A sanção da lei que isenta do Imposto de Renda pessoas com ganho mensal de até R$ 5 mil, a partir de janeiro de 2026, é mais que o cumprimento de uma promessa de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Trata-se de uma correção tardia em um sistema tributário que, há décadas, penaliza proporcionalmente os mais pobres. Estima-se que 15 milhões de contribuintes serão beneficiados nacionalmente – 1,2 milhão apenas em Minas Gerais –, enquanto outros 5 milhões terão redução do imposto devido, a partir do novo mecanismo de desconto para quem ganha entre R$ 5.000,01 e R$ 7.350.


A medida avança sobre uma distorção histórica: no Brasil, a maior parte da carga tributária recai sobre o consumo, e não sobre a renda e o patrimônio. Dados da OCDE mostram que o país está entre aqueles que menos tributam renda e lucros e mais tributam bens e serviços, o que penaliza famílias de baixa renda. Não surpreende, portanto, que o governo tenha associado à desoneração das faixas inferiores uma ampliação da tributação sobre os chamados “super-ricos”: cerca de 140 mil contribuintes com renda anual superior a R$ 600 mil, que passarão a pagar alíquotas de até 10% sobre determinados rendimentos.


Esse reequilíbrio é coerente com a desigualdade brasileira. Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), do IBGE, os 10% da população com os maiores rendimentos recebem 13,4 vezes o que ganham os 40% da população com os menores rendimentos. Em 2024, a parcela dos mais ricos recebia, em média, R$ 8.034. Já os 40% no extremo oposto ganhavam, em média, R$ 601.


Nesse contexto, a ampliação da isenção do IR é mais do que um gesto simbólico; é uma tentativa de devolver capacidade de consumo às famílias que sustentam o dinamismo econômico. O argumento do presidente Lula, de que “o consumo dos mais pobres impulsiona a economia”, tem respaldo. Estudos do Ipea mostram que famílias de baixa renda destinam quase 90% de seus ganhos ao consumo imediato, enquanto a elite econômica tende a poupar ou investir valores que não necessariamente retornam rapidamente à economia real.


Diante desse quadro, o ajuste da tabela do Imposto de Renda se torna uma das ferramentas para atenuar essas diferenças. A disputa política que emergiu nos bastidores da aprovação da nova lei – marcada pela ausência dos presidentes da Câmara, Hugo Motta, e do Senado, Davi Alcolumbre – revela que o debate tributário continua submetido a tensões conjunturais que pouco dialogam com seu impacto social de longo prazo.


As mudanças, que entrarão em vigor a partir de janeiro de 2026, são um alívio bem-vindo para famílias pressionadas pela inflação e pela estagnação salarial dos últimos anos. É o primeiro passo. O país só avançará rumo a uma verdadeira justiça fiscal quando encarar a necessidade de taxar grandes fortunas, lucros e dividendos com a mesma determinação com que tributa alimentos, serviços básicos e folha de pagamento.


O novo Imposto de Renda caminha na direção de um sistema mais progressivo. É necessário dar continuidade a uma agenda tributária que realmente combata a desigualdade. Adiar essa discussão custa caro: custa oportunidades, desenvolvimento e, sobretudo, dignidade para milhões de brasileiros.

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