Nova Caxangá, em Recife. As investigações indicam que o marido da vítima, conhecido por práticas corriqueiras de violência de gênero, ateou fogo no local e fugiu. O suspeito está preso.


Assim como Douglas Alves da Silva, acusado de ter atropelado propositalmente Tainara Souza Santos e arrastado seu corpo por mais de um 1 quilômetro, também no sábado, na Vila Maria, em São Paulo. Douglas, com histórico de comportamentos violentos, teria ficado com raiva ao vê-la conversando com outro homem na porta de um bar. Em razão da brutalidade sofrida, Tainara teve as duas pernas amputadas.


Os recentes casos de violência de gênero que chegaram ao noticiário nacional não deixam dúvidas da existência de um ódio crescente contra as mulheres no país, confluindo para um cenário de perigosa normalização das atrocidades. Não à toa especialistas alertam para uma prática disseminada de extermínio de mulheres e autoridades ressaltam os riscos da banalização de crimes do tipo.


Dados do mais recente Anuário Brasileiro de Segurança Pública indicam que, em 2024, houve um recorde de número de feminicídios desde o início da tipificação do crime, em 2015. Ao longo dos 12 meses, 1.492 mulheres foram vítimas, o equivalente a quatro mortes por dia. Números parciais de 2025 sinalizam patamares ainda piores. São 207 casos no estado de São Paulo nos 10 primeiros meses deste ano, contra 191 no mesmo período de 2024. No Distrito Federal, há o registro de 25 crimes do tipo desde janeiro, contra 22 no ano passado. Rio Grande do Norte, Mato Grosso do Sul e Paraíba enfrentam situação semelhante.


Durante cerimônia que marcou os 20 anos do Programa Pró-Equidade de Gênero e Raça, na terça-feira, as ministras Márcia Lopes (das Mulheres), Anielle Franco (da Igualdade Racial) e Esther Dweck (da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos) reforçaram a urgência da adoção de ações concretas de enfrentamento à violência de gênero. “Enquanto normalizarmos e naturalizarmos o ódio contra aquelas que mais sofrem neste país, não teremos o projeto político de país no qual acreditamos”, afirmou Anielle.


O caminho é longo, indica a primeira avaliação do Plano de Ação para o Pacto Nacional de Prevenção do Feminicídio. Divulgado na sexta, o documento feito a partir da análise de dados oficiais e informações colhidas em audiências e reuniões técnicas indica que a iniciativa criada em 2023 enfrenta graves obstáculos, como baixa execução das medidas previstas, dificuldades de articulação entre governos federal, estaduais e municipais, além de persistência de falhas graves no atendimento às vítimas.


Para se ter uma ideia, constatou-se que cerca de 80% dos profissionais da ponta desconhecem conceitos básicos sobre violência de gênero e unidades da Federação sequer executaram verbas destinadas à construção de estruturas de suporte, como a Casa da Mulher Brasileira. A inação faz parte da engrenagem que tira a vida das mulheres brasileiras todos os dias. Sem uma mobilização que envolva agentes públicos, a sociedade civil, escolas, igrejas, estudiosos, não se alteram estruturas que sustentam um ciclo prolongado de violência que tem o feminicídio como estágio crônico. A crueldade também está na omissão, e esta, sim, precisa ser extirpada.

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