Menos de uma semana após o encerramento da COP30, quando o Brasil buscou projetar ao mundo a imagem de liderança climática e compromisso com a transição ecológica, o Congresso Nacional tratou de desmentir o discurso oficial e expor o país ao risco de um retrocesso ambiental sem precedentes. Capturado por uma aliança ruidosa entre o agronegócio predador e segmentos militantes do negacionismo climático, o Legislativo aniquilou peças essenciais da legislação de licenciamento ambiental, reinstalando um vale-tudo que ameaça biomas, populações tradicionais e cidades inteiras já vulneráveis a eventos extremos.


A derrubada dos vetos presidenciais não foi um movimento técnico, tampouco uma revisão ponderada das regras. Foi um gesto político calculado para esvaziar o papel regulador da União e transferir a estados e municípios a responsabilidade de enfrentar gigantes econômicos com poder de lobby incomparável. Essa descentralização forçada – celebrada pelos parlamentares como “modernização” – configura, na prática, a institucionalização da competição predatória entre entes federados: ganha quem flexibilizar mais, quem exigir menos, quem “não atrapalhar” o investidor. Trata-se de um convite à erosão normativa e à volta daquilo que a Constituição de 1988 tentou superar: a fragmentação do controle ambiental, subordinada a interesses locais e capturas políticas.


A proliferação de licenças especiais sintetiza o espírito do retrocesso. O licenciamento por Adesão e Compromisso (LAC), agora liberado inclusive para empreendimentos de médio potencial poluidor, dispensa estudos fundamentais de impacto e transforma a análise técnica em ato facultativo. A consequência é óbvia: atividades que deveriam passar por rigores mínimos poderão operar com base em declarações unilaterais, abrindo brechas gigantescas para riscos geológicos, contaminação de solo e água, assoreamento de rios, desmatamento acelerado e acidentes cujas vítimas – como provado em Mariana e Brumadinho – nunca são apenas “estatísticas ambientais”.


Some-se a isso a ameaça à Mata Atlântica, bioma historicamente devastado e reduzido a fragmentos, bem como ao Cerrado e à Amazônia, ameaçados por atividades primárias predatórias, como o garimpo ilegal e o desmatamento. Ao retirar da União a prerrogativa de avaliar supressões de vegetação nativa, o Congresso desmonta o único parâmetro nacional capaz de impedir que estados sucumbam a pressões locais.


No mesmo sentido, ao permitir que comunidades indígenas e quilombolas só sejam consultadas após a homologação de seus territórios – etapa que o próprio Estado frequentemente posterga por décadas –, a nova legislação rasga compromissos constitucionais e despreza o papel dos povos tradicionais como guardiões dos ecossistemas.


Nada disso surpreende quando se observa a lógica que conduziu as votações. A sessão conjunta exibiu a força de um lobby que rejeita a ciência, desacredita o consenso climático e insiste em tratar o licenciamento como burocracia inútil, apesar de décadas de pesquisas que demonstram o contrário. O negacionismo climático, definido por entidades como o Instituto Butantan, a FIA e a APS como a recusa deliberada de aceitar evidências robustas sobre o aquecimento global, ganhou expressão institucional no Parlamento. O Brasil, onde 15% da população ainda nega a mudança climática, agora vê esse negacionismo convertido em norma jurídica.


O contraste com a postura internacional do país é desconcertante. Na COP30, o governo defendeu metas ambiciosas, apresentou projetos de restauração florestal e clamou por financiamento global para proteção da Amazônia. No entanto, ao regressar de Belém, ambientalistas se deparam com uma ofensiva legislativa que dilui o Conama, fragiliza a fiscalização federal e elimina barreiras críticas à expansão desordenada de empreendimentos de impacto. Não é mera contradição: é sabotagem interna, conduzida a partir do próprio sistema político. 

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